segunda-feira, 16 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – a travessia do córrego da Fome; Zé Grande chamou a boiada para o meio da água; nenhuma perda; João Manico se manifesta sobre a sua inutilidade na tropa e sobre o desempenho do Sete-de-Ouros

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_42.html antes de ler esta postagem:

O major concordou com o capataz...
Mas recomendou paciência porque muitos já haviam morrido ali no córrego da Fome (como era chamado o curso d’água).
Os homens se mantiveram estacionados e a esperar que a boiada fosse tomada de coragem. A chuva caía bem fininha, mas, além do leito transbordado, o temporal provocara outras enxurradas violentas. A enchente estava aumentando. Todos podiam ver.
O aguaceiro trazia muito barro, troncos e raízes de toda espécie. Um tronco dos grandes foi parar na copa de um de tingui que estava submerso. Depois as violentas águas cuidaram de fazê-lo voltar à correnteza tal como canoa desgovernada.
(...)
Os vaqueiros sabiam bem que o córrego da Fome era um fio d’água inofensivo... Mas o mês de dezembro trazia as chuvas mais fortes e ele se tornava tão perigoso quanto os rios mais violentos.
A boiada custou a se movimentar... Os mugidos tornaram-se impacientes: “Cou! Cou! Tou! Tou!”
Alguns se aproximaram da margem... Zé Grande conduziu sua montaria, o Cata-Brasa, para a água e o bicho começou a nadar até que alcançou a metade da travessia. Neste ponto o guieiro voltou-se e tocou o berrante.
O primeiro a se lançar às águas foi um “junqueira longicórnio”. Os demais seguiram atrás dele. O que se viu a partir daí foram os grandes corpos afundando...
Obviamente os bois não conseguiam colocar os cascos no fundo, então, acima das águas viam-se apenas os chifres, beiços e narinas. O instinto de sobrevivência levava-os a se tornarem “espécies aquáticas”.
Toda a manada se lançou para as águas do riacho da Fome... Os últimos a entrarem foram João Manico (que montava o Sete-de-Ouros), Francolim e, por fim, o Major Saulo.
O patrão logo os alcançou. Disse ao Francolim que nenhum animal se perdera na travessia. Depois ordenou que o “imediato” fosse ter mais adiante com Sebastião para orientá-lo a prosseguir “pelo caminho de baixo, no fim da vargem”.
(...)
Francolim seguiu para a dianteira...
O major colocou-se ao lado do compadre Manico para trocar umas ideias... Perguntou-lhe o que estava achando da viagem no “burrinho sem velhice”, pois achava mesmo que naquele ritmo o Sete-de-Ouros aguentaria mais de um dia.
João Manico concordou que o burrico era mesmo esperto... Depois acrescentou que o animal “fazia que aguentava” só para contrariar os que o desprezavam... Além disso não reagia às palavras de incentivo ou às lambadas de cipó.
O compadre tinha mesmo que concordar que burro dos bons são aqueles que não se põem a correr desembestados... Eles bem sabiam que não eram cavalos, mas quando se viam “a serviço do rei” se punham na “justa pressa”. O homem reconhecia a firmeza do Sete-de-Ouros que, além de seguir pelo melhor das trilhas, não era de bambear ou falsear nas passadas.
O major parecia se divertir com a situação... Disse que o compadre e o burrinho estavam indo muito bem... E sem confusões...
João Manico não discordou... Mas deixou claro que entendia que o compadre estava se rindo por dentro. Que entendia que não era para debochar dele e que isso fazia bem para a sua saúde.
O único porém que podia manifestar era o fato de que ele não vinha sendo de serventia nenhuma naquela empreitada... Sendo assim, não fazia falta e não precisava ter sido incluído na tropa. Sentia-se “como ovo depois de dúzia”. Ele também se referiu  ao Sete-de-Ouros na sua argumentação e disse que se o pobre animal tivesse morrido alguns dias antes não estaria fazendo falta para ninguém.
(...)
Major Saulo ouvia João Manico.
Os dois seguiam pela estrada atrás dos demais vaqueiros e do gado...
Quem visse o Sete-de-Ouros diria que ele só podia mesmo estar resignado, pois suas passadas eram curtas e de “precisão milimétrica”.
Ele parecia não se incomodar com o pesado fardo e as dificuldades do caminho.
Seguia “mudo e mouco”.
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas