O som de trombetas interrompeu movimentos e diálogos...
Um arauto anunciou que o governador ordenava que todos se recolhessem e retomassem seus afazeres... Para o governo nada demais havia se passado, e exatamente o “nada ocorrer” é que garantia que o governo é bom.
Para garantir que o governo permanecesse “tão bom como sempre tem sido” ficou estabelecido que a partir daquele dia “nada acontece que valha a pena, cause alarme ou desordem” em Cádiz.
Assim sendo, qualquer um que se manifestasse a respeito da aparição de cometa estaria mentindo aos demais cidadãos... Haveria punições severas aos que ousassem comentar sobre cometas.
(...)
Nada quis saber o que o jovem Diogo pensava a respeito
da proclamação. O moço respondeu que era uma “grande tolice” porque “mentir é
sempre uma tolice”.
Nada corrigiu Diogo e ao mesmo tempo debochou... Disse que “mentir é uma
política”... E justificou: O governador garante eficiência administrativa e
moral, pois pode anular déficits orçamentários, ou negar o adultério da
esposa... Tudo pode ser “alterado por força de lei ou autoritarismo”.
Diogo filosofou... Disse que “a hora da verdade é a
hora do assassinato”... Nada emendou que a afirmação era espetacular... Ele
mesmo gostaria de vivenciar um instante como aquele... “Assassinato do mundo”...
Seria mais ou menos poder experimentar a oportunidade que o feroz touro tem ao notar
diante de si o objeto de sua perseguição.
Nada desprezava a tudo... Isso todos sabiam... Mas Diogo ficou
impressionado com aquelas palavras...
O doentio Nada garantiu que o seu desprezo era imensurável... Duraria
até a morte! Ele deixava claro que “nem rei nem cometa nem moral” ficariam
acima dele.
Diogo alertou que aquela arrogância poderia vir a ser perigosa. As
pessoas poderiam odiá-lo por causa dela. O tipo respondeu que estava acima de
tudo simplesmente porque nada desejava.
Diogo argumentou que “ninguém está acima da honra”... Nada quis saber o
que é a honra...
O letrado disse que a honra
é o que o mantinha em pé... Nada classificou “honra” como “fenômeno sideral”...
Todos deveriam suprimi-la.
(...)
Diogo se despediu porque ia
ao encontro da amada... Ocupava-se basicamente em buscar a felicidade, e por
isso ansiava pela paz nas cidades e campos.
Nada sentenciou que o
modo de pensar do outro era tolice. O que se podia esperar?
A guerra é uma
certeza...
A morte desceria sobre todos...
De sua parte gostaria pelo menos de chegar ao mercado
e “beber ao morticínio” que se aproximava.
(...)
Início do Primeiro Ato.
O dia começou...
A alegria que a luz do amanhecer propicia invadiu a
cidade...
No palco se vê que a animação é geral... Vemos a praça do mercado
agitada pelo movimento das pessoas... Os comerciantes abrem seus
estabelecimentos...
Há um coro em que se veem
tipos populares... Os pescadores conduzem a cantoria.
Mas o que todos cantam?
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/09/estado-de-sitio-de-albert-camus-inicio.html
Leia: Estado
de Sítio. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto