Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
antes de ler esta postagem:
Tudo indica que os
inquisidores fossem “menos conscientes e informados” do que Menocchio... As
palavras que proferiu em suas explicações sobre “morte corporal e morte
espiritual” aparecem no capítulo XXXIV de Prédicas
para uma vida cristã. Redigido pelo frade Sebastião Ammiani da Fano, um
ermitão, o manual era difundido entre os religiosos paroquianos...
Ou
as autoridades religiosas não conheciam o referido texto, ou não deram conta do
embasamento teórico que sustentava as ideias do moleiro... A comparação entre a
“morte dos ruins” com o “sono dos bons” suscitava heresia. Mas “a qual heresia
relacionar as ideias de Menocchio?” O acusado devia ser incriminado por
tratar-se de um seguidor da seita dos armênios ou dos valdenses (os seguidores de
Pedro Valdo – século XII – que criticavam a idolatria e defendiam a apropriação
dos textos bíblicos pelos fiéis, além da vida religiosa voltada à simplicidade
e pobreza) e de John Wyclif (que, durante o século XIV, criticou a ostentação
da Igreja Católica, além de defender a sua submissão ao poder político dos
monarcas)?
Os inquisidores não
cogitavam (talvez por não conhecerem) as relações entre a doutrina do “sono das
almas” e os anabatistas... O processo contra Menocchio não faz referências à
distinção entre “alma mortal” e “espírito imortal”.
Menocchio
passou um bom tempo na prisão durante parte do inverno e da primavera de 1584...
E não é de se estranhar que tivesse caído em incoerências diante de perguntas
repetidas, recheadas de armadilhas em diversas ocasiões, e que o levavam a
situações contraditórias e de omissões... Um tipo simples como ele, fanático
pelos temas relacionados à religião e às doutrinas que questionavam o
catolicismo, muito desejava falar sobre o que pensava a homens mais
esclarecidos. Evidentemente não teve o papa, reis ou príncipes como
interlocutores, mas o cenário que se montou em torno dele (com escrivão e atentos ouvintes que interrogavam) atendia em muito aos anseios de quem até então conversara apenas com
pessoas muito humildes. Muitas vezes conseguiu repetir as mesmas ideias que
havia revelado em interrogatórios anteriores às autoridades, mas os inquisidores
sabiam como pressioná-lo através de insistentes e minuciosas perguntas
repetitivas...
Assim,
podemos verificar alguns registros que confirmam as suas confusões... Durante o
segundo interrogatório (16 de fevereiro) ele afirmou que o nosso espírito, “é a alma, que retorna para Deus, de onde ele veio”... Já no terceiro interrogatório
(22 de fevereiro), ele apresenta uma correção ao dizer que “morto o corpo,
morre a alma, mas o espírito continua”... Por ocasião do sexto interrogatório
(1 de maio), retornou ao juízo formulado durante o segundo interrogatório, pois
disse que “alma e espírito são a mesma coisa”.
Há as confusas afirmações que ele fez a respeito de
Cristo... Menocchio foi interrogado sobre o que Ele seria; “homem, anjo ou Deus
verdadeiro?”...
O moleiro respondeu que Cristo havia sido um homem,
“mas nele estava o espírito”... Depois procurou detalhar o seu entendimento e
esclarecer que “a alma de Cristo ou era um daqueles anjos antigos ou então foi
feita de novo pelo Espírito Santo com os quatro elementos, ou da natureza do
mesmo. Não se pode fazer bem as coisas se não são em três, e assim como Deus
havia dado o saber, o querer e o poder ao Espírito Santo, deu também a Cristo,
para que pudessem se consolar juntos (...). Quando dois não concordam numa
opinião, existe um terceiro; quando dois dos três concordam, o terceiro os
segue; e então o Pai deu querer, saber e poder a Cristo para que ele também
julgasse...”
Sabemos
de suas opiniões a respeito da humanidade de Cristo, um “homem como nós,
nascido de um homem e uma mulher como nós (...)”, que foi escolhido por Deus
para ser profeta entre os demais homens e que, tendo o dom da sabedoria e
inspiração do Espírito Santo, podia fazer milagres... Em suas afirmações sobre
Cristo, disse acreditar que Ele tinha “o espírito como o nosso, porque alma e
espírito são a mesma coisa”... Neste ponto o inquisidor quis saber o que
significava aquilo, já que ele havia afirmado que, morto o corpo, morre a
alma... Então, perguntou se o mesmo aconteceria com Cristo... Quer dizer, se
Ele morresse Sua alma também pereceria?
Menocchio falou sobre as sete almas dadas por Deus... Aí os inquisidores
insistiram se intelecto, memória e vontade de Cristo pereceriam com a morte do
Seu corpo... E ele respondeu: “Sim senhores, porque lá em cima sua utilização
não é necessária”.
Essa resposta demonstra o seu abandono à ideia de permanência do
espírito, relacionando-o à “alma que perece com o corpo”?
Confirmando o quanto as respostas de Menocchio
iam se emaranhando e desnorteando os que pretendessem entendê-las (e ao mesmo
tempo respondendo negativamente à questão feita anteriormente), pouco depois, ao
falar sobre o “dia do Juízo”, ele afirmou: “os lugares estavam repletos de
espíritos celestes, mas serão preenchidos por espíritos terrestres selecionados
entre os melhores e mais inteligentes”, inclusive o de Cristo, “cujo espírito é
terreno”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto