Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian_27.html antes de ler esta postagem:
O menino Cabret passou a ter outro objetivo...
Pretendia chegar à estação, seguir até os aposentos e de lá retirar o autômato
para entregá-lo a Méliès. Sua tarefa, sabia bem, não seria fácil, dado o
lastimável estado de sua mão.
A estação estava lotada e
Hugo aproximou-se do café, onde se apropriou de gelo para aliviar as suas
dores, e de uma garrafa de leite. Não pôde deixar de atentar-se à conversa da
senhora Emile, dona do café, com o senhor Frick, o jornaleiro. A mulher falava
sobre um corpo que havia sido encontrado no fundo do rio Sena... O cadáver só
foi descoberto por causa da dragagem que se operava no rio... Dona Emile
demonstrava espanto porque o caso policial era mesmo intrigante... O corpo,
dizia, devia estar a muito tempo no fundo do rio, talvez anos... A polícia só
chegou a identificá-lo depois de periciar um frasco de prata que estava num dos
bolsos do homem... Nele estava gravado o nome do tipo...
Então a mulher revelou que
o cadáver era Claude, o cronometrista da estação (tio de Hugo) que vivia
bêbado... O menino sabia mesmo que o tio devia estar morto, mas tinha certeza
de que a narrativa da mulher exagerava no tempo de sua morte... Hugo sabia que,
no máximo, a morte do tio poderia ter ocorrido há alguns meses. Mas neste ponto
da conversa o garoto percebeu que a trama era um pouco mais complicada.
Ele ouviu o senhor Frick lamentar não ter sido o primeiro a saber do
ocorrido e destacar que ninguém havia notado a falta do cronometrista... A
senhora Emille o fez notar que enquanto ninguém incomodou o cadáver do bêbado Claude,
seu fantasma tratou de fazer a manutenção dos relógios da estação, mas com o
resgate de seu corpo o fantasma “sentiu-se incomodado” e deixou de cuidar dos
relógios... A mulher destacava que era por isso que os relógios estavam
parando. E concluiu: “A estação está assombrada!”
Ao ouvir a história
contada pela mulher, Hugo notou que aquilo dizia-lhe respeito. Fatalmente sua
condição de intruso seria descoberta. Assustado, largou gelo e garrafa de
leite, que caíram provocando barulho. A mulher gritou ao descobrir quem vinha
roubando-lhe garrafas de leite e pães. O menino saiu em disparada no meio da
multidão e conseguiu chegar até o seu esconderijo.
Foi com muito esforço que
Hugo arranjou a melhor forma de transportar o boneco. Quando estava para sair,
bateram na porta e ele supôs que fosse Isabelle... Mas antes que ele abrisse,
a porta foi brutalmente arrombada... Eram a senhora Emille e o senhor Frick,
que chegaram acompanhados pelo inspetor da estação... O inspetor agarrou o
braço do menino que, na tentativa de se desvencilhar, deixou cair o autômato.
A dona Emille e o senhor
Frick reconheceram o gatuno acusado dos furtos de leite e croissants... O
inspetor disse que cuidaria do assunto a partir daquele momento. Frick queria
saber que lugar era aquele e o inspetor revelou que tratava-se do apartamento
do cronometrista... A senhora Emille retirou-se em disparada no mesmo instante.
Evidentemente ainda pensava no “caso do fantasma da estação”. O senhor Frick
fez o mesmo, retirando-se na sequência.
O inspetor olhou em volta
viu o boneco mecânico no chão e perguntou o que estava acontecendo ali. O
pequeno Hugo apavorou-se com seu carrasco... Notou seus dentes horríveis, sua orelha faltando um
pedaço e o seu fedor que lembrava repolho apodrecido. Tanto circulou pelo
quarto arrastando o menino, que deparou-se com os envelopes contendo
os cheques-salários de Claude. Então o homem insistiu em saber o que ocorreu
com o cronometrista e como é que o menino conhecia aquele apartamento...
Um “vacilo”
do inspetor e Hugo conseguiu escapar.
Uma grande sequência
de ilustrações nos leva a perceber a determinação do perseguidor e o pavor do
perseguido. Vemos Hugo de olhos arregalados, correndo pelos interiores das
paredes da estação, subindo escadas com o inspetor em seu encalço. Conhecedor dos
porões, o menino conseguia esconder-se por algum tempo, mas logo o inspetor aparecia...
Vemos Hugo num dos mais altos relógios, mas também ali ele foi alcançado...
Nova corrida e sabemos que ele conseguiu escapar pela portinhola e se misturou
entre os usuários da estação. Mas o inspetor também é ágil e logo se aproximou
do menino.
Não
teve jeito. Hugo acabou tropeçando e, caindo,
foi dominado pela senhora Emille e por Frick. O menino foi colocado de pé... Em
prantos pedia que o soltassem ... Agarrado pelos dois braços, ele viu a chegada
do inspetor que sentenciava que só o soltaria na cadeia.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian.html
Leia:
A invenção de Hugo Cabret. Edições SM.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_21.html antes de ler esta postagem:
Outra ideia de Menocchio que intrigava as
autoridades, e por isso o complicava, era a de que não considerava nenhuma
crença melhor (ou superior) do que as outras... Sustentava que pretendia
manter-se cristão apenas em consideração e respeito à tradição cristã de seus
antepassados. Justificava sua forma de pensar a partir de uma lenda que contou
em detalhes ao inquisidor franciscano, Gerolamo Asteo, durante o segundo
processo (12 de julho de 1599). Ele entendia que a lenda podia convencer também
as autoridades e, por isso, pedia a graça de ser por elas ouvido. Trata-se da “lenda
dos três anéis”.
Em poucas palavras, a lenda
conta que “Um grande senhor de posses havia declarado que seu herdeiro seria
aquele que possuísse um determinado anel precioso. Era pai de três filhos e
amava os três sem distinções. Então mandou confeccionar outros dois anéis
idênticos ao original e os distribuiu a cada um dos moços... Qual deles havia
ficado com o primeiro e “verdadeiro” anel?” Assim também é Deus que não distingue
entre turcos, judeus e cristãos, e ama a todos.
Então, a partir da lição
extraída da “lenda dos três anéis”, Menocchio considerava adequada a sua ideia
de que cada um acha sua fé a melhor, mas ninguém pode afirmar com certeza se é
a melhor. É por isso que admitiu no passado que “nascera cristão e por isso
queria continuar cristão, mas se tivesse nascido turco, ia querer continuar
turco”...
Ginzburg destaca essa passagem do processo em que Menocchio assume a postura
de quem tem algo a ensinar... Neste ponto questiona: “quem representa o papel
da cultura dominante ou a cultura popular?” Só no outro interrogatório é que as
autoridades perceberam que a fonte de onde Menocchio tirou essas ideias era “um
livro proibido”... Ele desconversava e dizia não saber ao certo onde havia lido
a lenda, até confessar o título Cento
Novelle, de Boccaccio, emprestado por “Nicolò de Melchiori” (provavelmente
Nicola da Porcia).
Sogno dil Caravia e o Decameron
chegaram às mãos de Menocchio através de Nicola de Porcia... Pelo menos o seu “terceiro
conto do primeiro dia”, onde se lê a “lenda dos três anéis”, que impressionou o
moleiro... Ao que tudo indica, a edição lida por ele devia ser mais antiga, dado
que as iniciativas da Igreja contra o movimento reformista tratou de censurar o
trecho.
Gerolamo Asteo quis saber
de Menocchio se ele acreditava que não se sabia qual seria a “melhor lei”...
Ele respondeu que pensava “que cada um acha que a sua fé seja a melhor, mas não
se sabe qual é a melhor...”
Essa “tolerância às três grandes religiões
históricas” também era combatida pelo movimento contrarreformista. E Menocchio (como
Castellione) considerava que além de cristãos, judeus e árabes, também os
heréticos se salvariam de um modo ou de outro, pois Deus gosta de todos...
Assim, para ele, em nome de uma religião simplificada, as fés se equivaliam...
Algo como os conceitos observados na fé no “Deus da natureza” explicito em Mandeville... Novamente nos deparamos
com as advertências do autor em relação à “ousadia de Menocchio” perante as
autoridades ao nivelar as religiões, já que retomava Mandeville sem levar em
consideração a afirmação sobre “a superioridade do Cristianismo em relação às
demais religiões"... O radicalismo do moleiro participava das “teorizações
religiosas dos heréticos” de formação humanística de sua época.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian_23.html antes de ler esta postagem:
Georges Méliès trancou-se no quarto. Tabard,
Etienne, Hugo e Isabelle se mostraram apreensivos, enquanto a tia Jeanne
solicitava a ele que se retirasse... Do quarto não vinha nenhuma resposta...
Até que um barulho impressionante foi ouvido... A impressão que se tinha era a
de que o grande armário pudesse ter caído sobre o velho.
O pessoal da sala ficou
ainda mais preocupado... Depois de um tempo ouviram Georges soltando
gargalhadas, arrastando coisas e dando marteladas... Etienne e Tabard até
tentaram arrombar a porta... As crianças se mostravam apavoradas, enquanto a
senhora Jeanne estava aos prantos... Todos quiseram, em vão, tentar abrir a
porta aos empurrões. Foi Hugo quem lembrou as habilidades de Isabelle com
trincos e grampos... Uma sequência de ilustrações mostra que a garota teve
sucesso em seu intento.
A porta foi aberta e o que
viram foi surpreendente... Imaginavam muita bagunça, papéis rasgados e alguma
coisa quebrada. Em vez disso, notaram Georges acomodado a uma mesa bem no
centro do cômodo... Alguns móveis haviam sido afastados e, com uma pena na mão,
sua imagem lembrava à do autômato... Os desenhos que antes estavam no armário
podiam ser vistos espalhados por todo o quarto. O projetor estava em
funcionamento e sua luz atingia o rosto de Georges e a parede atrás de si...
As cenas do filme que tinham acabado de assistir (a Lua, o foguete e os
personagens) apareciam projetados em seu rosto e nas paredes do quarto... De
repente, Georges começou a falar e, dirigindo-se para Isabelle e Hugo,
perguntou se sabiam que os pais dele possuíam uma fábrica de sapatos e que
queriam que ele trabalhasse nela... Revelou que a única coisa de que gostava
eram as máquinas... Gostava de consertá-las, vê-las funcionando... Disse que
sonhava em ser tornar um mágico. Então, quando se tornou adulto, vendeu a parte que possuía da
fábrica e adquiriu um teatro. Nos fundos desse prédio montou uma oficina, e foi
lá que construiu o autômato. Disse que sua máquina era adorada pelas
plateias... Contou ainda que conheceu os irmãos Lumière, que haviam inventado o
cinema... Quis comprar uma câmera deles, mas eles não aceitaram fazer o negócio e
Georges teve de criar a própria filmadora com peças sobressalentes do autômato.
Méliès contou que muitos
mágicos de seu tempo notaram as potencialidades do cinema para as suas
apresentações. Disse que sua mulher tornou-se sua assistente e musa... Fizeram
centenas de filmes... Mas com o começo da guerra (de 1914) os tempos gloriosos
findaram... Tudo se perdeu e Georges lamentou não poder ajudar aqueles que
trabalhavam em seu estúdio. Sua tragédia aumentou depois da morte de um jovem
casal do qual era muito amigo.
Isabelle ficou sabendo que
ela era filha daquele casal e que seu pai era operador de câmera e auxiliava
Georges nas últimas filmagens, e que sua mãe era uma professora... Após a morte
dos pais, ela passou a morar com ele e Jeanne.
Georges finalizou seu
desabafo dizendo que se comprometera a “trancar o passado” e que “nunca mais
voltaria a falar de filmes”... Contou que queimou muitos cenários e fantasias,
além de vender os filmes a uma empresa que os derreteu para fazer saltos de
sapatos... Depois comprou a loja de brinquedos lá da estação. Revelou que o
autômato foi doado para o museu, que nunca o expôs... Ficou sabendo do
incêndio... Era mesmo um milagre que tivesse sobrevivido.
Então
quis saber onde estava o autômato e ouviu de Hugo que ele estava guardado na
estação... Sem entrar em maiores detalhes, o menino retirou-se da casa para trazê-lo de
volta ao seu criador.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian_30.html
Leia:
A invenção de Hugo Cabret. Edições SM.
Um abraço,
Prof.Gilberto
O livro começa com uma carta à Camila, garota de
oito anos que vai ter um irmãozinho em breve... Quem escreve é Joakim. Com ele
a menina havia passado as “ultimas férias de outubro”, com passeios na praia,
pelo ancoradouro... Na ocasião, Camila brincou com o “telescópio de astrônomo
durante as noites claras”... Quando não deu, fizeram panquecas na cozinha.
Podemos entender que
a narração que segue é o conteúdo da carta que Joakim escreveu à garota. A
leitura contribuirá para algumas reflexões... Talvez uma "introdução ao filosofar”...
Joakim resolveu escrever
sobre quando tinha a mesma idade de Camila e também estava para receber um
irmãozinho ou irmãzinha... Ele segue narrando que se lembra que a mãe dizia que
o bebê estava de ponta cabeça em sua barriga e que dava-lhe pontapés... O
menino Joakim entendia que o bebê incomodava...
Adulto, Joakim tece
palavras sobre o modo como as pessoas tratam umas às outras... O que é uma
pessoa comum? O que é um dia comum? Galinhas e ovos são realidades com as quais
nos acostumamos... Mas não é tão fácil aceitarmos que as aves vivem para servir
aos humanos (?)... Sem trauma algum, nos apossamos dos ovos (potenciais filhotes
das galinhas) e os utilizamos para gemadas, panquecas, omeletes e receitas
diversas...
Aquelas indagações tumultuavam a cabeça de Joakim quando ele tinha os seus
oito anos... Comparava o irmãozinho que nasceria a um astronauta do espaço
sideral... Sua chegada deveria significar algo mais ou menos como a aterrissagem
de um astronauta em um planeta estranho...
Na noite em que seus
pais foram para o hospital, Joakim foi acordado pelo pai... Ficou sabendo que
deveria ficar só em casa até que a tia Helena viesse para fazer-lhe
companhia... Então decidiu que brincaria montando espaçonaves com o lego, um de
seus passatempos prediletos.
Estava em seu
entretenimento quando ouviu um estrondo no jardim... A noite já não era a “escuridão
total”, pois passava a um “azul escuro”. Joakim recorda-se de ter visto uma
estrela cadente... Considerou mesmo que aquilo podia significar um prenúncio da
chegada de seu irmãozinho... Obviamente o barulho o fez seguir para o jardim,
onde se deparou com um garoto pendurado de ponta cabeça na macieira...
O
tipo estranho disse que aquilo só podia ser um sonho... Joakim pensou se ele
mesmo não poderia proferir as mesmas palavras... Ao vê-lo, o pendurado quis
saber quem era aquele que o observava. Joakim disse o seu nome e ouviu que o
outro se chamava Mika.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2012/12/ei-tem-alguem-ai-de-jostein-gaarder-as.html
Leia: Ei! Tem alguém aí? Companhia das Letrinhas.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian_15.html antes de ler esta postagem:
A semana que seguiu foi de
trabalho para as crianças. Mas elas conseguiram juntar dinheiro suficiente para
que Isabelle pudesse comprar os remédios que Georges tanto precisava. Hugo
percebeu que os relógios começavam a apresentar algumas diferenças nos
horários... Sabia que logo eles parariam de vez. Notou que o inspetor da
estação estava querendo falar com o desaparecido tio Claude, pois deixara um
bilhete anexado ao seu cheque-salário... Preocupado, o menino esperava ao menos
poder descobrir tudo sobre o autômato e as situações que acabaram envolvendo
também o velho Georges, o cinema e Isabelle.
Na véspera do dia combinado
para as visitas de René Tabard e Etienne à casa de Georges Méliès, o menino
Cabret teve uma noite agitada... Sonhou com o famoso episódio que conhecia
através de conversas a respeito do acidente que havia ocorrido na estação no
final do século XIX, quando uma composição locomotiva em alta velocidade perdeu
os freios e ultrapassou o ponto que deveria parar na plataforma... Avançou para
além dos trilhos e atingiu a parede com seus vitrais, que foram destruídos...
Uma reprodução fotográfica de duas páginas mostra-nos a famosa cena em que
vemos a locomotiva “pendurada” na calçada, junto com destroços de vagões e
parede... O sonho de Hugo o colocava na calçada no exato instante em que o
estrondo ocorria... Um pesadelo e tanto...
Depois de despertar, Hugo caminhou pela estação e conseguiu furtar uma
garrafa de leite e alguns croissants... Retornou para o quarto e se alimentou...
Aguardou o momento do encontro na casa de Georges Méliès.
Na hora combinada, Hugo
seguiu para lá. Sua chegada coincidiu com as de Tabard e Etienne. Estava
chovendo e Isabelle também aguardava ansiosa pelo encontro porque se antecipou
a recebê-los. A primeira coisa que Tabard quis saber era o sobrenome do tio da
garota... Ele trazia um grande pacote e mostrou-se muito interessado em
encontrar o velho Georges... Isabelle pediu que todos entrassem sem os sapatos,
pois o tio detestava sapatos dentro da casa.
Na verdade Isabelle não
havia dito nada sobre aquela visita para a tia Jeanne... A mulher que preparava
uma refeição (cortava legumes) estranhou a chegada dos homens... Hugo entregou o
livro que havia emprestado da Academia de Cinema à Isabelle. Então a menina
explicou à tia que Hugo havia descoberto muita coisa sobre o tio Georges graças
àquele livro escrito pelo senhor Tabard, do qual Etienne era aluno... Ela disse
que os dois queriam ajudar e que adoravam os filmes de Georges Méliès.
O senhor Tabard
percebeu o constrangimento, pediu desculpas e disse que retornariam... A
senhora Jeanne concordou e justificou que o marido ainda estava adoentado e que
muito provavelmente não os convidaria para uma próxima visita... Isabelle
insistiu com a tia para que não desperdiçasse a oportunidade.
Tabard contou como havia
conhecido Georges Méliès. Disse que era ainda um garotinho quando o seu irmão
mais velho trabalhou no estúdio do cineasta... Disse que ficava encantado com
tudo o que via... Algo como um “palácio de contos de fada”... Eram os tempos
dos primeiros filmes, tudo muito artesanal, mas muito bem feito... Tabard não
se esquecia da primeira vez que apertou a mão de Méliès e do que ouviu do
mestre... O professor contou que Méliès o instigara a fazer filmes, pois aquele
ofício estava vinculado à “arte de produzir sonhos”... Tabard gostaria de
retribuir as lições que recebera de Méliès... Ilustrações de duas páginas
mostram-nos o episódio referido por Tabard... Vemos o estúdio abarrotado de
artefatos cenográficos e Méliès agachado próximo à criança, que o ouvia
atentamente.
As palavras de Tabard
levaram Hugo a lembrar-se do que seu pai lhe dissera a respeito dos filmes, “era
como ver os próprios sonhos em pleno dia”... Tia Jeanne se emocionou com tudo o
que o professor havia contado, sentou-se numa cadeira e disse que Georges havia
mesmo sido muito importante, mas no momento encontrava-se fragilizado e “desenterrar
o passado” talvez não fizesse bem a ele.
Então Tabard revelou que havia trazido um antigo filme de Méliès e um
projetor... Ele também estava muito comovido porque, inclusive, imaginava que o
velho cineasta estivesse morto há muito tempo... Hugo e Isabelle manifestaram o
desejo de assistir ao filme naquele mesmo instante, mas Jeanne mostrou que não
era boa ideia porque Georges poderia acordar... As crianças insistiram e tia
Jeanne também foi tocada pela curiosidade e desejo de assistir à fita. Olhou
para a porta do quarto que permanecia fechada e solicitou que fossem rápidos
com o que pretendiam mostrar.
Tudo foi ajeitado por
Tabard... O projetor com um rolo de filme foi colocado sobre a mesa... Numa das
paredes seria feita a projeção... Hugo escureceu a sala fechando as cortinas...
Logo que o clarão se fez, notaram o próprio Georges Méliès ainda jovem com uma
barba postiça... O filme era o Uma Viagem
à Lua... Então Hugo pôde conhecer o filme que tanto marcou a vida de seu
pai.
Tia Jeanne chorou de emoção... A surpresa ficou
por conta de o próprio Georges Méliès abrir a porta do quarto e, encostado à
parede, assistir ao final da projeção. Ele também se mostrava emocionado...
Quis saber quem eram aqueles que se encontravam em sua sala... Isabelle tratou
de contar-lhe a história do autômato que havia sido revelada por Hugo... O
menino entregou-lhe as duas partes coladas do desenho que o boneco havia
feito... Isabelle apresentou Etienne e Tabard, referindo-se à Academia Francesa
de Cinema, e destacou que o seu amigo Etienne era aluno de Tabard... E que os
dois eram seus fãs.
Ao
pegar o desenho feito pelo autômato e ouvir toda história que Isabelle contou,
Georges solicitou o projetor... Desconectou-o da eletricidade e o carregou para
o quarto... Trancou a porta, deixando os demais do lado de fora.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian_27.html
Leia:
A invenção de Hugo Cabret. Edições SM.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Desde 21 de setembro acontece a exposição Esplendores do Vaticano – Uma Jornada Através da Fé e da Arte no
Parque do Ibirapuera (Oca, com a cesso pelo portão 3).
Às segundas feiras o
ingresso é mais barato (e isso vale também para a meia entrada). Não por acaso
optamos fazer a visita no dia 19. Nos três pavimentos da Oca estão instalados
vários objetos religiosos, paramentos, livros, relicários, quadros e
esculturas, além de documentos diversos que pertencem ao Vaticano.
A montagem da mostra é bem
didática e leva-nos a conhecer a História da Basílica de São Pedro desde a
descoberta do túmulo do apóstolo (ano 160) até a contemporaneidade.
No início contemplamos uma
montagem que nos leva ao túmulo de Pedro... Vemos gravuras da estrutura do
circo de Nero, que proporcionava espetáculos em que os que seguiam os
ensinamentos de Jesus eram queimados, devorados por feras e crucificados...
Pedro foi crucificado de ponta cabeça... Contemplamos os vários quadros. O
túmulo de Pedro está na necrópole (Scavi
do Vaticano, que está abaixo do altar da Basílica).
Então há o destaque às perseguições que os primeiros cristãos sofreram. Não
é segredo para ninguém que no início do Cristianismo, os cristãos sofriam
ferrenha perseguição dos romanos. Também foram tempos de martírio e de
conversões, inclusive de líderes militares e políticos. Paulo, por exemplo, perseguia cristãos até a
sua conversão...
Foi o imperador Constantino que ordenou a construção de uma
Basílica sobre o templo erguido no local do túmulo de São Pedro. Isso se deu
entre 326 e 333... Há uma parte da exposição dedicada a este imperador romano e
aos desenhos da primeira Basílica, produzidos a partir de achados arqueológicos.
Esplendores do Vaticano destaca a época em que Roma se tornou cristã, e
apresenta mosaicos e outros exemplares da arte sacra medieval.
O papa Júlio II, que teve
seu pontificado entre 1503 e 1513, tomou a iniciativa de derrubar a antiga
igreja para erigir uma Basílica maior. Donato di Angelo di Pascuccio (Bramante)
foi o arquiteto que, em abril de 1506, foi encarregado de desenhar a planta da
igreja. A exposição apresenta o desenho primordial e vários outros que revelam
as alterações que sofreu até que se configurasse a planta definitiva. Não foram
poucos os arquitetos, artistas e papas que durante 120 anos se dedicaram à
construção da Basílica.
Sabemos do empenho do papa
Leão X em obter recursos com a venda das indulgências... Sabemos que essa
iniciativa está no bojo da Reforma Religiosa iniciada por Martinho Lutero.
Então a exposição não deixou de lado esses episódios. Objetos produzidos
durante este processo (e também durante a Reforma Católica) são apresentados em
Esplendores do Vaticano.
A arte da Roma Antiga
serviu de inspiração para a arte Cristã... Em 1546 Michelangelo assumiu a
direção dos trabalhos e então toda a sua genialidade foi colocada a serviço da
Basílica... Há uma instalação que nos leva a andaimes e instrumentos diversos
criados por Michelangelo para que o teto da Capela Sistina fosse concluído. E
também podemos contemplar uma das cópias da Pietá... Para
muitos, a joia da exposição.
O diálogo católico com o
mundo conhecido a partir das missões religiosas também está representado na
exposição. Vemos obras de arte relacionadas à religião e aos vários
continentes. Os mapas expostos merecem destaque, bem como os objetos litúrgicos
e as histórias relacionadas a essa arte... Figuras históricas, como Napoleão,
despontam em meio aos temas.
Há a galeria Os
sucessores de Pedro – Retrato Papal em que notamos os vários retratos e
dados bibliográficos a respeito de cada um. Todos merecem atenção, mas muitos
dedicam um pouco mais de tempo para o local onde está posicionado Pio XII (Eugenio
Pacelli), que teve pontificado marcado pela época da ascensão do Nazismo e da
Segunda Guerra Mundial. O texto destaca seus esforços pela paz e sua iniciativa
de abrir o Vaticano a refugiados, tendo concedido cidadania a milhares de
perseguidos pelo nazifascismo em tempos de ocupação alemã na Itália.
O último andar da Oca
está reservado para um espetáculo de multivisão sobre a Capela Sistina. Há painéis
que explicam detalhadamente cada parte do teto e no interior verificamos todo o
esplendor do teto e paredes da Capela.
Na
última parte vemos peças que se referem ao papado contemporâneo... Muitas
fotografias e outras obras de arte podem ser observadas. À saída, temos uma
área dedicada a João Paulo II e aos processos de beatificação e santificação...
O visitante pode colocar a mão sobre as mãos esculpidas a partir de moldes
deixados pelo santo padre.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_14.html antes de ler esta postagem:
Não é de se admirar que um tipo como Menocchio
tenha ficado tão impressionado (e encantado mesmo) com as narrativas de
Mandeville. A descrição da pequena ilha de Chana, “próxima” à Índia, chamava à
atenção para a variedade de crenças e costumes religiosos do lugar... Tudo
muito diferente do que ele conhecia em seu pequeno universo limitado a
Montereale, Pordenone...
Lugares fantásticos como a
Índia, Catai (China) e ilhas onde viviam canibais e povos muito diferenciados como
os pigmeus, despertavam a imaginação de quem lia o texto... Sobre os pigmeus, Il Cavallier Zuanne de Mandavilla
destacava sua baixa estatura (em torno de três palmos) e que, por isso mesmo,
eram belos e graciosos. Curiosa era a informação de que viviam por apenas seis
ou sete anos (quando já eram considerados bem velhos)... Casavam-se com menos
de um ano e aos três já procriavam... A terra não era por eles trabalhada, pois
para a lavoura exploravam tipos de “estatura normal”, “gente grande” que
desprezavam. Mandeville destaca que, muito provavelmente, os europeus também desprezariam
aos pigmeus... A narração explica que aquele pequeno povo era especialista no
cultivo da seda e algodão, sendo excelentes tecelões.
Conhecer essas narrativas
levavam o moleiro a refletir sobre suas crenças e convicções... “Tantas raças,
e (...) tão diversas leis”, “muitas ilhas, cada uma vivendo à sua maneira”, “(...)
uns acreditando de um modo, outros de outro”... Essas considerações foram
repetidas em várias ocasiões por Menocchio durante o processo. Ginzburg destaca
que, na mesma época, Michel de Montaigne também havia se encantado com os
relatórios sobre os índios do continente americano. Evidentemente Menocchio não
era nenhum “iluminista”... Suas limitações levavam-no a se apropriar daqueles
textos de modo a idealizá-los e a por em dúvida as estruturas sociais,
políticas e religiosas de seu meio.
O capítulo CXLVIII das “viagens de Mandeville” (Da ilha de Dundina onde se comem uns aos outros quando não podem
escapar, e do poder do seu rei, o qual é senhor de 54 outras ilhas, e dos muitos
tipos de homens que vivem nessas ilhas) despertava o interesse, a
curiosidade e o encantamento de Menocchio. Entre as informações que mais lhe
chamavam a atenção estavam relacionadas ao modo de lidarem com as doenças de
entes e amigos queridos. Um “padre da religião” era procurado para que um ídolo
enfeitiçado fosse consultado... O texto
destaca que alguma entidade maligna revelava se o doente escaparia ou não da
morte e, quando era o caso, ensinava o modo de curar o enfermo. Se a revelação
sobre a doença indicasse que a morte era certa para o doente, o padre
acompanhava os que o atendiam para asfixiá-lo com um pano. Depois de morto, seu
corpo era cortado em pedaços e todos os amigos e parentes apareciam para rezar
e se alimentar do corpo sem vida e enterrar os seus ossos... Tudo isso ocorria
em um clima de muita festividade, ao som de instrumentos musicais e cantorias.
Parentes e amigos do morto que não participassem dessa cerimônia eram
desprezados por isso, e deixavam de ter a consideração dos familiares do defunto...
Alimentavam-se
da carne para livrar o morto de seus sofrimentos. Quando a carne era magra, os
parentes e amigos concluíam que cometeram um erro (um pecado) ao permitirem que
aquela pessoa definhasse e “sofresse tanto sem razão”. Quando a carne era gorda
ficavam satisfeitos porque isso era um sinal de que o morto não havia sofrido e
logo iria para o Paraíso.
Os registros do
interrogatório de 22 de fevereiro de 1584 dão conta que Il Cavallier Zuanne de Mandavilla chegou até Menocchio emprestado pelo
capelão Andrea da Maren... Em resposta às autoridades, o moleiro sintetizou o
texto dizendo tratar-se de uma “viagem para Jerusalém e de algumas divergências
entre gregos e o papa; (...) do grande Khan, da cidade de Babilônia, do Preste
João, de Jerusalém e de muitas ilhas onde uns vivem de um modo e outros de
outro”. Ressaltou que o cavaleiro conversou sobre os padres, papas e demais
religiosos com o sultão... Este teria esclarecido que Jerusalém era dos
cristãos, mas devido ao mau governo destes e do papa, “Deus a retirou deles”...
Mesmo sendo interrompido
algumas vezes, o moleiro citou a parte sobre o canibalismo e contou que “procuravam
o padre quando necessitavam saber como curar uma doença ou se ela traria a
morte; se esse fosse o caso, o padre sufocava o adoentado, que morria e tinha o
seu corpo retalhado para que fosse comido pelo religioso, parentes e amigos do
morto; se a carne tinha um bom sabor, o morto não tinha pecados e estava salvo
espiritualmente; se a carne era ruim, significava que o morto havia sido um
pecador e que seus amigos e parentes haviam feito mal em permitir que ele
vivesse por tanto tempo”... O moleiro concluiu daí que, após a morte, a alma
também morria... “Uns creem de um modo e outros de outro”.
Fica
claro que Menocchio, também nesse caso, fizera uma interpretação em que frases
e palavras do texto sofreram uma adaptação para que se encaixassem em seus
conceitos... Assim, a “carne magra do morto” era avaliada como “ruim de ser
comida”; “a carne gorda”, por outro lado, seria “boa de ser comida”... Daí resultando que “a carne boa de ser
comida” sinalizava que o morto não tinha pecados, e “a carne ruim de ser comida”
era um sinal de que o morto estava cheio de pecados... Para Menocchio, “Paraíso
e inferno” são desta terra, e a alma é mortal”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_28.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian_14.html antes de ler esta postagem:
Na manhã seguinte, Hugo abriu a loja de
brinquedos. Atendeu aos clientes da melhor maneira que podia. Sua mão direita
ainda doía muito. Notou que o afluxo de fregueses era reduzido, assim, por
muito tempo, ficava na ociosidade. Imaginou o quanto o trabalho na loja devia
ser enfadonho para uma pessoa talentosa como Georges Méliès... Calculou que só
se animasse quando construía um novo brinquedo... Nada comparado à
engenhosidade investida no autômato que um dia planejara. O garoto passou o
tempo tentando aprender a escrever com a mão esquerda.
Depois do período escolar, Isabelle chegou à loja e juntou-se a ele. Cuidou do machucado de Hugo e pôs-se
a ler. O menino percebeu que ela trazia o mesmo livro de mitologia grega que
havia pegado na primeira vez que ele estivera na livraria Labisse, então
comentou que ela estava demorando a concluí-lo. Ela respondeu que já havia
lido aquele livro umas vinte vezes e que, entre uma e outra leitura,
dedicava-se a outros textos. A menina revelou tanto interesse pelo livro que
ele pediu para ela ler em voz alta. Ao ouvi-la, o menino Cabret lembrou-se de citações
que conhecia da escola (Monte Olimpo, Quimera, Fênix...). Chamou-lhe a atenção
a história de Prometeu, que “fez os humanos com argila e ensinou-lhes vários
segredos”... Foi punido pelos deuses porque “roubou o fogo para presentear os
humanos para que o usassem e sobrevivessem”. Então, o que chamava a atenção do
menino é que Prometeu "agiu como um ladrão". A narrativa de Isabelle trouxe à sua
lembrança a pintura que viu na biblioteca da Academia de Cinema... O menino
imaginou-a como um Prometeu que com uma das mãos recolhia o fogo dos deuses e
com a outra projetava uma luz, podendo (o afresco) ser entendido como "a criação do cinema".
Hugo pensou sobre a punição
de Prometeu... Acorrentado num rochedo, não tinha como evitar que seu fígado
fosse devorado por uma águia. Seu sofrimento não tinha fim porque o fígado se
regenerava e a ave retornava para alimentar-se dele. O menino comparou-se a
Prometeu porque começou a roubar para “ajudar o autômato”... Qual seria a sua
punição? Passaria o resto da vida trabalhando na loja de brinquedos? Esses
pensamentos foram interrompidos quando passou a olhar para o relógio e
indagou-se sobre quando é que pararia de vez.
Isabelle continuava ali ao seu lado... O menino decidiu pegar o ratinho
azul. Ela quis saber sobre aquele brinquedo e Hugo contou-lhe toda a história,
desde o dia em que ele o quebrou até quando o consertou a pedido do velho Georges.
Isabelle disse que o zelo do tio em relação ao ratinho talvez fosse um sinal de
que ele estimasse o amigo... Concluiu
dizendo que ele tinha o hábito de conservar guardados desenhos que ela havia
feito quando era ainda bem pequena... Isso agradou Hugo, que comentou que todas
as máquinas são feitas por alguma motivação ou necessidade humana. É por isso
que seu pai (e ele também) queria tanto consertar máquinas quebradas. Disse
ainda que, quando estamos desmotivados, é como se estivéssemos quebrados...
Isabelle
logo pensou no tio Georges, que estava bem desmotivado. Hugo falou que a visita
de René Tabard na semana seguinte poderia reanimá-lo... A menina, ao mesmo
tempo em que perguntava, concluía que a motivação de Hugo seria “consertar
coisas”.
Depois
guardaram os brinquedos, Isabelle recolheu o dinheiro das vendas do dia... Mas
antes que fossem embora, Hugo, convidou-a a entrar pelo sistema de
ventilação... Com dificuldade devido aos machucados que tinham, chegaram aos
relógios de vidro... De lá, Isabelle contemplou encantada a cidade e suas luzes.
Hugo contou-lhe que havia noites em que, mesmo quando já não tinha nenhum
reparo a fazer nos relógios subia ali para admirar a noite parisiense.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/a-invencao-de-hugo-cabret-de-brian_23.html
Leia:
A invenção de Hugo Cabret. Edições SM.
