sexta-feira, 27 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – dois causos assustadores; gemidos e morte do Calundú; o fazendeiro “Madurêra”, de mau gênio; um apavorante velório

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_24.html antes de ler esta postagem:

Raimundo prosseguiu falando a respeito da tragédia que vitimou o jovem Vadico, filho do Seu Neco Borges.
Ficou para ele a tarefa de conduzir o zebu assassino para a fazenda Vista Alegre, do Seu Lourenço.
(...)
Na estrada, o Calundú não deu o menor trabalho ao vaqueiro que conhecia bem de simpatias. Mas isso só foi até chegar ao Saco-do-Sôbre (como a grafia da edição de 1972). É que a “simpatia do cambará” só funcionava enquanto o cavaleiro estivesse na estrada.
Raimundo contou que nem se aproximou da porteira e já foi gritando a plenos pulmões a quem pudesse ouvir que deviam abrir o mais rápido possível. Por sorte o atenderam sem que ele precisasse parar... Graças a isso, ele atravessou o curral e saiu do outro lado do cercado. Os peões fecharam tudo assim que animais que ele trazia entraram.
O trabalho havia sido bem executado. Como a hora já era adiantada, Raimundo decidiu pernoitar na fazenda...
(...)
Aquela noite foi das mais terríveis... Ninguém conseguiu dormir!
O Calundú berrou o tempo inteiro e seu gemido rouco assustou a todos... Os mugidos eram tristes e havia momentos que em que pareciam uivos.
O zebu gemeu tanto que não se podia ter certeza se não eram os cachorros das imediações que o respondiam uivando. Mas ninguém duvidava de que ele era a causa de todo aquele terror.
O vaqueiro Leofredo que trabalhava nas terras de Seu Lourenço disse que o Calundú estava se comportando daquele modo porque “estava arrependido de ter matado o menino”.
O Valô Venâncio, velho vaqueiro cego que já não pegava no pesado trabalho há algum tempo, sugeriu que um espírito mau havia tomado o corpo do zebu... No alto de sua experiência, disse que o animal chamava alguém.
Os três peões resolveram verificar mais de perto o que estava acontecendo com o “boi assassino”. Chegaram à beira da cerca e quando o Calundú os viu parou com os gemidos e se aproximou mansamente. Raimundo lembrou que a cena foi assustadora, pois teve a impressão de que o zebu ia começar a falar... Ele até rezou para que isso não acontecesse!
(...)
No dia seguinte não ouviram nenhum gemido desde o curral onde estava o Calundú...
Bem cedo se dirigiram até lá e para a surpresa de todos o enorme zebu estava morto bem no centro da vasta área.
O Major Saulo ouviu a história com atenção e disse ao Raimundo algo como “às vezes coisas desse tipo acontecem e ninguém consegue explicar”...
O vaqueiro concordou e foi logo emendando um outro causo.
(...)
Ele começou a falar que o ocorrido se passara há muitos anos, quando seu pai era ainda um moço e trabalhava para certo Leôncio “Madurêra” (como a grafia da edição de 1972).
As terras do Madurêra ficavam no meio do sertão... Nos dizeres de Raimundo, o tipo era “um Herodes” dos mais cruéis. Para se ter uma ideia, ele vendia o gado e quando os boiadeiros seguiam pela estrada com a boiada eram surpreendidos por capangas do homem.
Os bandidos matavam os boiadeiros e recuperavam os bois para o “patrão Herodes”.
(...)
De fato, Leôncio Madurêra era abominável.
O pai de Raimundo contava que depois de sua morte, quando os parentes velavam seu corpo, “as vacas de leite começaram a berrar feio no curral”.
Em meio ao barulho inusitado, um garrote urrava “Madurêra! Madurêra!”... As vacas respondiam “Foi p'r'os infernos!... Foi p'r'os infernos!”
A família e os mais chegados que participavam do velório decidiram que era melhor enxotar o gado para o pasto, já que não saíam de perto da casa. Mas isso não foi solução para a aberração! Conforme subiram o morro, os animais continuaram a berrar: “Madurêra! Madurêra!”; “Foi p'r'os infernos!... Foi p'r'os infernos!”
(...)
Raimundo comentou que sentia arrepios só de contar...
O Major Saulo concordou que o causo era mesmo medonho.
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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