terça-feira, 24 de abril de 2018

“O Burrinho Pedrês” – conto de “Sagarana” – de João Guimarães Rosa – Raimundo conta a triste história da morte do menino Vadico; simpatia do Cambará para levar o Calundú à fazenda da Vista Alegre

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_22.html antes de ler esta postagem:

O Major Saulo perguntou se a morte do jovem Vadico tinha ocorrido em campo aberto... Raimundo respondeu que o incidente que vitimou o rapaz aconteceu na Laje do tabuleiro, local onde estavam instalados os cochos.
(...)
O vaqueiro explicou que por aqueles dias estavam dando sal com quina ao gado porque nas imediações tinha-se notícia de que vários animais estavam sendo infectados pela peste.
Num primeiro momento tratavam das vacas: as novilhas, as que estavam em tempo de acasalamento e também as que já tinham seus bezerros... Havia muitos bezerros jovens e outros “taludos”. Seu Neco Borges tinha trazido toda família para observar os animais.
O moço Vadico era muito chegado ao Calundú... Todos viam que o zebu também  gostava dele. Tanto é que ele deixava o menino coçar o seu pelo e até dar palmadas em seu focinho. Raimundo deixou claro que nunca aprovou aquelas ousadias. Uma doideira! Os mais experientes sabem que “zebu é bicho mau”... Quem sabe o momento de eles cismarem? Ninguém!
O patrão destacou que os zebus são maus porque carregam muita tristeza. Isso até pode ser notado no berro deles! Raimundo respondeu que talvez fosse isso mesmo. Depois acrescentou que o Calundú não partia para cima de pessoas que estivessem a pé. Quem podia esperar que algo pudesse acontecer naquela calmaria toda?
O caso é que Vadico se sentiu à vontade para oferecer sal ao Calundú. Ele esticou a mão cheia de sal e o animal aceitou... O bicho lambeu e o alisou com o próprio focinho.
(...)
Raimundo contou que ele e outros peões estavam no local com as suas varas de tocar boiada.
Mas destacou que não tiveram tempo de agir... Ele lembrou, e destacou que o patrão também sabia disso, que o boi malvado não “entra” em suas vítimas sem “avisar”. Todo vaqueiro experiente sabe que tem de fitar nos olhos do animal, e não pode nem pensar em desviar o olhar!
Major Saulo concordou... Disse que no momento mesmo em que os bois partem para cima de alguém, seus olhos mudam completamente, ficam muito maiores e quase não cabem “nos buracos das vistas”.
Raimundo contou que o Calundú baixou a cabeça e parecia que procurava mais sal... Mas seus movimentos seguintes foram “de testada e de queixo” no menino... Vadico caiu assim como as latas que são reviradas por cachorro.
E aconteceu que o pobrezinho caiu debruço e com a cabeça entre as patas da fera. O Calundú não pisoteou, mas afastou-se e deu uma chifrada assassina. Quando ergueu a cabeça todos puderam ver o sangue esguichando. 
(...)
A história era muito triste... Foi esse o comentário que o major fez.
Mas Raimundo contou ainda mais... Disse que todos os homens correram para cima do zebu... Todavia não foi necessária nenhuma ação porque ele se virou e saiu vagarosamente para longe da cena... Era como se não quisesse olhar o crime que havia feito.
O sangue se espalhou por toda a laje... Desesperados, os homens corriam e gritavam. Seu Borges virou uma fera e puxou o revólver. Mais triste ainda foi ouvir o menino Vadico dizer que não queria que ninguém judiasse o Calundú e que não era para o pai matá-lo.
O homem cumpriu o desejo do filho e mandou levarem o touro para o Seu Lourenço, que tinha a fazenda da Vista Alegre... Ele não se importava... Podiam vender ou mesmo ceder de graça ao outro. Raimundo se ofereceu para levar o Calundú porque só ele “sabia fazer a simpatia do cambará”.
(...)
Raimundo explicou a tal simpatia...
Primeiro ele juntou várias vacas mansas ao redor do Calundú... Depois montou o seu castanhão e atirou um raminho de cambará para trás... Pronto! O zebu o acompanhou pela estrada como se fosse bezerrinho caminhando na direção do “úbere da mãe”.
Raimundo dizia bem baixinho: “Vamos para adiante, assassino!”
Leia: O Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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