O major concordou com o capataz...
Mas recomendou paciência porque muitos já haviam morrido ali no córrego da Fome (como era chamado o curso d’água).
Os homens se mantiveram estacionados e a esperar que a boiada fosse tomada de coragem. A chuva caía bem fininha, mas, além do leito transbordado, o temporal provocara outras enxurradas violentas. A enchente estava aumentando. Todos podiam ver.
O aguaceiro trazia muito barro, troncos e raízes de toda espécie. Um tronco dos grandes foi parar na copa de um de tingui que estava submerso. Depois as violentas águas cuidaram de fazê-lo voltar à correnteza tal como canoa desgovernada.
(...)
Os
vaqueiros sabiam bem que o córrego da Fome era um fio d’água inofensivo... Mas
o mês de dezembro trazia as chuvas mais fortes e ele se tornava tão perigoso
quanto os rios mais violentos.
Alguns
se aproximaram da margem... Zé Grande conduziu sua montaria, o Cata-Brasa, para
a água e o bicho começou a nadar até que alcançou a metade da travessia. Neste
ponto o guieiro voltou-se e tocou o berrante.
O primeiro a se
lançar às águas foi um “junqueira longicórnio”. Os demais seguiram atrás dele.
O que se viu a partir daí foram os grandes corpos afundando...
Obviamente os bois
não conseguiam colocar os cascos no fundo, então, acima das águas viam-se
apenas os chifres, beiços e narinas. O instinto de sobrevivência levava-os a se
tornarem “espécies aquáticas”.
Toda a manada se
lançou para as águas do riacho da Fome... Os últimos a entrarem foram João
Manico (que montava o Sete-de-Ouros), Francolim e, por fim, o Major Saulo.
O patrão logo os
alcançou. Disse ao Francolim que nenhum animal se perdera na travessia. Depois
ordenou que o “imediato” fosse ter mais adiante com Sebastião para orientá-lo a
prosseguir “pelo caminho de baixo, no fim da vargem”.
(...)
Francolim seguiu para a dianteira...
O major colocou-se ao lado do compadre Manico para trocar umas ideias...
Perguntou-lhe o que estava achando da viagem no “burrinho sem velhice”, pois
achava mesmo que naquele ritmo o Sete-de-Ouros aguentaria mais de um dia.
João Manico concordou que o burrico era mesmo
esperto... Depois acrescentou que o animal “fazia que aguentava” só para
contrariar os que o desprezavam... Além disso não reagia às palavras de
incentivo ou às lambadas de cipó.
O compadre tinha
mesmo que concordar que burro dos bons são aqueles que não se põem a correr
desembestados... Eles bem sabiam que não eram cavalos, mas quando se viam “a
serviço do rei” se punham na “justa pressa”. O homem reconhecia a firmeza do
Sete-de-Ouros que, além de seguir pelo melhor das trilhas, não era de bambear
ou falsear nas passadas.
O major parecia se divertir com a situação... Disse que o compadre e o
burrinho estavam indo muito bem... E sem confusões...
João
Manico não discordou... Mas deixou claro que entendia que o compadre estava se
rindo por dentro. Que entendia que não era para debochar dele e que isso fazia
bem para a sua saúde.
O único porém que
podia manifestar era o fato de que ele não vinha sendo de serventia nenhuma
naquela empreitada... Sendo assim, não fazia falta e não precisava ter sido
incluído na tropa. Sentia-se “como ovo depois de dúzia”. Ele também se referiu ao Sete-de-Ouros na sua argumentação e disse
que se o pobre animal tivesse morrido alguns dias antes não estaria fazendo
falta para ninguém.
(...)
Major
Saulo ouvia João Manico.
Os dois seguiam pela
estrada atrás dos demais vaqueiros e do gado...
Quem visse o Sete-de-Ouros
diria que ele só podia mesmo estar resignado, pois suas passadas eram curtas e de
“precisão milimétrica”.
Ele parecia não se
incomodar com o pesado fardo e as dificuldades do caminho.
Seguia
“mudo e mouco”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_17.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto