Anne soube como lidar com Dick... O seu dia-a-dia profissional a preparara para inspirar confiança também em garotos como ele... Em síntese, apostaram corrida de bicicleta, tomaram sorvetes, entraram num barco pesqueiro...
O menino se afeiçoou de tal modo a ela que não quis largá-la durante todo o dia. Apesar de o saldo ter sido positivo, ela não se conformava com o fato de Lewis ter se comportado de modo extremamente agressivo com a criança.
(...)
À noite, Anne decidiu fazer
alguns comentários sobre suas impressões com Lewis... Ela considerava que ele
deveria agradecer-lhe por livrá-lo das importunações de Dick... Lewis achava que
era o menino quem deveria agradecê-la e dar-se por satisfeito por ter se
livrado de seus safanões...
Conversavam sobre o dia que tiveram e ela queria
apenas que ele reconhecesse a importância de sua intervenção no delicado
momento em que agredia o filho de Murray...
Anne percebeu que Lewis ocupava-se apenas de si mesmo. Ele estava
deitado, vestia camisa de mangas e sua calça velha... Tinha o olhar perdido no
teto e fumava tranquilamente.
Ela se ajeitava decentemente, pois havia notado que o
casal anfitrião sempre se vestia muito bem à noite, quando costumavam receber
visitas para o jantar... É por isso mesmo que Anne perguntou a ele se não iria
se trocar... Achava mesmo que era um desrespeito de sua parte não levar em
consideração a gentileza da família que os recebia.
Lewis protestou e disse que de modo algum podiam associar a suas vestes
simples a atitudes de desrespeito... Elas não o tornavam nu! Além do mais não
havia sido para topar a todo o momento com tipos nova-iorquinos que havia
aceitado o convite de Murray...
Anne concordou com o que ele disse... E emendou que, pelo visto, ele
havia aceitado se instalar na propriedade de Murray para ser desagradável com
todos... Acrescentou ainda que era certo que Ellen andava a reparar no modo
como ele se comportava...
(...)
Lewis parecia não dar a mínima importância ao que Anne lhe dizia, então ela
disparou que ele podia fazer o que bem entendesse. Ainda esbravejando, Lewis
acabou se vestindo um pouco mais decentemente.
De sua parte, Anne estava inconformada porque só estavam instalados ali
porque ele mesmo havia insistido... Enquanto ela procurava colaborar o mais que
podia, ele parecia se esforçar para ser o mais desagradável possível.
Já que o seu prazer estava em
“estragar tudo”, Anne decidiu que o deixaria de lado.
(...)
Pelo menos para ela, o
jantar foi muito agradável... De fato, ela não se importou com Lewis...
Conversou com todos e sequer percebeu a conduta adotada por ele.
A maioria dos
convidados se retirou por volta da meia-noite... Este foi o caso de Ellen e
também de Lewis.
Anne, Murray, o guitarrista e mais outros dois permaneceram até três da
manhã trocando ideias...
Ao retornar para o quarto,
Lewis acendeu a luz... Ele quis saber se ela já havia parado de “fazer barulho
com a boca”. Não sabia que ela era como a Sra. Roosevelt, mulher capaz de fazer
muito barulho sozinha...
(...)
Mais uma vez notamos misoginia numa declaração de
Lewis... Anne pareceu ignorá-la e disse apenas que gostava de conversar com
Murray... Lewis reagiu imediatamente e garantiu que a censurava por isso... O
que Murray teria a dizer? Teorias!
Lewis insistiu que não eram de teorias que se faziam bons livros... Os
teóricos, como Murray, explicam como se faz livros... Mas os que
definitivamente fazem bons livros não são teóricos.
Anne disse que o interesse de Murray não era o de se
tornar romancista, pois era um crítico literário... Lewis se irritou ainda mais
e disse que o outro não passava de um verbalista... E saber que Anne sorria ao
ouvi-lo...
Lewis garantiu que tinha vontade de chocar a cabeça da namorada contra a
parede para ver se o bom senso penetrava nela...
Anne não respondeu àquelas agressões... Era para isso que ele a havia
esperado?
Deitou-se e desejou-lhe boa noite...
Lewis apagou a luz... E nada mais disse.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-sem.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto