Raimundo prosseguiu falando a respeito da tragédia que vitimou o jovem Vadico, filho do Seu Neco Borges.
Ficou para ele a tarefa de conduzir o zebu assassino para a fazenda Vista Alegre, do Seu Lourenço.
(...)
Na estrada, o Calundú não deu o menor trabalho ao vaqueiro que conhecia
bem de simpatias. Mas isso só foi até chegar ao Saco-do-Sôbre (como a grafia da
edição de 1972). É que a “simpatia do cambará” só funcionava enquanto o
cavaleiro estivesse na estrada.
Raimundo
contou que nem se aproximou da porteira e já foi gritando a plenos pulmões a
quem pudesse ouvir que deviam abrir o mais rápido possível. Por sorte o
atenderam sem que ele precisasse parar... Graças a isso, ele atravessou o
curral e saiu do outro lado do cercado. Os peões fecharam tudo assim que
animais que ele trazia entraram.
O trabalho havia sido
bem executado. Como a hora já era adiantada, Raimundo decidiu pernoitar na
fazenda...
(...)
O Calundú berrou o
tempo inteiro e seu gemido rouco assustou a todos... Os mugidos eram tristes e
havia momentos que em que pareciam uivos.
O zebu gemeu tanto
que não se podia ter certeza se não eram os cachorros das imediações que o
respondiam uivando. Mas ninguém duvidava de que ele era a causa de todo aquele
terror.
O vaqueiro Leofredo
que trabalhava nas terras de Seu Lourenço disse que o Calundú estava se
comportando daquele modo porque “estava arrependido de ter matado o menino”.
O Valô Venâncio,
velho vaqueiro cego que já não pegava no pesado trabalho há algum tempo,
sugeriu que um espírito mau havia tomado o corpo do zebu... No alto de sua
experiência, disse que o animal chamava alguém.
Os três peões resolveram verificar mais de perto o que estava
acontecendo com o “boi assassino”. Chegaram à beira da cerca e quando o Calundú
os viu parou com os gemidos e se aproximou mansamente. Raimundo lembrou que a
cena foi assustadora, pois teve a impressão de que o zebu ia começar a falar...
Ele até rezou para que isso não acontecesse!
(...)
No dia seguinte não ouviram nenhum gemido desde o curral onde estava o
Calundú...
Bem cedo se dirigiram até lá e para a surpresa
de todos o enorme zebu estava morto bem no centro da vasta área.
O Major Saulo ouviu a
história com atenção e disse ao Raimundo algo como “às vezes coisas desse tipo
acontecem e ninguém consegue explicar”...
O vaqueiro concordou e foi logo emendando um outro causo.
(...)
Ele
começou a falar que o ocorrido se passara há muitos anos, quando seu pai era
ainda um moço e trabalhava para certo Leôncio “Madurêra” (como a grafia da
edição de 1972).
As terras do Madurêra
ficavam no meio do sertão... Nos dizeres de Raimundo, o tipo era “um Herodes”
dos mais cruéis. Para se ter uma ideia, ele vendia o gado e quando os
boiadeiros seguiam pela estrada com a boiada eram surpreendidos por capangas do
homem.
Os
bandidos matavam os boiadeiros e recuperavam os bois para o “patrão Herodes”.
(...)
De fato, Leôncio Madurêra
era abominável.
O pai de Raimundo contava
que depois de sua morte, quando os parentes velavam seu corpo, “as vacas de
leite começaram a berrar feio no curral”.
Em meio ao barulho
inusitado, um garrote urrava “Madurêra! Madurêra!”... As vacas respondiam “Foi p'r'os
infernos!... Foi p'r'os infernos!”
A família e os mais
chegados que participavam do velório decidiram que era melhor enxotar o gado
para o pasto, já que não saíam de perto da casa. Mas isso não foi solução para a
aberração! Conforme subiram o morro, os animais continuaram a berrar: “Madurêra!
Madurêra!”; “Foi p'r'os infernos!... Foi p'r'os infernos!”
(...)
Raimundo comentou que sentia arrepios só de contar...
O
Major Saulo concordou que o causo era mesmo medonho.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_28.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto