Foi decidido que aguardariam até às cinco...
O Comissário propôs o recuo, mas as palavras do Chefe de Operações foram mais convincentes.
Os guerrilheiros se posicionaram ao longo da estrada.
(...)
Sem Medo percorreu com todo o cuidado as distâncias que os separavam...
Os homens estavam sonolentos... Alguns adormeciam e ele tratou de lhes dirigir
sussurros para despertá-los e mantê-los empolgados para o combate. Em resposta,
os camaradas sorriam e davam piscadelas.
Sem
Medo seguiu animado por concluir que, apesar das diferenças e até mesmo do
desprezo de alguns em relação à sua pessoa, a “solidariedade do combate” fazia
com que se tornassem mais amáveis.
O Ingratidão recebeu
sua arma de volta para que pudesse participar ativamente da emboscada...
Ekuikui foi incumbido de vigiá-lo. Sem Medo entendeu que os homens estavam
preparados. Aproximou-se de Teoria, que percebeu o motivo de sua chegada e foi
logo dizendo que seu “segundo eu” estava prevalecendo, sendo assim, não havia
motivo para preocupações. O Comandante respondeu que sabia que não tinha razões
para isso.
Faltava
conferir a condição do camarada mais avançado, que fazia a guarda e sinalizaria
a aparição dos inimigos. Sem Medo avançou até sua posição... O homem perguntou
se a ação havia sido cancelada. O Comandante respondeu negativamente, pois
estava convicto de que os tugas apareceriam a qualquer momento. O outro
reclamou que sentia fome.
Sem Medo sabia da
condição de seus comandados, então respondeu ao rapaz que também ele estava
ansioso e que ainda nem tinha fumado durante todo aquele dia.
(...)
Sem Medo retornou à
sua posição... Espantava a sonolência conferindo o relógio diversas vezes... Às
quatro da tarde a escuridão baixou sobre o sítio da emboscada. Ele sabia que o
maior problema era a espera, pois logo que ação se iniciasse “os fantasmas
ficavam para trás”.
Ele mesmo tinha desses
fantasmas... Nessas ocasiões de espera sempre lhe ocorriam as recordações dos
tempos de juventude e dos camaradas mortos durante os longos anos de combate.
O rosto de Leli
surgia em seus pensamentos... Fazia pelo menos meio ano que sua imagem não o
atormentava. No entanto, durante a espera pelo início da emboscada, a
fisionomia da amada retornou...
(...)
Neste ponto da narrativa vemos Sem Medo angustiado e tomado pela lembrança
do dia em que atacaram o Posto de Miconje. A chuva era torrencial e o piso
estava enlameado... Depois de uma longa jornada pela noite, conseguiram atingir
o local às seis da manhã.
Certamente a tensa expectativa contribuiu para que a imagem de Leli viesse
atormentá-lo naquela ocasião... É bem verdade que as condições de visibilidade
eram as piores que se possam imaginar... A mata fechada e os grossos pingos da
chuva eram de cegar! Mas isso não parecia preocupá-lo mais do que o seu
pensamento persistente em Leli.
Essa
angústia prevaleceu até o instante de gritar a ordem para atacar. Urrou tal
como animal selvagem e o combate iminente o libertou da imagem de mulher que o
perseguia.
(...)
Mas que tanto mal a visão de Leli lhe fazia?
Os olhos dela surgiam-lhe
acusativos. Eram meigos, mas denunciavam um desejo de vingança. Aqueles olhos revelavam
a condição dos que se sentem abandonados!
O
Comandante não podia suportá-los e para afastar o sentimento de culpa que o
invadia quis gritar.
Mas isso estava fora de cogitação... A tarde avançava... Já eram quatro
e quinze! O inimigo custava a aparecer, então, por não ter como ordenar o
avanço para o tiroteio, teve de fazer um exercício de paciência.
Todavia o caso era dos mais complicados e ele começou a sentir cólicas. Manteve o olhar
fixo na estrada e as mãos cravadas em sua arma (a AKA) e sentiu que os
cotovelos adormeciam... Os olhos de Leli prevaleciam com suas súplicas e
acusações que ele conhecia de há muito tempo.
E em síntese os
ofensivos olhos da mulher, a visão que mais o atormentava, cobravam vingança pelo
modo como ele a tornou apaixonada mesmo sabendo que o relacionamento de ambos
não tinha a menor condição de prosperar. Se ele sabia que o engajamento na
guerrilha era o que mais desejava, por que a seduziu?
(...)
Por
um instante ele a imaginou iluminada pela luz do luar, a correr nua numa praia
repleta de coqueiros... Nessa visão os dois terminavam romanticamente abraçados
na areia.
Isso foi demais. Sem
Medo quis correr na direção onde os inimigos apareceriam e disparar todos os
seus cartuchos só para fazer Leli sumir de uma vez por todas de seus
pensamentos.
Estava
para fazer uma loucura quando notou o guarda a fazer sinais na posição
dianteira.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2018/06/mayombe-de-pepetela-emboscada-ofensiva.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto