Há mesmo os equívocos que só descobrimos quando viajamos... Anne e Lewis reconheceram certas incompatibilidades... Mesmo assim prosseguiram se divertindo.
(...)
Visitaram Uxmal (importante sítio arqueológico com monumentos maias no
oeste do Yukatán) em meio aos piqueniques dos índios...
Na sequência sobrevoaram elevadas
altitudes e aterrissaram na Guatemala... Os registros de Beauvoir dão conta das
impressões de Anne sobre o ambiente (a cidade de “traçado tão regular que
lembrava um tabuleiro”; as casas baixas; camponesas descalças; flores e frutos
nos cestos...) habitado por pobres descendentes indígenas...
O que dizer sobre o tempo que passaram junto ao
maravilhoso lago Atitlán? Há um trecho em que Anne cita o florido jardim do
hotel onde se instalaram em Antígua... De fato, a viagem que realizaram não é
projeto dos pequenos.
Também na Guatemala visitaram o famoso mercado de Chichicastenango, seu
intenso movimento humano em busca de mercadorias (“sementes, farinhas, pães,
frutos enrijecidos, aves magras, louças de barro, bolsas cintos, sandálias e
quilômetros de tecidos cor de vitral e de cerâmica”)... Lewis mostrava-se
encantado com tudo, especialmente com os tecidos... É claro que acabaram
comprando vários souvenires... Anne
demonstrou interesse pelas “blusas de bordados antigos” e surrados que as
camponesas usavam. Para a sua decepção, aquelas peças, conhecidas como huipils, não estavam à venda...
(...)
O hábito que os nativos tinham de comer iguarias
preparadas no mercado ao ar livre chamou a atenção de Anne... As mulheres
amoleciam uma mistura com as mãos e preparavam as tortilhas ao mesmo tempo em
que um guisado amarelado cozinhava... Famílias inteiras se juntavam para se
alimentar e trocar ideias...
Numa ocasião entraram em uma igreja onde homens em trajes similares aos
de toureiros agitavam turíbulos de modo a provocar intensa fumaça de aromas
perturbadores... A cena fez com que Anne se lembrasse de sua infância religiosa,
porém a composição geral do ambiente pareceu-lhe bem estranha...
Via-se que a imagem do Cristo torturado e ensanguentado estava
ornamentada com panos e joias... O chão do ambiente era ocupado por inúmeras
velas acesas, e no altar havia uma múmia... Os índios pareciam dizer orações em
sua língua ao mesmo tempo em que espigas de milho eram passadas de mão em mão...
Não havia nenhum banco ou cadeira, mas as pessoas se organizavam sem maiores
deliberações... Um tipo envelhecido parecia abençoar índias que se ajoelhavam
aos seus pés.
É claro que turistas como Anne e Lewis nada entendiam do que diziam ou
do que se passava ali... Assim, não havia nada que pudesse prendê-los mais ao
ambiente... Além do mais o incenso era mesmo sufocante.
Pelo visto Lewis permaneceu tentando desvendar o mistério que se
escancarava à sua frente... As roupas alegres e coloridas iludiam aqueles que
imaginavam que os índios vivessem felizes...
(...)
Depois de um dia inteiro de
passeio, Anne e Lewis se acomodavam para beber e observar o “modo de ser”
indígena... Enquanto bebiam tequila servida com limão e um pouco de sal,
notavam a embriaguez dos nativos... Mesmo sem o menor equilíbrio, alguns
arriscavam dançar e se tornavam atração para os demais...
Os “feirantes” mostravam-se
bem organizados ao recolherem suas mercadorias no final do dia... Anne se
admirou com a habilidade deles ao montarem um fardo que carregavam às costas
graças a uma alça de couro que sustentavam pela testa...
Para Lewis, aquele
recurso diferente os colocava em pé de igualdade às “bestas de carga”... Ele
não levava em consideração a condição de extrema pobreza daquelas pessoas, e as
julgou “bem instaladas em sua miséria”.
(...)
Antes de retornar ao hotel depois do dia de passeios pela feira e igreja,
Lewis decidiu que devia comprar cigarros. Na verdade queria surpreender Anne
dando-lhe um huipil que conseguiria ao
negociar com uma nativa.
Anne o aguardou próxima à
lareira do quarto de hotel... E foi assim que pôde pensar nas manifestações do
amado... Pelo que conhecia de seus livros e de suas reações, entendia que ele
não admitia a resignação dos que sofrem... E é por isso que, de certo modo, se
revoltava com os pobres ameríndios da Guatemala.
Lewis era do tipo que
admirava os que buscam algum tipo de libertação ou superação a partir da
rebeldia através da literatura, das drogas ou até do crime... Não demonstrava
simpatia pelos comunistas conterrâneos, embora manifestasse que Stálin, Mao ou
Tito pudessem ser referências...
Anne pensou que se ele vivesse na França
(talvez) tentaria se aproximar dos comunistas.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_6.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto