sábado, 2 de junho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – rumando para Congo e dando a entender que deixavam a região; refeição e cigarros comunitários junto aos detidos; interação de Lutamos com os trabalhadores; desconfianças do Chefe de Operações; Milagre inicia uma narrativa pessoal

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/06/mayombe-de-pepetela-destruindo-o-trator.html antes de ler esta postagem:

O Comando fez uma reunião.
Ficou decidido que manteriam os prisioneiros por um dia e que tomariam o rumo do Congo. Depois que os liberassem, o grupamento retornaria ao ponto em que estavam naquele momento, “entre a picada e a estrada”.
A ideia era provocar uma confusão entre os inimigos... O Comando entendia que os tugas não tentariam se aproximar para efetuar qualquer ataque imediato... Depois que os trabalhadores fossem libertados, estes diriam aos soldados imperialistas que os guerrilheiros haviam retornado ao Congo.
O blefe tinha grande possibilidade de produzir bons resultados, pois Sem Medo ordenaria uma emboscada e os tugas ficariam a pensar que mais de um grupo rebelde agia na floresta.
(...)
Sem Medo sustentou aos demais que poderiam confundir os inimigos diversas vezes, e sempre da mesma forma, ou seja, dando a entender que se retiravam para o Congo. Ao mesmo tempo em que as ações abalariam a confiança dos tugas, o povo passaria a respeitar mais a força dos libertadores.
O Chefe de Operações lamentou que o motorista havia escapado... Sem Medo respondeu que não tinham o que fazer... A menos que agissem como a UPA (União dos Povos de Angola, guerrilha que atacava inclusive os civis). Além disso, acrescentou que o homem branco estava muito assustado e não era correto demonstrar força matando os civis, ainda que fossem colonialistas.
Sem Medo também lamentava o fato, mas desejava capturar o motorista vivo... Depois tinham de pensar nas consequências, pois iriam libertar todos os prisioneiros e certamente haveria guerrilheiro contrariado pela libertação do branco.
O Comissário manifestou concordância à decisão de Sem Medo... Em sua opinião, os camaradas não deviam atuar contra os civis. É claro que havia comunidades hostis a eles, mas os ataques aos indefesos apenas alimentaria a propaganda do governo.
Neste momento o Chefe de Operações levantou-se e se retirou.
(...)
O Comissário Político quis saber de Sem Medo o que ele havia escrito no “bilhete aos tugas”...
O Comissário achou muita graça, mas sentenciou que se tratava de um conteúdo “muito pouco político”.
Então o Comandante perguntou o que deveria ter escrito... Alguma citação de Marx? E emendou que os tugas só entendiam aquele tipo de política.
(...)
Trabalhadores feitos prisioneiros e guerrilheiros almoçaram juntos... As gamelas chegavam às mãos de todos. Um dos sequestrados tinha cigarros e os repartiu com os guerrilheiros.
Estavam próximos ao leito do rio... Depois da refeição descansaram folgadamente. Então os trabalhadores ficaram sabendo que Lutamos também era cabindense. Logo Sem Medo entendeu que a conversa ali era boa para o movimento, pois, com o contato com o conterrâneo, os trabalhadores passariam a confiar mais na guerrilha. Então, nesse caso, o tribalismo era favorável.
Mas pelo visto não era esse o pensamento do Chefe de Operações, que ficou bem perto de Lutamos. O homem prestava atenção à conversa e queria saber se o rapaz não caía em contradições que significassem traição.
Sem Medo via que o Chefe de Operações nutria repulsa ao Lutamos.

(...)

Chegamos a um trecho em que o guerrilheiro Milagre assumiu a narrativa.
Ele explicou que nascera em Quibaxe, terra de aldeias de kimbundos... O Chefe de Operações e o Comissário Político também vinham da mesma região.
Milagre era perito no tiro de bazuca, e garantia que muito apreciava ver os caminhões que conduziam soldados tugas irem para os ares depois de serem atingidos por um de seus tiros.
Em relação à terra de onde vinha, o guerrilheiro explica que ela era grande produtora de café... Sua família era de camponeses pobres, e ele não teve chances de estudar além da “Primeira Classe”... A revolução se encarregara de ensinar-lhe o mais de que necessitava.
Na sequência, Milagre contou sobre os episódios de 1961, quando ainda era criança e testemunhara o massacre das crianças e adultos em sua aldeia. Os pequenos eram arremessados com violência contra as árvores, enquanto os adultos eram enterrados até o pescoço para que as lâminas dos tratores lhes arrancassem as cabeças.
Os imperialistas faziam essas crueldades e assim extraíam da terra a riqueza para os dominadores.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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