terça-feira, 19 de junho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – ainda a narrativa pessoal de Milagre e suas críticas ao predomínio dos “mais atrasados” na guerrilha; noite de chuva e prejuízos; tugas explodem nas minas armadas junto ao buldózer; posicionando-se para a emboscada

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/06/mayombe-de-pepetela-travessia-da.html antes de ler esta postagem:

Como vimos, a crítica de Milagre era das mais polêmicas.
Para ele, as tribos “mais avançadas deviam dirigir as demais”...
Não seria exagero dizer que ele reproduzia o mesmo discurso dos europeus imperialistas quando se referiam aos povos africanos.
(...)
Ele deu continuidade ao seu raciocínio destacando que no grupamento de guerrilheiros do qual fazia parte estava acontecendo que os “mais atrasados” eram os que queriam mandar... E o pior era saber que os de sua gente (como era o caso do Comissário Político) ajudava aos “mais atrasados”.
Com indignação, exclamou que o Comissário se deixava levar pelo Comandante sem perceber o que se passava na cúpula, além de colocar-se sempre contra o Chefe de Operações.
Para o rapaz, estava difícil admitir que um tipo tão inteligente como o Comissário, tão cheio das leituras, permitisse aquela situação. Estaria em conluio com os outros só para prejudicar os que tinham o mesmo sangue dele?
(...)
Milagre não se conformava... Em sua memória trazia o sofrimento que os imperialistas tugas haviam imposto ao seu povo. Assim, não podia aceitar que aqueles outros, que nada haviam sofrido, se tornassem líderes como se soubessem de todas as necessidades dos que comandados.
Por fim, o rapaz afirmou que os “verdadeiros filhos do povo” deviam tomar as rédeas do movimento. Sentia que era por isso que devia lutar.
(...)
A noite foi de intensa chuva...
Sem Medo e mais alguns poucos conseguiram dormir... Mas este não foi o caso da maioria que sequer cochilou por causa do aguaceiro e do intenso frio.
As fisionomias dos homens denunciava o cansaço da jornada... Estavam mal alimentados e, para piorar, haviam perdido boa parte dos mantimentos durante a chuvarada.
No dia seguinte retomaram o avanço na mata fechada que só podia ser vencida a golpes de facões... Por volta das dez horas voltaram a encontrar o rio Lombe. Uma patrulha foi destacada para alcançar uma elevação, onde faria o reconhecimento para a orientação do caminho que deveriam tomar.
Logo souberam que estavam próximos da estrada e isso os encheu de novo ânimo. Seguiram na direção da estrada que dava na área de exploração da madeira... Não demorou e ouviram três “explosões surdas”... Concluíram com satisfação que os tugas haviam caído na armadilha das minas que deixaram nas proximidades do trator.
Os guerrilheiros riram e agarraram com firmeza as armas que carregavam. O Chefe de Operações adiantou-se para certificar-se do melhor sítio para a emboscada. Ele retornou para o grupo e todos rumaram para o local. Sem Medo aprovou a escolha e pôs-se a indicar o lugar onde cada um devia se posicionar.
(...)
Cada um na posição onde o Comandante indicara, os guerrilheiros aguardaram o momento de atacar... Sabiam que deviam esperar até que os tugas passassem carregando os que haviam ficado feridos nas explosões das minas.
Mas duas horas se passaram sem que nada ocorresse... Sem Medo decidiu reunir-se com o Chefe de Operações e o Comissário Político. Ele foi logo dizendo que acreditava que os inimigos haviam levado os feridos para um outro quartel, mas adiantou que tinha certeza de que uma patrulha deveria avançar por ali. Então tinham de esperar.
O Comissário disse que os camaradas estavam esfomeados, pois já fazia muito tempo que não comiam... Na última madrugada haviam apenas sugado um pouco de leite das latas! Não seria melhor retirarem-se para preparar um cozido?
O homem manifestou suas preocupações e sugeriu que no dia seguinte retornassem àquele ponto para esperar os tugas.
O Chefe de Operações posicionou-se contrariamente. E manifestou que tinham de esperar porque certamente os inimigos enviariam “reforços do Sanga”. Disse ainda que os camaradas sabiam que aqueles homens não passavam a noite na mata, então em breve caminhariam por ali.
Ainda de acordo com ele, era inútil e improdutivo esperar mais um dia. Os guerrilheiros queriam ação! É claro que suportariam a fome! Cancelar comprometia ainda mais a quantidade de comida!
Sem Medo concordou com o oficial. Disse que esperariam até às cinco da tarde. Caso os inimigos não aparecessem, se retirariam para acampar e preparar o fogo.
O Comissário nada disse... Via-se que ficou contrariado muito mais pelos ares de satisfação de seu desafeto do que pela não aprovação de sua proposta.
Na sequência os três retomaram suas posições.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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