Um abraço,
Prof.Gilberto
Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_13.html antes de ler esta postagem:
É preciso tecer considerações sobre Cavallier
Zuanne de Mandavilla (As viagens de
sir John Mandeville)... As autoridades não se conformavam que um simples
moleiro tivesse tanto a dizer sem que suas opiniões acerca das coisas da
religião e cosmogonia fossem produto de doutrinação recebida de
companheiros. Então os inquisidores queriam nomes... Sabemos as repostas de
Menocchio a essas indagações... Ele afirmara que tudo saíra de sua cabeça e, em
Portogruaro (por ocasião da reabertura do processo), disse que suas opiniões
deviam-se à leitura “daquele Mandavilla”... E em carta citou que (em segundo
lugar) seus erros deviam-se à leitura “do Mandavilla”, “de tantas raças e tão
diversas leis”.
Ginzburg destaca que o
texto em francês data do século XIV e que sua autoria é de um fictício sir John
Mandeville... Textos geográficos e enciclopédicos medievais (entre eles o de
Vincente de Beauvais)... O conteúdo circulou manuscrito durante muito tempo até
que foi impresso em latim e outras línguas europeias. O texto pode ser dividido
em duas partes. A primeira apresenta-se como guia sobre a Terra Santa. Ela
revela detalhes e conclui-se que, de fato, sua redação seja resultado de
experiências vivenciadas por peregrinos. A segunda parte narra uma longa viagem
ao Oriente desconhecido. Lugares distantes geograficamente (e também da
imaginação dos europeus daqueles tempos) são descritos... Descrições
fantásticas (e fantasiosas) de lugares imaginários... Algumas ilhas, a Índia, o
Catai (China) e até o mítico reino do Preste João (muito comentado e idealizado
por nobres e camponeses).
A leitura da primeira parte
proporcionava um conhecimento acerca de trajetos, principais locais e relíquias
a serem visitadas pelos peregrinos cristãos em viagem à Terra Santa. Várias
dessas informações, sobretudo as que diziam respeito às relíquias, eram
desprezadas por Menocchio. Interessavam-lhe principalmente as descrições acerca
dos rituais da “Igreja Grega” e dos hábitos religiosos dos cristãos que vivam
na região e que eram apartados da Igreja Católica Romana. São citados os
samaritanos, os jacobitas, os sorianos e georgianos.
A ideia de Menocchio sobre
o Sacramento da Confissão, por exemplo, bem pode ter sido articulada a partir
da leitura sobre a doutrina dos jacobitas, assim chamados por terem sido
convertidos por São Tiago (Jacopo)... No Mandavilla
leu que os jacobitas só se confessavam a Deus. Há a descrição sobre um ritual
no qual o cristão se envolvia numa fumaça para confessar-se a Deus implorando a
sua misericórdia... Sobre uma fogueira eram queimados incensos e outras
substâncias aromáticas... Mandeville definia esse ritual de confissão como “natural
e primitivo”, e reconhecia a orientação de papas e religiosos da Igreja para
que a confissão do cristão se desse perante o sacerdote (a este) a partir de um
exame de consciência... Era preciso conhecer a natureza do pecado para que a
penitência ideal fosse indicada.
Em postagem anterior, vimos que Menocchio considerava a confissão a um
sacerdote tão significativa quanto à confissão a uma árvore (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/10/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html)... Ele disse ainda
que as pessoas só procuravam o religioso porque não sabiam as penitências
adequadas aos pecados cometidos... Se uma árvore conhecesse a penitência daria
no mesmo...
Também no Mandavilla, o moleiro teve acesso a princípios
da religião dos maometanos... Citando o Alcorão, o viajante destacava que Jesus
havia sido um profeta muito importante, “o mais excelente e próximo de Deus”...
Vimos que em seus depoimentos, Menocchio levava em consideração a possibilidade
de Jesus ter sido apenas um bom homem comum, como tantos outros profetas que
Deus havia mandado ao mundo para fazer pregações...
Menocchio não admitia a
crucificação de Jesus... E também essa convicção ele extraíra da leitura de Mandavilla... A crucificação contrariava
a Justiça de Deus... Sua grande Justiça “não poderia fazer nada sofrer”... Para
ele, Jesus retornou para junto de Deus e junto a Ele julgará o mundo... Então o
crucificado seria Judas Iscariotes, que os judeus teriam confundido com
Jesus...
Não é de estranhar
que Menocchio sustentasse ideias muito próximas a essas e, acerca dessas
temáticas, havia testemunho que confirmava que ele proferiu que “não é verdade que
Cristo tenha sido crucificado, mas sim Simão de Cirenaica” e “parecia-me
inacreditável que um senhor se deixasse prender assim e por isso eu duvidava
que, tendo sido crucificado, fosse Deus; talvez algum profeta...”
No referido livro, de duzentos anos antes da
existência de Menocchio, lê-se as críticas de um sultão aos cristãos, vistos
como displicentes, pois, em sua opinião, não seguiam os exemplos de
simplicidade, caridade e mansidão deixados por Jesus... Em vez disso deixavam
de fazer o bem às pessoas comuns; não frequentavam o templo e não serviam a Deus;
viviam bebendo em tavernas onde comiam feito animais. O sultão não entendia como
os cristãos pudessem viver de modo tão contrário à doutrina da qual se diziam
seguidores, Já que se mostravam inclinados a fazer o mal, viver cobiçando
coisas alheias e sem se importar em vender filhos, irmãos e a própria mulher...
Essas “palavras do sultão” reforçavam as críticas de Menocchio à Igreja.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_21.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto