sábado, 21 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – o major convidou Raimundo para seguir ao seu lado por um trecho; uma prosa sobre o começo da vida de vaqueiro e a primeira topada; considerações do patrão sobre os peões que lidavam na Tampa; é preciso saber se o desentendimento entre Silvino e Badú poderia “arruinar”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_21.html antes de ler esta postagem:

Raimundo estava chegando...
Francolim pediu para o major confirmar com ele a história que havia lhe contado.
(...)
O Major Saulo pediu ao Raimundo que emparelhasse o cavalo ao seu... Na sequência perguntou o que ele tinha achado das “topadas do Badú”.
Raimundo elogiou a firmeza do outro. O major emendou que o marruaz era mau mesmo e cogitou que talvez ele fosse um dos últimos de uma leva que tinha vindo do Pompéu (localidade ao sul das nascentes do São Francisco).
O patrão começou a sondar a opinião do vaqueiro... Disse que o boi era bruto e perguntou se ele não vira o Silvino assoar o nariz com um lenço vermelho. Raimundo respondeu que isso simplesmente não era possível... “Não é capaz, seô Major”... E justificou garantindo que nenhum dos vaqueiros andava com lenço daquela cor.
Major Saulo concordou que aquela era uma “regra boa”... Sentenciou que “vermelho é cor de dor de cabeça” e que pretendia cavalgar mais ligeiro para assistir melhor a tocada do gado. Ele ainda quis saber se Silvino havia sido enfrentado pelo boi bravo mesmo estando a cavalo.
Raimundo respondeu que não tinha visto... Não sabia se algo havia ocorrido antes da topada de Badú com o boi fera. Sustentou que Marruaz como aquele podia aprontar a qualquer momento, à traição. De sua parte, o teria topado no pescoço... Mas Badú se saiu bem e era verdade que “cada um tem uma maneira”...
(...)
O patrão quis saber se o Raimundão (ele era assim chamado pelos companheiros) se lembrava da primeira topada de sua vida... O rapaz respondeu que se lembrava de que havia sido com um boi atarracado e que atacava de olho aberto como as vacas. Disse que o patrão sabia bem que aquele tipo de animal era dos piores para escorar.
A respeito dessa primeira experiência, Raimundo explicou que seu pai era vaqueiro dos antigos e achou que aquele era um bom dia para experimentá-lo. No final deu tudo certo e ele só tinha a agradecer a Deus.
O patrão quis saber mais e perguntou ao Raimundo se ele se lembrava de ter pensado algo, se sentiu algo, no momento em que topou um boi bravo pela primeira vez... O rapaz disse que no primeiro momento pensou que jamais tinha visto animal maior, mas depois seu corpo passou a agir por si... E arriscou a dizer que até a vara com o ferrão parecia se governar em momentos como aquele.
Para ele, havia sido algo natural... O enfrentamento durou pouco e logo o pai chegou junto dele para lhe oferecer um cigarro que ele mesmo havia enrolado para o filho. Foi a primeira vez que pitou na frente do pai.
Raimundo jamais esquecera as palavras do velho: “Meu filho, tu nasceu para vaqueiro, agora eu sei”...
(...)
O Major Saulo aprovou a história contada pelo vaqueiro... Elogiou os gestos e palavras do pai do rapaz e perguntou se, depois da primeira topada e boa acolhida do velho, ele não sentira as pernas tremer.
Raimundo respondeu que não e que, em vez disso, sentiu muita fome. Lembrou que o olho passou a piscar mais do que o normal e de ter afundado a cabeça na água fria... Durante o resto do dia  a imagem do boi não saiu de sua consciência... Parecia um retrato permanente! A cara larga, bicho de sete anos, graúdo e “com os cinco anéis no pé do chifre”...
(...)
A conversa também estava servindo para o Major Saulo descobrir se de fato havia desavenças entre Silvino e Badú... E se era caso de tomar providências mais drásticas, como Francolim vinha sugerindo.
Mas, como podemos notar, ele não foi direto ao assunto... Sentenciou que o início da profissão de vaqueiro do Raimundo tinha sido muito bom e que ele dava muito valor aos vaqueiros. Apreciava as histórias de suas vidas, gostava de ouvi-las...
O major gabou-se ao dizer que o seu pessoal era “gente escolhida”. Raimundo respondeu que aquilo era bondade do patrão...
O homem fez questão de garantir que sua conversa era na lei... Com isso quis dizer que não tinha motivos para não dizer a verdade... Emendou que seus peões nunca lhe davam trabalho e que em raríssimas ocasiões um ou outro queria lhe “saudar com a mão canhota”.
Por fim referiu-se à “história de Silvino com Badú” e perguntou se Raimundo achava que a briga dos dois poderia “arruinar”.
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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