Podemos dizer que Lewis havia decidido por ele e por Anne... Jantariam com Jack Murray e combinariam a viagem para o vilarejo (que ele mesmo chama de Rockport) nas proximidades de Boston, onde passariam dias agradáveis junto à família do amigo.
Sabemos que Anne considerava maçada ter de conversar com outros tipos (ainda que fossem chegados de Lewis) para permanecer junto dele. Alguma coisa não andava bem... Pensava mesmo que a relação estava “esfriando”.
(...)
Estamos no ponto em que
Lewis tomava banho para se preparar para o encontro... Anne permaneceu no
quarto, e assim ninguém testemunhou a sua decepcionada fisionomia... Estava
claro que, bem ao contrário de suas intensões, Lewis deixara de se importar com
os momentos a sós... Tudo indicava que ele só podia mesmo estar aborrecido com
ela, e justamente quando ela se via mais apaixonada por ele...
A conclusão era a de que devia
tomar alguns cuidados, pois não podia dizer que o conhecia satisfatoriamente.
(...)
Foi por acaso que avistou carteira e alguns papéis de
Lewis sobre a mesa... Não tão por acaso começou a manipular o envelope que
apresentava timbre de seus editores...
Ainda que superficial, a leitura possibilitou entender que os editores
atendiam à sua solicitação “retornar imediatamente”. Dada a “preferência” de
Lewis, os editores tomaram todas as providências (provavelmente para acertar a
agenda de compromissos)!
Não havia dúvida... Lewis havia escrito aos editores
oito dias depois daquela chuvosa noite romântica em Chichicastenango (deitados
no tapete, próximos à lareira) quando, chamando-a de “gaulesinha”, dissera que
a amava...
No momento mesmo em que compreendeu o que havia se passado, Anne pensou
na ocasião em que Paule a convidara para o “macabro jantar”... Sentiu que
vacilava sobre o assoalho... Ela mesma podia colocar-se no lugar de Paule, já
que certamente não era Lewis quem estava enlouquecendo.
(...)
Foi angustiante perceber que ele fizera de tudo para, em síntese, “abreviar
os momentos que poderiam ter a sós”.
Ao sair do banheiro, Lewis notou que ela estava desolada... Quis
consolá-la ao imaginar que o seu desânimo se devia ao encontro que teriam com
Murray. Anne nada disse... Também permaneceu calada durante todo o percurso do
táxi até o Central Park.
(...)
O ambiente era dos mais agradáveis... As pessoas estavam bem à vontade e
se serviam de bebidas mais refrescantes por causa do calor... Anne tomou dois
martinis e isso a motivou a participar da conversa.
Murray era um tipo redondo
(de corpo e cabeça)... Portou-se gentilmente e, como Anne estava desgastada com
o namorado, sua voz parecia-lhe mais agradável do que a de Lewis.
E não é só isso. Murray
mostrou-se um tipo em sintonia com o que ocorria na França... Falou sobre os
livros de Robert e de Henri... Mas ao mesmo tempo em que falava com
desenvoltura com aquele estranho, Anne não conseguia eliminar de seus
pensamentos a carta dos editores e a constatação de que “Lewis preferiu
retornar a Nova York”.
No momento em que
apreciavam um coquetel de camarões acompanhado de vinho branco, Murray quis saber
as opiniões políticas de Anne e dos franceses (sobre as propostas de Marshall;
a atitude da URSS...). A tudo ela respondia com naturalidade ao mesmo tempo em
que notava que o interlocutor, diferentemente de Lewis, possuía ideias organizadas...
Talvez o encanto de Lewis por Murray fosse exatamente por este expressar
melhor aquilo que ele também pensava... Talvez por isso tivesse necessidade de
passar algum tempo próximo a ele.
(...)
Anne podia entender isso... Mas a “mentira do México” ainda estava sem explicação.O encontro chegou ao fim e Lewis dispensou a carona do amigo garantindo que preferiam caminhar.
Murray sentenciou que, até por isso, eles deviam aceitar o convite para se instalarem na sua propriedade em Rockport.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_12.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto