Talvez
seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/11/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_21.html antes de ler esta postagem:
Outra ideia de Menocchio que intrigava as
autoridades, e por isso o complicava, era a de que não considerava nenhuma
crença melhor (ou superior) do que as outras... Sustentava que pretendia
manter-se cristão apenas em consideração e respeito à tradição cristã de seus
antepassados. Justificava sua forma de pensar a partir de uma lenda que contou
em detalhes ao inquisidor franciscano, Gerolamo Asteo, durante o segundo
processo (12 de julho de 1599). Ele entendia que a lenda podia convencer também
as autoridades e, por isso, pedia a graça de ser por elas ouvido. Trata-se da “lenda
dos três anéis”.
Em poucas palavras, a lenda
conta que “Um grande senhor de posses havia declarado que seu herdeiro seria
aquele que possuísse um determinado anel precioso. Era pai de três filhos e
amava os três sem distinções. Então mandou confeccionar outros dois anéis
idênticos ao original e os distribuiu a cada um dos moços... Qual deles havia
ficado com o primeiro e “verdadeiro” anel?” Assim também é Deus que não distingue
entre turcos, judeus e cristãos, e ama a todos.
Então, a partir da lição
extraída da “lenda dos três anéis”, Menocchio considerava adequada a sua ideia
de que cada um acha sua fé a melhor, mas ninguém pode afirmar com certeza se é
a melhor. É por isso que admitiu no passado que “nascera cristão e por isso
queria continuar cristão, mas se tivesse nascido turco, ia querer continuar
turco”...
Ginzburg destaca essa passagem do processo em que Menocchio assume a postura
de quem tem algo a ensinar... Neste ponto questiona: “quem representa o papel
da cultura dominante ou a cultura popular?” Só no outro interrogatório é que as
autoridades perceberam que a fonte de onde Menocchio tirou essas ideias era “um
livro proibido”... Ele desconversava e dizia não saber ao certo onde havia lido
a lenda, até confessar o título Cento
Novelle, de Boccaccio, emprestado por “Nicolò de Melchiori” (provavelmente
Nicola da Porcia).
Sogno dil Caravia e o Decameron
chegaram às mãos de Menocchio através de Nicola de Porcia... Pelo menos o seu “terceiro
conto do primeiro dia”, onde se lê a “lenda dos três anéis”, que impressionou o
moleiro... Ao que tudo indica, a edição lida por ele devia ser mais antiga, dado
que as iniciativas da Igreja contra o movimento reformista tratou de censurar o
trecho.
Gerolamo Asteo quis saber
de Menocchio se ele acreditava que não se sabia qual seria a “melhor lei”...
Ele respondeu que pensava “que cada um acha que a sua fé seja a melhor, mas não
se sabe qual é a melhor...”
Essa “tolerância às três grandes religiões
históricas” também era combatida pelo movimento contrarreformista. E Menocchio (como
Castellione) considerava que além de cristãos, judeus e árabes, também os
heréticos se salvariam de um modo ou de outro, pois Deus gosta de todos...
Assim, para ele, em nome de uma religião simplificada, as fés se equivaliam...
Algo como os conceitos observados na fé no “Deus da natureza” explicito em Mandeville... Novamente nos deparamos
com as advertências do autor em relação à “ousadia de Menocchio” perante as
autoridades ao nivelar as religiões, já que retomava Mandeville sem levar em
consideração a afirmação sobre “a superioridade do Cristianismo em relação às
demais religiões"... O radicalismo do moleiro participava das “teorizações
religiosas dos heréticos” de formação humanística de sua época.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto