Os vaqueiros puseram a boiada na estrada...
O começo da expedição foi tranquilo. Os animais seguiram orientados pelos cavaleiros que ladeavam a massa disforme.
As cercas das demais fazendas favoreciam o trabalho... Olhos bem abertos e cabeças erguidas, um ou outro boi errava o trote e pequenas desordens se iniciavam. Mas os vaqueiros intervinham com seus gritos e lanças.
O orgulhoso major provocava com os gritos de “mais depressa!”... Depois voltava a elogiar a boiada gorda. O texto destaca adjetivos que dão ideia da grande variedade de chifres e couros:
“Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cometos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros., .. E os tocos da testa do mocho macheado, e as armas antigas do boi comalão”.
(...)
Os
vaqueiros eram experientes... Sabiam o momento de chamar a atenção dos animais
que perdiam o caminho.
Juca Bananeira
parecia reconhecer as intenções do gado só de observar o cangote. Com firmeza
dizia “P'ra trás, boi-vaca!” e o animal obedecia... Sabia que não podia perder
de vista alguns bois que traziam a “brabeza” nos olhos e na pelagem. Como ele
mesmo dizia, esses eram do tipo “boi espirrador”.
(...)
Mais à frente
passaram por campinas repletas de outros milhares de bois pastando. Porém o
caminho era de outras paragens complexas e também muito perigosas... Os
vaqueiros sabiam que não tinham motivos para esmorecimentos... Prosseguiam
cantando sem esquecer que mais adiante havia “passagens inquietantes”.
A boiada se deslocava
ocupando todos os espaços... Algumas vezes alargavam-se na estrada... Em outros
momentos ela os obrigava a se comprimirem. Sempre havia os que tentavam se
posicionar na dianteira. A maioria seguia impelida pelo deslocamento da
massa... Os de físico menos avantajado eram empurrados para as laterais. Os
mais pesados davam passadas lentas e acabavam ficando para trás.
Os homens prosseguiam
com os aboios... “Eh, boi lá!... Eh-ê-ê-eh, boi!... Tou! Tou! Tou” e o gado
seguia embalado, balançando as ancas e tocando os dorsos uns nos outros... Os
chifres se tocavam e isso levava bois e vacas aos mugidos de queixa. O que mais
sentia o pesado desafio do trajeto em meio a tanto desconforto era o “gado Junqueira”,
dotado de grandes chifres e acostumado aos vastos campos de pasto do sertão.
(...)
Neste ponto vale destacar a segunda das estrofes selecionada por
Guimarães Rosa. Podemos imaginar os vaqueiros tocando a boiada e cantando seus
lamentos.
“Um boi preto, um boi pintado,
cada um tem sua cor.
Cada coração um jeito
de mostrar o seu amor.”
Cantoria e trabalho...
Muito trabalho!
É que a todo instante
algum dos animais se alterava no comportamento e passava a representar ameaça
aos homens e à manada... De repente se tornava “bem bravo”, babava mais do que
o normal, batia baixo e berrava. Tornava-se doido e então as varas entravam em
ação.
Mesmo nessas ocasiões a cantoria não cessava.
(...)
Segue mais essa:
“Todo
passarinh' do mato
tem
seu pio diferente.
Cantiga
de amor doído
não
carece ter rompante... “
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_14.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto