Felton era um tipo pálido e alto... Habitava uma mansarda que, durante o verão, se tornava absurdamente quente...
Sua companheira logo apareceu acompanhada de dois moços bem jovens... Eles estavam munidos de várias latas de cerveja.
(...)
Para Anne, a expectativa
que se criou sobre a Nova York a partir do olhar de Felton, o “diferenciado”,
resultou em frustração... E para piorar, a conversa entre os amigos de Lewis
era sobre tipos que ela não tinha a menor ideia de quem fossem... Tipos que
estavam encarcerados ou que em breve obteriam a liberdade.
Os assuntos que os animavam eram deprimentes... Além
do mais, a impressão que Ane tinha era a de que todos eles pareciam bem
inteirados a respeito do tráfico de drogas e sobre os policiais que aceitavam
suborno...
Se ela não se sentia à vontade, Lewis, por outro lado, se mostrava muito
animado... Mas está claro que a sua identificação com aquele submundo
desagradava Anne.
(...)
O pior, para ela, é que as festas, jantares e almoços
dos quais sempre saía desanimada, pareciam não ter fim... Desde que chegaram à
Nova York, os poucos momentos que podia desfrutar junto a Lewis eram no cinema
ou numa plateia de alguma luta de boxe.
(...)
Chegou o momento de Lewis perguntar para Anne a respeito de sua
avaliação a respeito de Felton... Ela foi sincera ao responder que nada tinha a
dizer àquele tipo, ao mesmo tempo em que entendia o fato de também ele não ter
nenhum assunto para debater com ela.
Depois Anne lamentou o fato de as pessoas que Lewis mais admirava serem
viciados e envolvidos na criminalidade...
Ele também se manifestou com sinceridade ao admitir que os considerava
mais interessantes e divertidos... Admirava sobretudo os tipos como Felton... E
garantiu que ele mesmo nunca se envolvera com entorpecentes.
Aquele juízo não trazia tranquilidade a Anne... Apesar do modo divertido
de se colocar, era certo que Lewis dizia a verdade... De alguma maneira, aquilo
significava que ele havia preferido levar uma existência “sem riscos”...
Em seus pensamentos, a
hesitação do amado só podia ser resultado de suas reflexões a respeito do caso
amoroso que mantinham... Isso significava, no mínimo, que ele estava mudado.
(...)
Numa tarde, Lewis apareceu
com animação diferenciada... Ele havia passado o dia gravando entrevista para uma
emissora de rádio... De fato, sua agenda parecia não possuir lacunas...
Ele chegou anunciando que
jantariam com Jack Murray, um amigo escritor que “morria de vontade de conhecê-la”...
Anne protestou porque
já estava desanimada por não poderem permanecer sozinhos sequer por uma
noite...
Lewis prometeu que não demorariam com Murray... Disse isso e foi ajeitando
um terno novo que havia comprado... Garantiu também que certamente ela iria
aprovar a noite... Tudo seria bem agradável, até porque jantariam no Central
Park em mesa ao ar livre... E foi antecipando também que havia acertado um
projeto com Murray... É claro que Anne estava envolvida...
(...)
O fato é que Murray
convidara Lewis para que passasse algum tempo com a namorada em sua casa de
vilarejo nas proximidades de Boston. E como seriam aqueles dias? Mais uma vez
Anne manifestava a sua preocupação porque não estava a fim de conviver com
estranhos... Seu interesse era unicamente ficar a sós com Lewis, nem que para
isso tivessem de sofrer com o calor de Chicago.
Lewis não via nenhuma necessidade de permanecerem sós “sob
o pretexto de amor”... Podiam, sim, ficar uns dias com Murray, que morava com a
mulher e dois filhos.
Os argumentos de Lewis fizeram Anne pensar mais uma vez sobre a
possibilidade de ele estar aborrecido com ela, ou então podia ser que o
convívio já lhe causasse enfastio.
Antes que ela pudesse dizer-lhe qualquer coisa a
respeito, viu-se sozinha no quarto a se arrumar com uma sandália dourada, uma blusa
de rendas e uma saia mexicana... Lewis já tomava banho sem pensar sobre a
condição dos dois.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_11.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto