terça-feira, 23 de novembro de 2010

"U2 e a Filosofia" - considerações acerca da "Alegoria da Caverna"

Na semana passada ouvi uma conversa entre professoras da Adolfo Casais. Falavam sobre música e shows que assistiram ou têm vontade de assistir... Uma delas já havia adquirido entradas para o de Paul McCartney, que teve sua última apresentação em São Paulo na noite de ontem... Outra, que regressou dos Estados Unidos depois de dois anos naquele país, disse que teve muitas oportunidades para assistir a espetáculos de várias bandas. Chamou-me a atenção quando ela fez referências ao show do U2. Ela falava que era bem diferente... Dizia que o comportamento dos fãs era de reflexão (!). Quer dizer... Ela não percebeu excessos de gritos, pulos, essas coisas... Depois de um tempo resolvi falar sobre o livro que li, a coletânea de Mark A. Wrathall.

Os que acompanham as mal traç... digitadas linhas neste blog sabem que recentemente escrevi sobre U2 e a Filosofia. Falei à professora algo de minhas impressões. Ela se interessou e até já encomendou um exemplar... O que falei a ela é mais ou menos o que escrevi naquela publicação, mas tratei também de outros textos do livro que despertaram a sua curiosidade... É por isso que decidi retomar algumas temáticas daquele livro. Não é por nada... Acho que o retomarei ainda em outras publicações.

Naquela ocasião, escrevi basicamente sobre o capítulo “Nós podemos ser um: Amor e transcendência platônica no U2”, de Marina B. McCoy, e suas referências a O Banquete, de Platão: http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2010/11/u2-e-filosofia-coletanea-de-mark.html

Em A República, mais uma vez Platão, temos a alegoria da Caverna (capítulo 7). Ali percebemos uma reflexão acerca do filosofar sobre nossa existência terrena... Podemos concluir que a realidade física não contempla as nossas reais necessidades. O texto de Platão leva-nos a considerar que o verdadeiro mundo, o que interessa, é o das ideias. Na caverna estão os homens, acorrentados, a contemplar apenas as sombras das coisas (a aparência das ideias). Aquele que sai da caverna fica ofuscado com a forte luz solar, que ilumina tudo o que existe... Na caverna, os prisioneiros conhecem apenas as sombras projetadas na parede a partir da luz de uma fogueira.

O seu retorno é traumático porque a luz do Sol ofuscou sua visão, ele tem de se acostumar à escuridão da caverna. Além disso, ele quer mostrar que em seu interior não vivem um mundo real, que a verdade está lá fora... Isso se torna conflituoso, um forte choque para os demais, que dão risadas do outro que só saiu para “prejudicar a visão”, e chegam a concluir que o melhor que têm a fazer é eliminá-lo para que maiores transtornos não sejam proporcionados.
Bom... Então você pode tirar algumas conclusões do tipo: a caverna é o nosso mundinho sensorial; estamos presos à matéria e às sensações; aquele que sai da caverna é o filósofo que quer conhecer a verdade; a reação dos demais representa a atitude das pessoas quando confrontadas com a verdade... Mas e o Sol? Ele pode ser entendido com o Absoluto, a Verdade Suprema... Deus.
Os textos platônicos levam-nos a interpretar que antes estávamos no mundo das ideias, porém fomos condenados a viver neste mundo de aparências onde não conhecemos a essência. O que podemos fazer? Afastarmos-nos das experiências sensoriais, livrarmo-nos da matéria para buscarmos a realização espiritual.

É claro que isso não é nada fácil. A matéria nos atrai. As experiências sensoriais proporcionam prazer... Mas as pessoas sempre se vêem insatisfeitas... A busca do Absoluto permanece; as pessoas também têm sede de Deus... Alguns filósofos, como Lucrécio (século I a.C) propõem o contrário, quer dizer, deixarmos a religião e as superstições de lado para curtirmos a realidade material...

Historicamente essas questões foram muito refletidas e discutidas por pensadores (só para citar alguns: Santo Agostinho, Pascal, Kierkegaard, Nietzsche, Schopenhauer, Heidegger). As leituras podem nos levar à constatação de que encontramo-nos em angustiante situação de desespero, já que se torna impossível viver apenas a partir de uma das possibilidades... Encarar Deus de frente ofusca os olhos...

Trechos de “Olhando fixamente para o Sol: U2 e a experiência do Desespero Kierkagaardiano”, de Hubert l. Dreyfus e Mark A. Wrathall:

(...) O grupo adota um imaginário extraído da interpretação cristã da Alegoria da Caverna, de Platão, em que o Sol representa Deus. As canções do U2 retornam, repetidas vezes, à ideia de que a fé religiosa nos torna incapazes de viver neste mundo, onde não há espaço para o amor e a santidade. “Jesus’s sisters’s eyes are a blister” [os olhos da irmã de Jesus são uma bolha] (“If Gos Will Send His Angels”) – os fiéis são cegos, possivelmente por ficar olhando fixamente para o Sol (“Staring at the Sun”). Na canção “Staring at the Sun”, o cantor declara que ele “não é o único a ficar feliz por ficar cego” (I’not the only one/ Who’s happy to GO blind”). Na verdade, do ponto de vista tradicional cristão, ou platônico, é bom que o olhar voltado para Deus cegue a pessoa para um mundo onde... “Love took a train heading south” – o amor tomou um caminho para o sul... “the cops collect for cons” – os policiais contribuindo para o crime... “the cartoon network turns into the news” – os desenhos animados se tornam as notícias (If God Will Send His Angels); e onde “intransegence is all around” – a intransigência está em toda a parte (“Staring at the Sun”).

Claro que a rejeição do mundo não faz com que o U2 desista do anseio por Deus e pelo divino. Mas parece que a realização desse anseio só é possível quando você renuncia ao mundo. Esse é o tema de “Gone”, em que o cantor declara: “I’ll be up with the Sun/ I’m not coming down” (...) Ficarei lá em cima com o Sol, não vou descer.
Depois de ler tanto... Acho que você merece curtir Gone, que estará na postagem seguinte com uma tradução que não é bem aquela do livro...

Em tempo: O slide acima foi copiado de http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/platao... (23/11/2010;12:30)


Um abraço,
Prof.Gilberto

Leia: U2 e a Filosofia. Editora Madras.

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