O reaparecimento do cometa causou grande transtorno... Evidentemente o Governador ficou em situação bem desagradável, sobretudo porque fez a apologia da “imutabilidade”... A gente do povo ficou desnorteada porque já estava engajada em sua miserável rotina sem se importar com “perturbações celestes”.
A “revisita” do cometa foi ainda mais traumática porque deixou o seu rastro de morte... Como os pessimistas já previam, ele trouxe consigo a peste... Um dos comediantes acabou tombando, e o tumulto tornou-se generalizado.
O padre convocou todos ao arrependimento. Nem todos o seguiram para o interior da igreja, já que grande número permaneceu a olhar perdidamente para os lados enquanto o sino dos mortos badalava.
(...)
A
certa distância do aglomerado, o astrólogo manifestou que ocorrera uma
“conjunção maligna de planetas hostis”... O resultado seria a “seca, fome e
peste para todos”.
(...)
Um
grupo de mulheres percorreu a cena com seus lamentos... Falaram sobre o morto e
a desgraça que se abateu sobre Cádiz... Uma delas disse que o jovem artista
morto tinha um bicho preso à garganta e que seu sangue era sugado com a
violência de um sifão... Outra discordou e garantiu que era uma grande aranha
negra que estava grudada no morto... Falaram também que podia ser um lagarto
verde ou um homúnculo.
No
meio da falação perguntaram por Diogo... Disseram também que tanta gente
morreria que não haveria vivos para enterrá-los... Alguém sugeriu que a saída
seria partir de uma vez...
(...)
Também
Vitória estava por ali... Sua voz se destacou das demais... Obviamente ela
queria saber do amado Diogo.
Enquanto
essa agitação ocorria, o céu foi se tornando repleto de signos... O zumbido
ficou ainda mais alto... O horror foi estampado no rosto de todos. Um tipo
apavorado retirou-se gritando que em quarenta dias ocorreria o fim do mundo...
As
palavras do homem serviram para instalar o pânico generalizado... As pessoas se
movimentaram rapidamente em círculos e repetiam suas palavras escatológicas...
Guardas entraram em cena para conter aquele que iniciou a confusão.
Uma feiticeira vendia suas ervas e raízes (melissa,
menta, salva, rosmaninho, tomilho, açafrão, casca de limão, pasta de
amêndoas...) ao mesmo tempo em que adivinhava o que se sucederia a todos. A
mulher falava e um vento frio se levantava... O sol era do entardecer e ela
garantiu que o vento venceria o flagelo.
O ruído tornou-se ainda
mais insuportável... Ocorreram batidas fortes ao mesmo tempo em que dois homens
caíram aos pés da feiticeira... Todos se ajoelharam e depois começaram a se
afastar vagarosamente para fora do palco.
A multidão notou que os
tinham manchas nos pescoços e virilhas... Eles se contorceram até a morte.
Também lentamente o
ambiente escureceu até tornar-se breu total.
(...)
Na
sequência temos eventos em três ambientes: igreja, palácio e casa do juiz...
Esses locais são os únicos com iluminação.
(...)
No palácio, um dos alcaides
se dirigiu ao Governador relatando sobre o avanço rápido da epidemia. Eles não
podiam ter noção exata do quanto os quarteirões estavam contaminados... Era
certo que não podiam divulgar a verdade ao povo... Havia uma vantagem que
deviam reconhecer: a peste estava atacando as áreas superlotadas de pobres...
Os demais participantes da reunião aprovaram aquelas palavras.
Na igreja, o cura ordenou
que todos se confessassem em público... Deviam revelar o pior que já ousaram
fazer ou planejaram na vida. Essa era condição para que o veneno dos pecados
não os sufocasse e os conduzisse ao inferno... Todos ali não eram mais do que
“malditos” e deviam “abrir seus corações”.
O próprio padre deu
início aos relatos pecaminosos dizendo que seu único pecado foi faltar à
caridade...
Na sequência outras confissões ocorreram, porém
o público que assiste a Estado de Sítio
acompanha as mímicas e tira suas conclusões.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/09/estado-de-sitio-de-albert-camus_21.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto