terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Filme: As invasões bárbaras

Indicação (16 anos)
Já faz algum tempo que assisti Invasões bárbaras, um filme canadense que ganhou Oscar de melhor estrangeiro em 2004. Como não escrevi nada sobre ele na ocasião, os meus registros aqui ficam bem comprometidos. É quase consenso que o ideal é assistir primeiro O Declínio do Império Americano (1986), que é do mesmo diretor, Denys Arcand. Eu não assisti ao filme de 1986, mas pretendo fazer isso logo que tiver um tempinho. Em relação ao Invasões, posso dizer que gostei muito. O protagonista do filme é um professor de História, Rémy, que está nas últimas devido a um câncer terminal. Ele estava de relações rompidas com o filho, Sébastien, um bem sucedido operador financeiro do outro lado do Atlântico.
Acontece que Rémy estava internado num hospital público em Montreal. As cenas lembram muito as dos corredores dos hospitais de nosso país retratados em reportagens para a televisão. Sébastien viaja para a América do Norte para tratar dos assuntos familiares, mas trata-se de um tipo centrado nos negócios, sequer separa-se do celular ou de seu laptop. Espera resolver ou participar dos últimos eventos do pai e partir imediatamente para a Inglaterra. O bem sucedido operador não se conforma com a situação em que o pai se encontra. Quer dar um jeito de transferi-lo para os Estados Unidos, mas o velho recusa apresentando seus motivos filosóficos, além de justificar que o império sofre sérias ameaças (as bárbaras, desde o 11 de setembro)... Então, à sua maneira, o rapaz procura dar um pouco de dignidade à internação do pai. À sua maneira significa “comprar”, pagar pelos serviços, favores ou “jeitinhos” de quem quer que fosse.
Percebemos uma crítica ao serviço público prestado e à influência que o sindicato dos funcionários exerce no hospital. Bem significativo foi a parte em que o laptop “sumiu”, mas Sébastien soube a quem notificar o desaparecimento de tão valioso aparelho (à sala dos sindicalistas)... E não é que o aparelho reapareceu rapidinho! O moço paga para que um andar inteiro, que estava interditado, fosse reparado para que pudesse abrigar exclusivamente o pai. Por terem formas diferentes de pensar, encarar a realidade e viver, Sébastien não permite que o pai saiba das manobras que fez para conseguir o conforto.
Os eficientes contatos que Sébastien tem permitem que ele saiba com antecedência os resultados dos exames do pai, sua morte é para breve. O filho, então, procura mais condições para que os derradeiros de Rémy sejam também plenos de felicidade.
Enquanto o moço sempre foi ajustado, o pai era um desregrado, que curtiu intensamente as várias situações que o sua existência experimentou. Ele viveu intensamente a rebeldia dos anos 1960 e se engajou nos movimentos embalados pelo marxismo, maoísmo, psicodelismo... Significativo é um diálogo que ele mantém com uma irmã religiosa que trabalha no hospital consolando os enfermos terminais. Rémy faz um discurso raivoso contra os cristãos católicos que dizimaram populações indígenas na América e, de acordo com suas contas, torna essa matança muito maior do que todas as praticadas durante o século XX...
Outra cena interessante é a que mostra Rémy se despedindo de seus alunos na universidade para se tratar. A manifestação dos alunos é de desprezo... Pois não é que Sébastien “dá um jeito” para que alguns o visitem no hospital? “Dá um jeito” significa que recompensou-os com dinheiro. Mas Sébastien não precisou de grande esforço para fazer com que os antigos amigos do pai reaparecessem... Eles são todos “desajustados” como Rémy, quer dizer, são alternativos como ele. Um deles é gay e assumiu a vida a dois com o namorado; as que curtiam o amor livre permanecem com os mesmos valores... Um outro se casou e “vive para o lar”, mas ocorrem algumas discussões dele com a esposa, que não se enquadra no modo de ser dos antigos companheiros do marido... Pois então todos eles aparecem e o quarto hospitalar se torna festivo, inclusive com bebidas e cigarro. Eles permanecerão com Rémy até o fim...
As dores tornaram-se insuportáveis... Sébastien sabe que o fim é para (bem) breve. Então recorre a uma das amigas do pai. Ela é mãe de Nathalie, uma viciada em heroína. É com essa moça, que é ainda mais desajustada, que Sébastien espera contar para obter a substância que aliviará o sofrimento do pai. Além da instabilidade de Nathalie, alguns episódios arriscados para o bom moço, inclusive envolvendo a polícia, ocorrem e quase a tragédia não se torna maior ainda maior.

É numa casa de campo que Rémy vai passar os últimos momentos. Há o lago que ele contempla... A reunião do grupo é muito bonita, é sincera... É claro que chegou a vez dele, logo serão os outros a partir (desculpe, isso aí sou eu me intrometendo na narrativa mais fria). Passa pela conversa e pensamentos tudo o que vivenciaram, os estudos, as farras, viagens, as músicas, a rebeldia... Rémy (aquele mulherengo!) está nas últimas. O seu filho conseguiu uma conexão e assim a sua irmã envia de alto mar uma vídeo-mensagem ao moribundo pai. Ninguém mais quer Rémy sofrendo, Sébastien conseguiu que a enfermeira do hospital injetasse o remédio letal (eutanásia) e assim o velho teve a “boa morte”.

Alguma coisa mudou? Nathalie e Sébastien trocam um beijo... Ela ficará instalada ali, naquele local repleto de livros e memórias onde tantas vezes Rémy se encontrou com amantes. Fim

Um abraço,

Prof.Gilberto

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