Os que acompanham as mal traç... digitadas linhas neste blog sabem que recentemente escrevi sobre U2 e a Filosofia. Falei à professora algo de minhas impressões. Ela se interessou e até já encomendou um exemplar... O que falei a ela é mais ou menos o que escrevi naquela publicação, mas tratei também de outros textos do livro que despertaram a sua curiosidade... É por isso que decidi retomar algumas temáticas daquele livro. Não é por nada... Acho que o retomarei ainda em outras publicações.
Naquela ocasião, escrevi basicamente sobre o capítulo “Nós podemos ser um: Amor e transcendência platônica no U2”, de Marina B. McCoy, e suas referências a O Banquete, de Platão: http://aulasprofgilberto.blogspot.com/2010/11/u2-e-filosofia-coletanea-de-mark.html
Em A República, mais uma vez Platão, temos a alegoria da Caverna (capítulo 7). Ali percebemos uma reflexão acerca do filosofar sobre nossa existência terrena... Podemos concluir que a realidade física não contempla as nossas reais necessidades. O texto de Platão leva-nos a considerar que o verdadeiro mundo, o que interessa, é o das ideias. Na caverna estão os homens, acorrentados, a contemplar apenas as sombras das coisas (a aparência das ideias). Aquele que sai da caverna fica ofuscado com a forte luz solar, que ilumina tudo o que existe... Na caverna, os prisioneiros conhecem apenas as sombras projetadas na parede a partir da luz de uma fogueira.
O seu retorno é traumático porque a luz do Sol ofuscou sua visão, ele tem de se acostumar à escuridão da caverna. Além disso, ele quer mostrar que em seu interior não vivem um mundo real, que a verdade está lá fora... Isso se torna conflituoso, um forte choque para os demais, que dão risadas do outro que só saiu para “prejudicar a visão”, e chegam a concluir que o melhor que têm a fazer é eliminá-lo para que maiores transtornos não sejam proporcionados.
Bom... Então você pode tirar algumas conclusões do tipo: a caverna é o nosso mundinho sensorial; estamos presos à matéria e às sensações; aquele que sai da caverna é o filósofo que quer conhecer a verdade; a reação dos demais representa a atitude das pessoas quando confrontadas com a verdade... Mas e o Sol? Ele pode ser entendido com o Absoluto, a Verdade Suprema... Deus.
Os textos platônicos levam-nos a interpretar que antes estávamos no mundo das ideias, porém fomos condenados a viver neste mundo de aparências onde não conhecemos a essência. O que podemos fazer? Afastarmos-nos das experiências sensoriais, livrarmo-nos da matéria para buscarmos a realização espiritual.
É claro que isso não é nada fácil. A matéria nos atrai. As experiências sensoriais proporcionam prazer... Mas as pessoas sempre se vêem insatisfeitas... A busca do Absoluto permanece; as pessoas também têm sede de Deus... Alguns filósofos, como Lucrécio (século I a.C) propõem o contrário, quer dizer, deixarmos a religião e as superstições de lado para curtirmos a realidade material...
Historicamente essas questões foram muito refletidas e discutidas por pensadores (só para citar alguns: Santo Agostinho, Pascal, Kierkegaard, Nietzsche, Schopenhauer, Heidegger). As leituras podem nos levar à constatação de que encontramo-nos em angustiante situação de desespero, já que se torna impossível viver apenas a partir de uma das possibilidades... Encarar Deus de frente ofusca os olhos...
Trechos de “Olhando fixamente para o Sol: U2 e a experiência do Desespero Kierkagaardiano”, de Hubert l. Dreyfus e Mark A. Wrathall:
(...) O grupo adota um imaginário extraído da interpretação cristã da Alegoria da Caverna, de Platão, em que o Sol representa Deus. As canções do U2 retornam, repetidas vezes, à ideia de que a fé religiosa nos torna incapazes de viver neste mundo, onde não há espaço para o amor e a santidade. “Jesus’s sisters’s eyes are a blister” [os olhos da irmã de Jesus são uma bolha] (“If Gos Will Send His Angels”) – os fiéis são cegos, possivelmente por ficar olhando fixamente para o Sol (“Staring at the Sun”). Na canção “Staring at the Sun”, o cantor declara que ele “não é o único a ficar feliz por ficar cego” (I’not the only one/ Who’s happy to GO blind”). Na verdade, do ponto de vista tradicional cristão, ou platônico, é bom que o olhar voltado para Deus cegue a pessoa para um mundo onde... “Love took a train heading south” – o amor tomou um caminho para o sul... “the cops collect for cons” – os policiais contribuindo para o crime... “the cartoon network turns into the news” – os desenhos animados se tornam as notícias (If God Will Send His Angels); e onde “intransegence is all around” – a intransigência está em toda a parte (“Staring at the Sun”).
Claro que a rejeição do mundo não faz com que o U2 desista do anseio por Deus e pelo divino. Mas parece que a realização desse anseio só é possível quando você renuncia ao mundo. Esse é o tema de “Gone”, em que o cantor declara: “I’ll be up with the Sun/ I’m not coming down” (...) Ficarei lá em cima com o Sol, não vou descer.
Depois de ler tanto... Acho que você merece curtir Gone, que estará na postagem seguinte com uma tradução que não é bem aquela do livro...
Em tempo: O slide acima foi copiado de http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/platao... (23/11/2010;12:30)
Um abraço,
Prof.Gilberto
Leia: U2 e a Filosofia. Editora Madras.