sexta-feira, 13 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – conduzindo o gado pela estrada; experiência dos vaqueiros em ação; aboios, cantoria e mais estrofes

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_11.html antes de ler esta postagem:

Os vaqueiros puseram a boiada na estrada...
O começo da expedição foi tranquilo. Os animais seguiram orientados pelos cavaleiros que ladeavam a massa disforme.
As cercas das demais fazendas favoreciam o trabalho... Olhos bem abertos e cabeças erguidas, um ou outro boi errava o trote e pequenas desordens se iniciavam. Mas os vaqueiros intervinham com seus gritos e lanças.
O orgulhoso major provocava com os gritos de “mais depressa!”... Depois voltava a elogiar a boiada gorda. O texto destaca adjetivos que dão ideia da grande variedade de chifres e couros:

         “Galhudos, gaiolos, estrelos, espácios, combucos, cubetos, lobunos, lompardos, caldeiros, cambraias, chamurros, churriados, corombos, cometos, bocalvos, borralhos, chumbados, chitados, vareiros, silveiros., .. E os tocos da testa do mocho macheado, e as armas antigas do boi comalão”.


(...)
Os vaqueiros eram experientes... Sabiam o momento de chamar a atenção dos animais que perdiam o caminho.
Juca Bananeira parecia reconhecer as intenções do gado só de observar o cangote. Com firmeza dizia “P'ra trás, boi-vaca!” e o animal obedecia... Sabia que não podia perder de vista alguns bois que traziam a “brabeza” nos olhos e na pelagem. Como ele mesmo dizia, esses eram do tipo “boi espirrador”.

(...)

Mais à frente passaram por campinas repletas de outros milhares de bois pastando. Porém o caminho era de outras paragens complexas e também muito perigosas... Os vaqueiros sabiam que não tinham motivos para esmorecimentos... Prosseguiam cantando sem esquecer que mais adiante havia “passagens inquietantes”.
A boiada se deslocava ocupando todos os espaços... Algumas vezes alargavam-se na estrada... Em outros momentos ela os obrigava a se comprimirem. Sempre havia os que tentavam se posicionar na dianteira. A maioria seguia impelida pelo deslocamento da massa... Os de físico menos avantajado eram empurrados para as laterais. Os mais pesados davam passadas lentas e acabavam ficando para trás.
Os homens prosseguiam com os aboios... “Eh, boi lá!... Eh-ê-ê-eh, boi!... Tou! Tou! Tou” e o gado seguia embalado, balançando as ancas e tocando os dorsos uns nos outros... Os chifres se tocavam e isso levava bois e vacas aos mugidos de queixa. O que mais sentia o pesado desafio do trajeto em meio a tanto desconforto era o “gado Junqueira”, dotado de grandes chifres e acostumado aos vastos campos de pasto do sertão.
(...)
Neste ponto vale destacar a segunda das estrofes selecionada por Guimarães Rosa. Podemos imaginar os vaqueiros tocando a boiada e cantando seus lamentos.

“Um boi preto, um boi pintado,
cada um tem sua cor.
Cada coração um jeito
de mostrar o seu amor.”

Cantoria e trabalho...
Muito trabalho!
É que a todo instante algum dos animais se alterava no comportamento e passava a representar ameaça aos homens e à manada... De repente se tornava “bem bravo”, babava mais do que o normal, batia baixo e berrava. Tornava-se doido e então as varas entravam em ação.
Mesmo nessas ocasiões a cantoria não cessava.
(...)
Segue mais essa:

“Todo passarinh' do mato
tem seu pio diferente.
Cantiga de amor doído
não carece ter rompante... “

Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas