O Comissário e o Chefe de Operações se manifestaram a respeito da revista proposta pelo comandante... Mas este não se interessava pelos gestos e fisionomias nervosas de ambos. Em vez disso ficou a estudar as reações de cada um dos guerrilheiros.
O oficial que chefiava as operações repetiu que não concordava com a desconfiança que recaía sobre os camaradas... Deu para perceber que alguns entre eles deixaram escapar “murmúrios de aprovação” ao seu discurso. O homem continuou a protestar que, se um dentre eles havia falhado em suas responsabilidades, não era justo que os demais passassem pela vergonha da desconfiança.
Obviamente ele se referia a Ekuikui, que não entregara o dinheiro ao Comissário. Todos notavam que o Chefe de Operações também dirigia críticas indiretas a este.
Sem Medo vociferou que já era tempo de pararem com os discursos. Deixou claro que o erro de um não justificava o roubo do dinheiro. Isso sim devia ser considerado uma sabotagem ao grupamento e ao movimento de libertação! Disse isso e chamou Lutamos para dar início às revistas.
(...)
Todos assistiram à
revista em Lutamos... Tudo o que podia servir para ocultar uma nota de cem
escudos foi verificado. Nada encontraram nele ou com ele.
Ele
estava se vestindo quando o Comandante dirigiu-se rapidamente ao grupo que se
colocou mais afastado da verificação. Foi de repente que agarrou-se ao braço de
Ingratidão do Tuga. O armador de minas tentou se libertar e conforme se agitou
deixou escapar o dinheiro.
Sem Medo protestou,
disse que ele era um sacana e que já desconfiava dele “desde o primeiro momento”.
Depois arrastou-o para o meio dos demais e revelou que Ingratidão passara a
noite ao lado de Ekuikui e que, no momento mesmo em que faziam a revista em Lutamos,
procurava enterrar o dinheiro para resgatá-lo mais tarde.
Ingratidão do Tuga
confirmou que dormira ao lado de Ekuikui e que sabia do bolso onde a nota
estava guardada... Confessou que roubou durante a noite...
Os camaradas o ouviam
sem nada dizer. Mas era nítido que tinham suas posições em relação ao ocorrido,
uns a favor e outros contra o infrator.
Sem Medo arrematou
que Ingratidão seria julgado assim que chegassem à Base... Depois explicou que
Ekuikui ficaria com a arma do larápio e cuidaria para que ele não fugisse pela
floresta. Por fim voltou-se para este e o advertiu garantindo, que caso o
Ingratidão escapasse, ele seria o julgado. Será que ele não se envergonhava por
ter se deixado roubar? Será que não sabia dormir com apenas um dos olhos
fechado?
Ekuikui explicou que estava muito cansado e por isso tivera sono mais
pesado que o de costume.
(...)
Lutamos quis saber como encontrariam os trabalhadores para devolver o
dinheiro. Àquela altura já deviam estar bem longe.
Teoria intrometeu-se a dizer que achava melhor
procurarem os trabalhadores depois de efetuarem a emboscada aos tugas. Disse
também que tinham o nome do mecânico e da localidade (kimbo) onde vivia, então poderiam
se encaminhar para lá depois.
No mesmo instante o
Chefe de Operações desaprovou a ideia afirmando que era arriscada. O Comissário
disse que se apresentava como voluntário, que também se sentia responsável pelo
ocorrido e que levava em consideração o “aspecto político” da devolução do
dinheiro.
Mais uma vez o comandante Sem Medo interrompeu a discussão e garantiu
que depois pensariam melhor na situação. No momento deviam seguir para a
emboscada e esclareceu que, no caso de os tugas terem se antecipado a
persegui-los, podia ser que se encontrassem mais à frente. Por isso propôs que
fizessem um caminho diferente. Pelo menos tinham a vantagem de não estarem com
pressa.
(...)
O
grupamento guerrilheiro pôs-se a caminhar. Lutamos foi à frente... No meio
estava Ingratidão do Tuga que, conforme determinara o comandante, seguia
desarmado. Isso era um tanto arriscado, pois os inimigos podiam surgir de
surpresa e ele faria falta no combate.
Já fazia quatro dias
que os guerrilheiros haviam deixado a Base... As provisões estavam quase no fim
porque haviam sido repartidas com os trabalhadores.
Não era por acaso que alguns já davam mostras de cansaço.
(...)
Sem Medo caminhava e
pensava nessa situação... Levava a sua AKA acomodada no ombro e tinha o
costumeiro chapéu cubano à cabeça... A aba escondia a cicatriz do balaço que
lhe raspara a testa numa ocasião em que os inimigos os surpreenderam enquanto ele
estava a banhar-se no rio (só escapou porque aproveitou que sangrava e
fingiu-se de morto; os camaradas trocaram tiros por tempo suficiente para que
ele pudesse se esconder atrás de umas pedras).
Como
esquecer o episódio? Foi conduzido quase nu à Base! Lutava no grupamento de
Henda (acessar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/05/mayombe-de-pepetela-um-pouco-sobre-o_21.html), e este não pestanejou em
puni-lo com rigor pela perda do cantil e do cinturão que haviam sido tomados
pelos inimigos.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto