O Comando fez uma reunião.
Ficou decidido que manteriam os prisioneiros por um dia e que tomariam o rumo do Congo. Depois que os liberassem, o grupamento retornaria ao ponto em que estavam naquele momento, “entre a picada e a estrada”.
A ideia era provocar uma confusão entre os inimigos... O Comando entendia que os tugas não tentariam se aproximar para efetuar qualquer ataque imediato... Depois que os trabalhadores fossem libertados, estes diriam aos soldados imperialistas que os guerrilheiros haviam retornado ao Congo.
O blefe tinha grande possibilidade de produzir bons resultados, pois Sem Medo ordenaria uma emboscada e os tugas ficariam a pensar que mais de um grupo rebelde agia na floresta.
(...)

O
Chefe de Operações lamentou que o motorista havia escapado... Sem Medo
respondeu que não tinham o que fazer... A menos que agissem como a UPA (União
dos Povos de Angola, guerrilha que atacava inclusive os civis). Além disso,
acrescentou que o homem branco estava muito assustado e não era correto
demonstrar força matando os civis, ainda que fossem colonialistas.
Sem Medo também
lamentava o fato, mas desejava capturar o motorista vivo... Depois tinham de
pensar nas consequências, pois iriam libertar todos os prisioneiros e certamente
haveria guerrilheiro contrariado pela libertação do branco.
O Comissário
manifestou concordância à decisão de Sem Medo... Em sua opinião, os camaradas
não deviam atuar contra os civis. É claro que havia comunidades hostis a eles,
mas os ataques aos indefesos apenas alimentaria a propaganda do governo.
Neste momento o Chefe
de Operações levantou-se e se retirou.
(...)
O Comissário Político
quis saber de Sem Medo o que ele havia escrito no “bilhete aos tugas”...
O Comissário achou
muita graça, mas sentenciou que se tratava de um conteúdo “muito pouco
político”.
Então o Comandante perguntou o que deveria ter escrito... Alguma citação
de Marx? E emendou que os tugas só entendiam aquele tipo de política.
(...)
Trabalhadores feitos prisioneiros e guerrilheiros almoçaram juntos... As
gamelas chegavam às mãos de todos. Um dos sequestrados tinha cigarros e os
repartiu com os guerrilheiros.
Estavam próximos ao leito do rio... Depois da
refeição descansaram folgadamente. Então os trabalhadores ficaram sabendo que
Lutamos também era cabindense. Logo Sem Medo entendeu que a conversa ali era
boa para o movimento, pois, com o contato com o conterrâneo, os trabalhadores
passariam a confiar mais na guerrilha. Então, nesse caso, o tribalismo era
favorável.
Mas pelo visto não
era esse o pensamento do Chefe de Operações, que ficou bem perto de Lutamos. O
homem prestava atenção à conversa e queria saber se o rapaz não caía em
contradições que significassem traição.
Sem Medo via que o Chefe de Operações nutria repulsa ao Lutamos.
(...)
Chegamos a um trecho
em que o guerrilheiro Milagre assumiu a narrativa.
Ele
explicou que nascera em Quibaxe, terra de aldeias de kimbundos... O Chefe de
Operações e o Comissário Político também vinham da mesma região.
Milagre era perito no
tiro de bazuca, e garantia que muito apreciava ver os caminhões que conduziam
soldados tugas irem para os ares depois de serem atingidos por um de seus
tiros.
Em
relação à terra de onde vinha, o guerrilheiro explica que ela era grande
produtora de café... Sua família era de camponeses pobres, e ele não teve
chances de estudar além da “Primeira Classe”... A revolução se encarregara de
ensinar-lhe o mais de que necessitava.
Na sequência, Milagre
contou sobre os episódios de 1961, quando ainda era criança e testemunhara o
massacre das crianças e adultos em sua aldeia. Os pequenos eram arremessados
com violência contra as árvores, enquanto os adultos eram enterrados até o
pescoço para que as lâminas dos tratores lhes arrancassem as cabeças.
Os
imperialistas faziam essas crueldades e assim extraíam da terra a riqueza para
os dominadores.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/06/mayombe-de-pepetela-narrativa-pessoal.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto