Como vimos, a crítica de Milagre era das mais polêmicas.
Para ele, as tribos “mais avançadas deviam dirigir as demais”...
Não seria exagero dizer que ele reproduzia o mesmo discurso dos europeus imperialistas quando se referiam aos povos africanos.
(...)
Ele deu continuidade ao seu raciocínio destacando que no grupamento de
guerrilheiros do qual fazia parte estava acontecendo que os “mais atrasados”
eram os que queriam mandar... E o pior era saber que os de sua gente (como era
o caso do Comissário Político) ajudava aos “mais atrasados”.
Com
indignação, exclamou que o Comissário se deixava levar pelo Comandante sem
perceber o que se passava na cúpula, além de colocar-se sempre contra o Chefe
de Operações.
Para o rapaz, estava
difícil admitir que um tipo tão inteligente como o Comissário, tão cheio das
leituras, permitisse aquela situação. Estaria em conluio com os outros só para
prejudicar os que tinham o mesmo sangue dele?
(...)
Milagre
não se conformava... Em sua memória trazia o sofrimento que os imperialistas
tugas haviam imposto ao seu povo. Assim, não podia aceitar que aqueles outros,
que nada haviam sofrido, se tornassem líderes como se soubessem de todas as
necessidades dos que comandados.
Por fim, o rapaz
afirmou que os “verdadeiros filhos do povo” deviam tomar as rédeas do
movimento. Sentia que era por isso que devia lutar.
(...)
A noite foi de
intensa chuva...
Sem
Medo e mais alguns poucos conseguiram dormir... Mas este não foi o caso da
maioria que sequer cochilou por causa do aguaceiro e do intenso frio.
As fisionomias dos
homens denunciava o cansaço da jornada... Estavam mal alimentados e, para
piorar, haviam perdido boa parte dos mantimentos durante a chuvarada.
No dia seguinte
retomaram o avanço na mata fechada que só podia ser vencida a golpes de
facões... Por volta das dez horas voltaram a encontrar o rio Lombe. Uma
patrulha foi destacada para alcançar uma elevação, onde faria o reconhecimento para
a orientação do caminho que deveriam tomar.
Logo souberam que estavam próximos da estrada e isso os encheu de novo
ânimo. Seguiram na direção da estrada que dava na área de exploração da
madeira... Não demorou e ouviram três “explosões surdas”... Concluíram com
satisfação que os tugas haviam caído na armadilha das minas que deixaram nas
proximidades do trator.
Os guerrilheiros riram e agarraram com firmeza as armas que carregavam.
O Chefe de Operações adiantou-se para certificar-se do melhor sítio para a
emboscada. Ele retornou para o grupo e todos rumaram para o local. Sem Medo
aprovou a escolha e pôs-se a indicar o lugar onde cada um devia se posicionar.
(...)
Cada um na posição onde o Comandante indicara,
os guerrilheiros aguardaram o momento de atacar... Sabiam que deviam esperar
até que os tugas passassem carregando os que haviam ficado feridos nas
explosões das minas.
Mas duas horas se
passaram sem que nada ocorresse... Sem Medo decidiu reunir-se com o Chefe de
Operações e o Comissário Político. Ele foi logo dizendo que acreditava que os
inimigos haviam levado os feridos para um outro quartel, mas adiantou que tinha
certeza de que uma patrulha deveria avançar por ali. Então tinham de esperar.
O Comissário disse que os camaradas estavam esfomeados, pois já fazia
muito tempo que não comiam... Na última madrugada haviam apenas sugado um pouco
de leite das latas! Não seria melhor retirarem-se para preparar um cozido?
O homem
manifestou suas preocupações e sugeriu que no dia seguinte retornassem àquele
ponto para esperar os tugas.
O Chefe de Operações
posicionou-se contrariamente. E manifestou que tinham de esperar porque
certamente os inimigos enviariam “reforços do Sanga”. Disse ainda que os
camaradas sabiam que aqueles homens não passavam a noite na mata, então em
breve caminhariam por ali.
Ainda
de acordo com ele, era inútil e improdutivo esperar mais um dia. Os
guerrilheiros queriam ação! É claro que suportariam a fome! Cancelar
comprometia ainda mais a quantidade de comida!
Sem Medo concordou
com o oficial. Disse que esperariam até às cinco da tarde. Caso os inimigos não
aparecessem, se retirariam para acampar e preparar o fogo.
O Comissário nada disse... Via-se que ficou contrariado muito mais pelos
ares de satisfação de seu desafeto do que pela não aprovação de sua proposta.
Na
sequência os três retomaram suas posições.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto