segunda-feira, 20 de maio de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – dificuldades dos inquisidores para definir a heresia de Menocchio; dificuldades de Menocchio em sustentar a mesma opinião diante de tantas perguntas repetitivas; as autoridades querem saber se suas ideias a respeito de “alma mortal e espírito imortal” se aplicavam a Cristo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html antes de ler esta postagem:

Tudo indica que os inquisidores fossem “menos conscientes e informados” do que Menocchio... As palavras que proferiu em suas explicações sobre “morte corporal e morte espiritual” aparecem no capítulo XXXIV de Prédicas para uma vida cristã. Redigido pelo frade Sebastião Ammiani da Fano, um ermitão, o manual era difundido entre os religiosos paroquianos...
Ou as autoridades religiosas não conheciam o referido texto, ou não deram conta do embasamento teórico que sustentava as ideias do moleiro... A comparação entre a “morte dos ruins” com o “sono dos bons” suscitava heresia. Mas “a qual heresia relacionar as ideias de Menocchio?” O acusado devia ser incriminado por tratar-se de um seguidor da seita dos armênios ou dos valdenses (os seguidores de Pedro Valdo – século XII – que criticavam a idolatria e defendiam a apropriação dos textos bíblicos pelos fiéis, além da vida religiosa voltada à simplicidade e pobreza) e de John Wyclif (que, durante o século XIV, criticou a ostentação da Igreja Católica, além de defender a sua submissão ao poder político dos monarcas)?
Os inquisidores não cogitavam (talvez por não conhecerem) as relações entre a doutrina do “sono das almas” e os anabatistas... O processo contra Menocchio não faz referências à distinção entre “alma mortal” e “espírito imortal”.
Menocchio passou um bom tempo na prisão durante parte do inverno e da primavera de 1584... E não é de se estranhar que tivesse caído em incoerências diante de perguntas repetidas, recheadas de armadilhas em diversas ocasiões, e que o levavam a situações contraditórias e de omissões... Um tipo simples como ele, fanático pelos temas relacionados à religião e às doutrinas que questionavam o catolicismo, muito desejava falar sobre o que pensava a homens mais esclarecidos. Evidentemente não teve o papa, reis ou príncipes como interlocutores, mas o cenário que se montou em torno dele (com escrivão e atentos ouvintes que interrogavam) atendia em muito aos anseios de quem até então conversara apenas com pessoas muito humildes. Muitas vezes conseguiu repetir as mesmas ideias que havia revelado em interrogatórios anteriores às autoridades, mas os inquisidores sabiam como pressioná-lo através de insistentes e minuciosas perguntas repetitivas...
Assim, podemos verificar alguns registros que confirmam as suas confusões... Durante o segundo interrogatório (16 de fevereiro) ele afirmou que o nosso espírito, “é a alma, que retorna para Deus, de onde ele veio”... Já no terceiro interrogatório (22 de fevereiro), ele apresenta uma correção ao dizer que “morto o corpo, morre a alma, mas o espírito continua”... Por ocasião do sexto interrogatório (1 de maio), retornou ao juízo formulado durante o segundo interrogatório, pois disse que “alma e espírito são a mesma coisa”.
Há as confusas afirmações que ele fez a respeito de Cristo... Menocchio foi interrogado sobre o que Ele seria; “homem, anjo ou Deus verdadeiro?”...
O moleiro respondeu que Cristo havia sido um homem, “mas nele estava o espírito”... Depois procurou detalhar o seu entendimento e esclarecer que “a alma de Cristo ou era um daqueles anjos antigos ou então foi feita de novo pelo Espírito Santo com os quatro elementos, ou da natureza do mesmo. Não se pode fazer bem as coisas se não são em três, e assim como Deus havia dado o saber, o querer e o poder ao Espírito Santo, deu também a Cristo, para que pudessem se consolar juntos (...). Quando dois não concordam numa opinião, existe um terceiro; quando dois dos três concordam, o terceiro os segue; e então o Pai deu querer, saber e poder a Cristo para que ele também julgasse...”
Sabemos de suas opiniões a respeito da humanidade de Cristo, um “homem como nós, nascido de um homem e uma mulher como nós (...)”, que foi escolhido por Deus para ser profeta entre os demais homens e que, tendo o dom da sabedoria e inspiração do Espírito Santo, podia fazer milagres... Em suas afirmações sobre Cristo, disse acreditar que Ele tinha “o espírito como o nosso, porque alma e espírito são a mesma coisa”... Neste ponto o inquisidor quis saber o que significava aquilo, já que ele havia afirmado que, morto o corpo, morre a alma... Então, perguntou se o mesmo aconteceria com Cristo... Quer dizer, se Ele morresse Sua alma também pereceria?
Menocchio falou sobre as sete almas dadas por Deus... Aí os inquisidores insistiram se intelecto, memória e vontade de Cristo pereceriam com a morte do Seu corpo... E ele respondeu: “Sim senhores, porque lá em cima sua utilização não é necessária”.
Essa resposta demonstra o seu abandono à ideia de permanência do espírito, relacionando-o à “alma que perece com o corpo”?
Confirmando o quanto as respostas de Menocchio iam se emaranhando e desnorteando os que pretendessem entendê-las (e ao mesmo tempo respondendo negativamente à questão feita anteriormente), pouco depois, ao falar sobre o “dia do Juízo”, ele afirmou: “os lugares estavam repletos de espíritos celestes, mas serão preenchidos por espíritos terrestres selecionados entre os melhores e mais inteligentes”, inclusive o de Cristo, “cujo espírito é terreno”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/05/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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