Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/02/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras_21.html antes
de ler esta postagem:
Inicialmente o jovem doutor sentiu-se aliviado
por ter saído da sala de operações sem despertar qualquer desconfiança da parte
de seus auxiliares... No gabinete pôde acessar o manual Döderlein para obter as
informações necessárias sobre como resolver a “situação transversal”. No
entanto, conforme folheou o livro apurou uma série de advertências que o
deixaram ainda mais apreensivo. A operação era de risco para a parturiente
principalmente por causa da possibilidade de provocar o “rompimento espontâneo
do útero”.
A rápida leitura não
deixava dúvidas a respeito da vulnerabilidade da intervenção... A “versão
podálica” estava praticamente descartada no caso de o exame de toque do útero
apontar “falta de espaço” em decorrência (também) de contrações e isso dificultar
“o alcance da perna”.
A informação era importante, todavia trouxe mais ansiedade do que
convicções ao rapaz. Tinha dúvidas até a respeito do exame e de como avaliar o
grau de dificuldade em relação à “falta de espaço”. Desse modo não saberia em
que medida teria de desistir da operação... Para piorar, a pobre mulher seria
anestesiada em breve e ele devia apresentar uma solução para o delicado caso.
Voltou
a atenção para o texto e conferiu novos alertas: “é absolutamente proibido
tentar alcançar as pernas pelas costas do bebê”; não se podia pegar o bebê
pelas coxas, já que isso provocaria “a virada axial do feto” e consequentemente
“um grave encaixamento do bebê na bacia” com dramáticas consequências.
(...)
O capítulo a respeito
da “versão podálica” continha essas advertências impressionantes. Associá-las
às consequências de uma intervenção malsucedida era de apavorar... O marido da
parturiente poderia ficar viúvo! Como reagiria? Mais do que nunca precisava
saber de que modo faria o adequado exame interno.
Buscou
as informações avançando na leitura, todavia as frases se sucediam umas mais
apavorantes do que as outras: “em vista do enorme perigo de ruptura”; “as
versões interna e combinada devem ser tratadas como operações obstétricas mais
perigosas para a mãe”; “o perigo aumenta a cada hora de protelação”.
Neste ponto o jovem
doutor concluiu que a consulta ao manual o deixara mais confuso e até mais
inseguro. Além do mais não tinha a menor ideia do tipo de versão que devia ser
operar: “combinada, não combinada, direta, indireta...”.
Olhou para o relógio
e percebeu que já estava ali há quase quinze minutos. Lembrou que não podia
protelar mais, pois com isso o perigo aumentava a cada instante e na situação
em que se encontrava os minutos pareciam avançar mais rapidamente. Percebeu-se
sentado na poltrona, atirou o manual a um canto qualquer e correu para o
hospital.
(...)
Tudo havia sido encaminhado... O enfermeiro Demián Lukitch estava junto à mesa de operações e pronto para aplicar o
clorofórmio à máscara que seria colocada sobre a parturiente. A mulher gemia
sem parar... Logo que entrou, o jovem doutor ouviu Pelagueia Ivánovna dizer-lhe
que “o doutor já vai te ajudar”, mas a outra só respondia que não aguentaria e
que não tinha forças.
Ivánovna a consolou referindo-se ao clorofórmio,
uma “coisinha que lhe seria dada para cheirar”, garantindo que ela nem ouviria
nada durante a operação. Enquanto isso, o jovem doutor e Anna Nikoláievna
lavavam as mãos e braços em abundante água despejada pelas torneiras... A
parteira aproveitou para contar-lhe a respeito de como o doutor Leopold “fazia
versões”. Ele a ouviu atentamente sem emitir qualquer opinião dando a entender
que conhecia os procedimentos... Em seu íntimo sabia que aqueles poucos minutos
com a assistente lhe haviam sido mais valiosos do que todos os livros que havia
estudado para os muitos exames dos quais saíra aprovado com menção “excelente”,
e exatamente na matéria em questão.
Na sequência o jovem doutor
fez a secagem das mãos utilizando a gaze esterilizada, com a certeza de que já
tinha um plano de ação e certo de que não devia se preocupar com antecipações a
respeito de “versão combinada ou não combinada”. O que contava no momento era o
exame interno ao mesmo tempo em que devia manter a outra mão auxiliando
externamente a “versão podálica”.
Definitivamente
os livros não o podiam auxiliar porque se tratava de uma questão prática. O
senso médico lhe seria valioso e, com cautela e persistência, tudo se
resolveria... Era uma questão de ajeitar a perninha do bebê para extraí-lo com
segurança.
Convenceu-se de que não poderia vacilar. Em vez
disso, atuaria com toda calma e atenção. Resoluto, passou iodo nos dedos e deu
ordem para que o enfermeiro anestesiasse a paciente. Assim que as gotas do
líquido transparente foram aplicadas à máscara, a mulher gritou e se agitou na
mesa. Mas Pelaguéia Ivánovna conseguiu manter suas mãos imobilizadas e orientou
os demais a tomarem posições ao seu redor até que ela estivesse completamente
anestesiada.
Por fim aquietou-se... A
parteira conferiu a pulsação... Normal... Lukitch levantou uma das pálpebras da
parturiente... Ela já dormia.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/02/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras_25.html
Leia: “Anotações
de um Jovem Médico e outras narrativas”. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto