O Governador assustou-se ao ver o tipo forasteiro se autodenominando Peste.
Peste explicou que estava desolado... Ele estava muito atarefado... Necessitava ocupar o governo da cidade imediatamente... Então perguntou se duas horas bastariam para que os poderes lhe fossem totalmente transferidos.
O Governador não levou aquilo a sério... O tipo só podia ser um impostor... Fez a sua ameaça de punição e chamou os guardas.
Peste o advertiu que não desejava assumir a cidade à força... Tratava-se de “personalidade correta”... Entendeu que a postura defensiva do governador, já que ele nem o conhecia... Quis que ele entendesse que não seria interessante dar mostras do que verdadeiramente podia fazer.
Mas não houve jeito... O Governador esbravejou que não tinha tempo a perder e ordenou que o prendessem.
Dando mostras de aborrecimento devido à conversa enfadonha e à postura irreversível do governador, Peste solicitou que a Secretária despejasse uma irradiação.
Dois guardas avançavam na direção de Peste... A Secretária ergueu o braço para um deles e depois fez um risco no caderno que trazia consigo... Imediatamente ocorreu um estrondo e o guarda caiu... A mulher o examinou e disse que três manchas o marcavam... Depois explicou a todos que uma mancha significava que a pessoa era suspeita; duas garantiam a contaminação; três manchas traziam a completa irradiação ao afetado.
(...)
Peste
apresentou formalmente a sua secretária e desculpou-se por não tê-lo feito
antes. Depois deu mostras de seu reconhecimento pelos serviços prestados por
ela, figura sempre alegre e cuidadosa.
A
Secretária respondeu que não havia nenhum mérito nisso... E garantiu que “o
trabalho é mais fácil entre flores frescas e lindos sorrisos”.
Peste interrompeu o diálogo que, dadas as
circunstâncias, beirava o absurdo... Voltou para o Governador e viu que ele
estava assustado com a “prova de serenidade” que ele acabara de assistir.
Disse-lhe que aquilo não representava o seu modo de agir... Preferia mesmo o
entendimento amistoso e baseado na confiança... Eles podiam entrar num acordo
honroso... Perguntou se as duas horas eram suficientes para que a transferência
de poderes se efetivasse...
O governador balançou a
cabeça em sinal de negação... A Secretária disse que aquela obstinação, sem
dúvida, significava contratempo desagradável.
Peste voltou a dizer que
fazia questão de ouvir a aprovação das lideranças políticas locais... Era um
princípio do qual não desejava desviar-se... No entanto podia autorizar a
Secretária a proceder muitas irradiações se isso fosse necessário.
(...)
A Secretária teria
apenas o trabalho de apontar o seu lápis... Para tudo havia jeito... Ela disse
qualquer coisa a esse respeito enquanto calibrava sua ferramenta.
Tudo
pronto, Peste ordenou que Nada se aproximasse... Pelo visto ele seria o próximo
a ser “riscado do caderno”...
O vagabundo bêbado soltou uma
tremenda gargalhada. A mulher explicou ao chefe que aquele tipo era dos que em
nada creem.
Tudo indicava que a escolha
era inconveniente... Então Peste sugeriu que ela poderia começar por um dos
alcaides.
Os
altos funcionários entraram em pânico... O Governador solicitou que o intruso
parasse com aquele terrorismo.
Peste
e a Secretária se voltaram para ele.
O
homem estava pálido... Perguntou se seus alcaides seriam poupados no caso de os
poderes serem transferidos... Peste garantiu que essa era a sua praxe.
(...)
O
Governador conversou com seus alcaides por um instante.
Depois
se voltou ao povo de Cádiz para anunciar sua decisão.
Em
síntese, falou que teria de deixar o poder... Um novo governo seria
instalado... Todos deveriam compreender que o acordo evitaria o pior...
Conservaria sua equipe para além dos muros da cidade com a certeza de que um
dia ela ainda seria útil a todos.
Ele garantiu que não estava agindo unicamente para
cuidar da própria segurança... E estava neste ponto quando Peste solicitou que
ele declarasse que o acordo que haviam firmado era totalmente livre.
A Secretaria, lápis à mão, o
observava com atenção... Ao vê-la, o Governador anunciou que sim, se tratava de
um acordo livre.
Sem titubear, recuou e
fugiu...
Seus auxiliares o seguiram imediatamente.
Todavia Peste barrou o primeiro alcaide.
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto