Anne ainda perguntou se Lewis se arrependia de tê-la conhecido... Ele respondeu que jamais se arrependeria.
Depois ela ainda quis saber se ainda se reencontrariam... Lewis arrematou que aquilo era a “coisa mais certa no mundo”.
(...)
As palavras de Anne teriam
convencido o amado? Ela mesma sabia da contradição ao reforçar a sua liberdade ao
mesmo tempo em que pedia que não a retirasse do coração...
À tarde foram a Coney Island, e Lewis mostrou-se
disposto a falar e a apresentar o lugar, sua praia e o parque. Enquanto se
divertiam, ele falava sobre livros, pessoas e o ambiente literário de Nova
York. Num dado momento perguntou se ela não ficaria chateada ao visitarem
Murray.
Anne deixou claro sua concordância, mas estranhou que ele estivesse
disposto a partir na manhã seguinte. Ele explicou que não se importava com os
compromissos que podiam ser adiados.
(...)
A casa de Murray possuía grandes janelas e a sua
localização, no alto de um rochedo, conferia-lhe ambiente arejado e iluminado.
O barulho do mar chegava aos ouvidos dos moradores... Tudo muito agradável.
Lewis também estava um encanto... Saboreava as torradas com manteiga e
falava sem parar... A família de Murray os recebeu muito bem... Ellen, a jovial
e elegante esposa, sintetizava toda a harmonia que se podia contemplar: a casa
asseada; o realizado marido; os dois filhos carregados de saúde e energia...
A esposa de Murray era o tipo de mulher (dotada das “perfeições
matrimoniais”) que chocava as convicções de Anne... Por essa ela não
esperava... Não foi por acaso que ela pensou sobre a coerência de sua presença
naquele lugar.
(...)
Foi o menino Dick, filho de Murray que contava oito anos, quem se
encarregou de conduzir os convidados a um primeiro passeio. Chegaram a um lugar
bem agradável “ao pé de rochedos”... Lewis teve de se entreter com o garoto que
não se cansava de jogar bola na areia e na água.
Anne nadou e leu um pouco... Não se pode dizer que tenha ficado
entediada... Todavia a pergunta “o que faço aqui?” não lhe saía da cabeça...
(...)
Ellen não os acompanhou
quando Murray levou o casal a um passeio de carro pela costa no período da
tarde...
(...)
Aos poucos Anne percebeu a
rotina daquela família... Murray passava longas horas diante da máquina de
escrever enquanto que a jovem Ellen não tinha tempo para si. Notou que
certamente teria ótimas ocasiões a sós com Lewis... Antes que o primeiro dia
terminasse, os dois tiveram um momento só para si regado a muitos copos de
uísque... Então a avaliação que fizeram de tudo foi extremamente positiva (o lugar
é lindo; Murray é muito gentil...).
As ondas e seu
interminável som de arrebentação traziam o cheiro da maresia... Ellen devia
estar preparando uma massa na cozinha... Lewis deixou escapar o seu raciocínio
que o levava a refletir sobre os anfitriões e sua condição “ideal”... Então,
referindo-se ao que via, fez o elogio do modo como se deveria viver: uma casa
própria; “uma mulher a quem não se ama muito nem pouco”; filhos...
Anne quis saber se era daquela forma, “nem muito nem pouco”, que Murray
amava Ellen... Ele respondeu que era evidente que sim... E acrescentou que também
Ellen devia amar o marido como todas as mulheres amam: “muito e muito pouco”...
É claro que aqueles juízos
só podiam ser o resultado da visualização do “pequeno sonho de felicidade
doméstica” escancarado para eles na casa de Murray... Anne imaginou que era com
certa amargura que ele voltava a pensar sobre o futuro deles, então perguntou
se acreditava que pudesse ser feliz vivendo como o amigo Murray.
Lewis disse que era certo que, pelo menos, nunca seria
infeliz... Depois manifestou que invejava Murray por ter filhos... Um dia todos
se cansam de viver sozinhos... Disse isso e concluiu que gostaria de ter
filhos.
Anne emendou que um dia ele poderia se casar e ter filhos... Lewis
concordou acrescentando que isso não ocorreria num curto prazo... Talvez demorasse
alguns anos até que se resolvesse...
(...)
Ela sorriu concordando...
Pensou que era somente aquilo mesmo que poderia desejar... Alguns
anos...
Viviam longe um do outro... Ela já contava certa
idade... O amor suportaria um tempo e se extinguiria... Suavemente.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_22.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto