quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – mercado de Chichicastenango; sincretismo e tequila; Lewis e sua análise sobre a condição dos “bem acomodados” na miséria

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_4.html antes de ler esta postagem:

Há mesmo os equívocos que só descobrimos quando viajamos... Anne e Lewis reconheceram certas incompatibilidades... Mesmo assim prosseguiram se divertindo.
(...)
Visitaram Uxmal (importante sítio arqueológico com monumentos maias no oeste do Yukatán) em meio aos piqueniques dos índios...
Na sequência sobrevoaram elevadas altitudes e aterrissaram na Guatemala... Os registros de Beauvoir dão conta das impressões de Anne sobre o ambiente (a cidade de “traçado tão regular que lembrava um tabuleiro”; as casas baixas; camponesas descalças; flores e frutos nos cestos...) habitado por pobres descendentes indígenas...
O que dizer sobre o tempo que passaram junto ao maravilhoso lago Atitlán? Há um trecho em que Anne cita o florido jardim do hotel onde se instalaram em Antígua... De fato, a viagem que realizaram não é projeto dos pequenos.
Também na Guatemala visitaram o famoso mercado de Chichicastenango, seu intenso movimento humano em busca de mercadorias (“sementes, farinhas, pães, frutos enrijecidos, aves magras, louças de barro, bolsas cintos, sandálias e quilômetros de tecidos cor de vitral e de cerâmica”)... Lewis mostrava-se encantado com tudo, especialmente com os tecidos... É claro que acabaram comprando vários souvenires... Anne demonstrou interesse pelas “blusas de bordados antigos” e surrados que as camponesas usavam. Para a sua decepção, aquelas peças, conhecidas como huipils, não estavam à venda...
(...)
O hábito que os nativos tinham de comer iguarias preparadas no mercado ao ar livre chamou a atenção de Anne... As mulheres amoleciam uma mistura com as mãos e preparavam as tortilhas ao mesmo tempo em que um guisado amarelado cozinhava... Famílias inteiras se juntavam para se alimentar e trocar ideias...
Numa ocasião entraram em uma igreja onde homens em trajes similares aos de toureiros agitavam turíbulos de modo a provocar intensa fumaça de aromas perturbadores... A cena fez com que Anne se lembrasse de sua infância religiosa, porém a composição geral do ambiente pareceu-lhe bem estranha...
Via-se que a imagem do Cristo torturado e ensanguentado estava ornamentada com panos e joias... O chão do ambiente era ocupado por inúmeras velas acesas, e no altar havia uma múmia... Os índios pareciam dizer orações em sua língua ao mesmo tempo em que espigas de milho eram passadas de mão em mão... Não havia nenhum banco ou cadeira, mas as pessoas se organizavam sem maiores deliberações... Um tipo envelhecido parecia abençoar índias que se ajoelhavam aos seus pés.
É claro que turistas como Anne e Lewis nada entendiam do que diziam ou do que se passava ali... Assim, não havia nada que pudesse prendê-los mais ao ambiente... Além do mais o incenso era mesmo sufocante.
Pelo visto Lewis permaneceu tentando desvendar o mistério que se escancarava à sua frente... As roupas alegres e coloridas iludiam aqueles que imaginavam que os índios vivessem felizes...
(...)
Depois de um dia inteiro de passeio, Anne e Lewis se acomodavam para beber e observar o “modo de ser” indígena... Enquanto bebiam tequila servida com limão e um pouco de sal, notavam a embriaguez dos nativos... Mesmo sem o menor equilíbrio, alguns arriscavam dançar e se tornavam atração para os demais...
Os “feirantes” mostravam-se bem organizados ao recolherem suas mercadorias no final do dia... Anne se admirou com a habilidade deles ao montarem um fardo que carregavam às costas graças a uma alça de couro que sustentavam pela testa...
Para Lewis, aquele recurso diferente os colocava em pé de igualdade às “bestas de carga”... Ele não levava em consideração a condição de extrema pobreza daquelas pessoas, e as julgou “bem instaladas em sua miséria”.
(...)
Antes de retornar ao hotel depois do dia de passeios pela feira e igreja, Lewis decidiu que devia comprar cigarros. Na verdade queria surpreender Anne dando-lhe um huipil que conseguiria ao negociar com uma nativa.
Anne o aguardou próxima à lareira do quarto de hotel... E foi assim que pôde pensar nas manifestações do amado... Pelo que conhecia de seus livros e de suas reações, entendia que ele não admitia a resignação dos que sofrem... E é por isso que, de certo modo, se revoltava com os pobres ameríndios da Guatemala.
Lewis era do tipo que admirava os que buscam algum tipo de libertação ou superação a partir da rebeldia através da literatura, das drogas ou até do crime... Não demonstrava simpatia pelos comunistas conterrâneos, embora manifestasse que Stálin, Mao ou Tito pudessem ser referências...
Anne pensou que se ele vivesse na França (talvez) tentaria se aproximar dos comunistas.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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