Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/02/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras_8.html antes
de ler esta postagem:
O jovem doutor decidiu tomar o pulso da
menina... Sentiu o braço gelado e num primeiro momento não detectou batimentos.
Demorou alguns segundos até que conseguisse captar uma “ondinha rara, que mal
se notava”. Na sequência, verificou as narinas que estavam bem azuladas e os
lábios muito pálidos.
Por um instante
esteve a ponto de dizer que não havia o que fazer, mas se conteve. O pensamento
o levava à conclusão de que estava diante de uma criatura “estraçalhada”, que
se extinguia sem qualquer possibilidade de recuperação... Por fim restava admitir
que não havia o que se pudesse fazer. Mas em vez disso, solicitou cânfora num
tom de voz severo que nem ele próprio reconheceu.
Anna Nikoláievna se aproximou e quase sussurrando perguntou-lhe qual era
o objetivo de aplicar a cânfora na menina. Disse que ele não conseguiria
salvá-la e que em pouco estaria morta. O jovem médico mostrou-se irritado,
encarou-a e insistiu para que lhe trouxessem cânfora.
A parteira
sentiu-se ofendida, no entanto dirigiu-se à mesa e partiu a ampola... Via-se
que Demián Lukitch também não aprovava o procedimento, mas tratou de puxar o
óleo amarelado para a seringa e foi rápido ao espetar o ombro da menina. O
doutor observou a movimentação e desejou mesmo que sua paciente não demorasse a
morrer, pois simplesmente não tinha a menor ideia do que faria se ela
sobrevivesse por mais tempo.
O enfermeiro parecia
adivinhar os pensamentos do jovem médico e sentenciou ao seu ouvido que a garota
faleceria em breve. O caso é que, apesar de parecer morta, a menina ainda
vivia. Lukitch estava a ponto de a cobrir com o lençol, mas via-se que
lamentava sujá-lo com o sangue... Algo patético, pois de qualquer modo teria de
fazer isso em breve.
(...)
O
doutor continuou a observar a movimentação ao seu redor enquanto buscava novos encaminhamentos para o caso que todos tinham por perdido. De repente pediu mais
cânfora. O enfermeiro obedeceu e mais uma vez injetou o líquido amarelo no
ombro da menina. Evidentemente preocupado com a situação, e limitado pela falta
de experiência, o médico refletia sobre o que faria se ela não morresse logo...
Algumas hipóteses vieram-lhe
à mente e de repente uma surgiu de modo tão inesperado que ele se surpreendeu
por não ter saído de nenhum manual ou por aconselhamento. O mais incrível foi
admitir que teria de realizar um procedimento que jamais fizera: uma
amputação...
O drama que passou a
tomar conta de suas conjecturas foi a possibilidade de a menina morrer “sob o
bisturi”. Era demais! Os ferimentos em suas pernas a fizeram sangrar ao limite
do insuportável. Nem se podia dizer que ela estivesse consciente, se ouvia ou
podia sentir algo! a sua condição era a de um cadáver, e, no entanto, todos
entenderiam que o bisturi a matou.
Só havia uma saída que o livrava da intervenção cirúrgica: a morte da
garota. Mas isso também não o isentava encarar o pai dela... Como o camponês reagiria?
O que lhe diria? Resolveu partir para a ação porque essas questões demandavam
menor urgência no momento. Resoluto, ordenou ao Demián Lukitch que preparasse
uma amputação.
Enquanto a parteira se espantou e o encarou com ares de indignação, o
enfermeiro engajou-se imediatamente, acionou o fogareiro e organizou os
instrumentos.
(...)
O jovem médico vinha passando por situações de
muita pressão desde que a menina foi internada. Tomou decisões que
surpreenderam a equipe... E o surpreenderam também! Tanto é que em certas
ocasiões nem ele mesmo reconhecia a própria voz.
Depois de uns quinze
minutos da decisão sobre a amputação, percebeu-se em nova enrascada...
Transpirava copiosamente e tinha dificuldade para ordenar a sequência dos
procedimentos ao mesmo tempo que matutava sobre a persistência da vida no
pequeno “semicadáver”.
Antes de iniciar a cirurgia propriamente dita, a movimentação ao redor ainda
o levaram a várias reflexões... Observou a aplicação da injeção de cafeína e em
pensamento questionou a necessidade de mais aquela substância nas veias da
menina... Viu que Pelagueia Ivánovna secava o suor de sua testa com gaze, e que
Anna Nikoláievna limpava as áreas de potencial corte com soro fisiológico.
(...)
Chegado
o momento em que só ele podia agir, pegou a faca e instintivamente passou a
imitar os movimentos que certa vez assistira numa demonstração de amputação na
universidade. Fazia isso enquanto implorava aos céus que a garota não morresse
durante a cirurgia... Que viesse a óbito depois de meia hora, quando já
estivesse na enfermaria!
Deu início aos cortes
levando em consideração o bom senso e a inevitável necessidade de dar
prosseguimento à operação, pois não pretendia demorar-se muito exatamente para
não acontecer de a menina morrer “sob o bisturi”.
Seu
primeiro movimento foi o corte coxa com uma lâmina bem afiada... Então viu que “a
pele se rompeu sem vazar uma gotícula de sangue”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/02/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras_13.html
Leia: “Anotações
de um Jovem Médico e outras narrativas”. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto