Não há como não considerar:
Lewis havia mudado muito depois que conheceu Anne. Ele mesmo confessa que já não se realizava com as satisfações passageiras proporcionadas por outras mulheres...
E o que dizer da amarga longa espera e do sofrimento de Anne até que pudessem se reencontrar?
No entanto vemos Lewis questionando a respeito de sua submissão aos caprichos de Anne... Tudo indica que seus sentimentos se desgastaram porque entendia que para ela o “amor não é tudo”.
Anne não se conformou com a mentira que ele forjou para colocar um fim nos passeios pelo México... Ela entendia que ele já não suportava permanecerem a sós.
E os tipos preferidos por Lewis eram no mínimo questionáveis... Suportá-los era entediante.
(...)
Percebemos que Anne e Lewis eram do tipo que não se
prende a moralismos ou convenções quando decide se aventurar em relações
românticas e de busca de prazer... Antes de se conhecerem, o escritor se
divertia com mulheres diversas... Também Anne envolvia-se com outros parceiros
e parceiras...
Não parece interessante que eles estivessem passando por aquela situação
de insegurança, um em relação ao outro?
(...)
No Society, Anne quis saber se ele já não a amava como
outrora... Ele respondeu que o amor não era mais tão importante como pensava no
início. Ela disse que o entendia e perguntou se fazia alguma diferença estarem
ou não juntos.
Vimos que Lewis disse que era mais ou menos isso mesmo...
Mas de repente sua fisionomia se alterou... Ele respirou fundo e emendou
que durante o tempo em que a esperou não pensara em mais nada... Num
monossílabo, Anne deu a entender que desejava que ele prosseguisse... Lewis
disse que ainda a queria, e que se casaria com ela no mesmo instante (!).
(...)
Anne abaixou a cabeça e recordou-se da vez em que ficaram a contemplar o
céu no ano anterior... À passagem de uma estrela cadente haviam feito votos
secretos... Agora ela pensava em sua promessa de nunca o decepcionar, e se
sentia como se tivesse falhado com ele.
(...)
Deixaram o Café e não mais falaram a respeito de seus dramas...
Retornaram ao hotel...
Cansado, Lewis adormeceu pesadamente... Anne passou a noite em claro, pois não
conseguia parar de pensar sobre o que o destino lhes reservava... Faria de tudo
para salvar o seu amor... Lewis teria a mesma intenção?
São raciocínios de uma
psicanalista... É bom lembrarmos...
Os pensamentos a
agitavam... Considerando o que conhecia do amado entendeu que havia alguma
chance... É claro que ele valorizava a sua independência, mas também não era um
tipo que vivia descartando elementos que contribuíssem com o estabelecimento de
sua “zona de conforto”... Como explicar que ele não conseguisse se desprender
do velho roupão branco? Ele devia prever que não seria nada fácil se desprender
das experiências vividas com ela.
A partir dessas constatações, Anne concluiu que seria importante
mostrar-lhe que ele mais se beneficiava do que se anulava na história.
(...)
Tomavam o café da manhã
quando Anne deu início à conversa... Explicou que havia passado a noite em
claro... Ele comentou que teria feito melhor se dormisse...
Para ela, em vez de desmotivador, Lewis parecia
amistoso... Então continuou a dizer que havia pensado em tudo o que ele tinha
lhe dito, e admitiu sua razão ao irritar-se porque ela exigia mais do que
estava disposta a ceder no relacionamento... Prometeu que isso não mais ocorreria, pois não exigiria nada... Pelo
menos aqui vemos que Anne admite que o pressionasse...
De alguma maneira contradiz
o que afirmara na noite anterior, quando disse que ele estava enganado (ao insistir
sobre como tinha de se subordinar aos caprichos dela).
Aquelas palavras deviam expressar que, em síntese, o
relacionamento (que sequer proporcionava o que ele sonhava) não o impediria de
ser livre até mesmo para se apaixonar por outra pessoa... Anne não protestaria
porque que não poderia privá-lo de nada.
É claro que a situação não é tão simples assim... O próprio Lewis quis
observar... Quando se ama perde-se a liberdade... Alguém sempre pensa que tem
direitos sobre o outro...
Lewis garantiu que era indiferente... Mas não quis prosseguir... Disse
que só “se embrulhavam” ao falar sobre essas coisas.
Anne respondeu que “se embrulhavam” também
quando não falavam sobre elas.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_17.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto