terça-feira, 12 de junho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – travessia da montanha e noite encharcada; Milagre faz nova narrativa pessoal; críticas às decisões do Comandante; conceitos de “tribalismo justo” e “tribalismo injusto”; ideia de que os “mais avançados” devem liderar e governar os “mais atrasados”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/06/mayombe-de-pepetela-ainda-troca-de.html antes de ler esta postagem:

O comandante e o professor ajudaram no preparo do almoço...
Depois que os guerrilheiros se alimentaram retomaram a caminhada pela floresta. Por volta das duas da tarde iniciaram a subida de uma montanha. A grande quantidade de xikuangas complicou demais o avanço do grupo.
Como a subida era íngreme, o homens tinham de parar com certa frequência e tomar fôlego... Demorou, mas a folhagem foi vencida. Mais a frente tiveram de encarar uma mata tão fechada que só a golpes de catana podiam progredir. Para ainda mais complicar, às quatro horas começou uma intensa chuva.
As mochilas passaram a representar um estorvo extra e as botas se tornaram enlameadas e muito mais pesadas. A certa altura, Pangu-A-Kitina, que fazia as vezes de enfermeiro, escorregou, e sua arma (a pépéchá) caiu numa ribanceira de uns vinte metros. Apesar dos esforços para recuperar a arma, às cinco horas os guerrilheiros chegaram ao topo... Obviamente estavam exaustos.
(...)
Depois de um curto período de descanso deram prosseguimento à descida. Simplesmente não tinham como passar a noite ali porque o frio era dos mais agressivos.
A descida também era perigosa... Escorregões aconteciam a todo instante. Os homens mal conseguiam controlar suas trêmulas pernas. A chuva não dava trégua e o peso dos sacadores parecia acelerar os passos.
Depois de uma hora atingiram a margem do rio... Não havia como procurar um local mais adequado para levantarem acampamento, por isso lançaram-se a uma clareira e acomodaram-se para tomar leite frio, pois as condições impossibilitavam qualquer fogueira.
Teoria mereceu a atenção de Pangu-A-Kitina, já que numa de suas quedas machucara novamente o joelho... Não havia o que fazer, pois as ataduras estavam ensopadas... O enfermeiro banhou as feridas com álcool.
A maior parte dos homens decidiu deitar-se diretamente no chão molhado... O Comandante “aconselhou” o Comissário a mexer os membros de vez em quando... Fez um gracejo ao dizer que a terra ali era tão fértil que podia ser que braços e pernas criassem raízes da noite para o dia.
O sério Comissário Político. Quis saber como era que o outro ainda tinha condições de brincar naquela precária condição.
(...)
Na sequência temos uma nova narrativa pessoal do guerrilheiro Milagre, o da bazuca.
Ele provoca o leitor a refletir a respeito da preocupação do Comandante ao insistir em devolver os cem escudos do “traidor de Cabinda”. Em sua opinião, aquilo valia uma nota indignada.
Milagre esclarece que Sem Medo era um kikongo... Sabia-se que, ainda pequeno, tinha se transferido para Luanda... Sua família era proveniente do Uíje... Sabendo-se que kikongos e fiotes são “parentes”, podiam ser considerados “um mesmo povo”!
Então, para o rapaz, a fúria do Comandante justificava-se apenas pelo fato de ele entender que “um de seus primos” havia sido roubado. Não era por acaso que o homem protegia Lutamos... Este também um traidor!
O guerrilheiro Milagre nos remete à punição que o Comandante reservou ao Ingratidão do Tuga... Para ele, a explicação também era simples: Ingratidão era kimbundo!
(...)
Como se vê, o discurso de Milagre tem viés tribalista.
Ele mesmo cita que os intelectuais que estavam na guerrilha viviam dizendo que os combatentes oriundos do campo eram tribalistas... Mas, ainda segundo ele, era preciso reconhecer que os dirigentes não escondiam seu tribalismo.
Em sua opinião isso não deveria ter importância... Mas todos deveriam considerar que havia um “tribalismo justo” e um “tribalismo injusto”.
Sua explicação: Quando se defendia uma tribo “que merece”, praticava-se o “tribalismo justo”... O “tribalismo injusto” acontecia quando queriam “impor a tribo que não merece ter direitos”.
(...)
Como vemos, é algo bem complexo. O próprio Milagre tentou esclarecer o que queria afirmar... Citou Lenin, que falava de “guerras justas e injustas”... Então havia também o “tribalismo justo e o injusto”! Não era caso de se ficar a falar à toa!
O rapaz extravasou ao afirmar que todos são iguais e devem ter os mesmo direitos, porém nem todos estão no “mesmo nível”... Sendo assim, os mais avançados devem se sobrepor e governar os demais. As tribos mais avançadas deveriam “dirigir as demais” e fazer com que elas avancem. Chegaria um momento em que as subalternas atingiriam maturidade adequada para se governarem sozinhas.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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