O Major Saulo perguntou se a morte do jovem Vadico tinha ocorrido em campo aberto... Raimundo respondeu que o incidente que vitimou o rapaz aconteceu na Laje do tabuleiro, local onde estavam instalados os cochos.
(...)
O vaqueiro explicou
que por aqueles dias estavam dando sal com quina ao gado porque nas imediações
tinha-se notícia de que vários animais estavam sendo infectados pela peste.
Num primeiro momento tratavam das vacas: as novilhas, as que estavam em
tempo de acasalamento e também as que já tinham seus bezerros... Havia muitos
bezerros jovens e outros “taludos”. Seu Neco Borges tinha trazido toda família
para observar os animais.
O
moço Vadico era muito chegado ao Calundú... Todos viam que o zebu também gostava dele. Tanto é que ele deixava o menino
coçar o seu pelo e até dar palmadas em seu focinho. Raimundo deixou claro que
nunca aprovou aquelas ousadias. Uma doideira! Os mais experientes sabem que
“zebu é bicho mau”... Quem sabe o momento de eles cismarem? Ninguém!
O patrão destacou que
os zebus são maus porque carregam muita tristeza. Isso até pode ser notado no
berro deles! Raimundo respondeu que talvez fosse isso mesmo. Depois acrescentou
que o Calundú não partia para cima de pessoas que estivessem a pé. Quem podia
esperar que algo pudesse acontecer naquela calmaria toda?
O
caso é que Vadico se sentiu à vontade para oferecer sal ao Calundú. Ele esticou
a mão cheia de sal e o animal aceitou... O bicho lambeu e o alisou com o
próprio focinho.
(...)
Raimundo contou que
ele e outros peões estavam no local com as suas varas de tocar boiada.
Mas destacou que não
tiveram tempo de agir... Ele lembrou, e destacou que o patrão também sabia
disso, que o boi malvado não “entra” em suas vítimas sem “avisar”. Todo
vaqueiro experiente sabe que tem de fitar nos olhos do animal, e não pode nem
pensar em desviar o olhar!
Major Saulo
concordou... Disse que no momento mesmo em que os bois partem para cima de
alguém, seus olhos mudam completamente, ficam muito maiores e quase não cabem
“nos buracos das vistas”.
Raimundo contou que o
Calundú baixou a cabeça e parecia que procurava mais sal... Mas seus movimentos
seguintes foram “de testada e de queixo” no menino... Vadico caiu assim como as
latas que são reviradas por cachorro.
E aconteceu que o pobrezinho caiu debruço e com a cabeça entre as patas
da fera. O Calundú não pisoteou, mas afastou-se e deu uma chifrada assassina.
Quando ergueu a cabeça todos puderam ver o sangue esguichando.
(...)
A história era muito triste... Foi esse o comentário que o major fez.
Mas Raimundo contou ainda mais... Disse que
todos os homens correram para cima do zebu... Todavia não foi necessária
nenhuma ação porque ele se virou e saiu vagarosamente para longe da cena... Era
como se não quisesse olhar o crime que havia feito.
O sangue se espalhou
por toda a laje... Desesperados, os homens corriam e gritavam. Seu Borges virou
uma fera e puxou o revólver. Mais triste ainda foi ouvir o menino Vadico dizer
que não queria que ninguém judiasse o Calundú e que não era para o pai matá-lo.
O homem cumpriu o desejo do filho e mandou levarem o touro para o Seu Lourenço,
que tinha a fazenda da Vista Alegre... Ele não se importava... Podiam vender ou
mesmo ceder de graça ao outro. Raimundo se ofereceu para levar o Calundú porque
só ele “sabia fazer a simpatia do cambará”.
(...)
Raimundo
explicou a tal simpatia...
Primeiro ele juntou várias
vacas mansas ao redor do Calundú... Depois montou o seu castanhão e atirou um
raminho de cambará para trás... Pronto! O zebu o acompanhou pela estrada como
se fosse bezerrinho caminhando na direção do “úbere da mãe”.
Raimundo
dizia bem baixinho: “Vamos para adiante, assassino!”
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_27.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto