Henri retornou ao jornal.
Aguardavam-no Scriassine e Samazelle, que demonstraram satisfação ao saberem do rompimento com Dubreuilh e o SRL. É claro que preferiam que ele não insistisse em produzir os artigos sem a colaboração de ninguém, e apenas de acordo com os seus pontos de vista... Mas, enfim, entenderam que seria dessa forma ou de nenhuma outra... Samazelle acabou convencendo Scriassine de que o melhor que tinham a fazer era aceitar as imposições de Perron.
(...)
E foi isso o que ocorreu...
Com base nos documentos e em outros textos, Henri
descreveu o sistema penitenciário soviético... Esclareceu os escandalosos erros
do regime tomando o cuidado de salientar que aquilo não justificava as
atrocidades geradas pelo capitalismo... Os campos eram o produto de uma
política específica que devia ser condenada. Deixou claro que esse não era o
caso do regime em si... Esperava-se que os campos desaparecessem... Esperava-se,
e aí ele incluía os comunistas, que os campos fossem abolidos de uma vez por
todas... O texto foi finalizado com a advertência de que calar-se a respeito da
tragédia seria “derrotismo e covardia”.
(...)
Na manhã seguinte o primeiro artigo bombástico de Henri já podia ser
lido.
A repercussão foi imediata.
Lambert reagiu com descontentamento... Durante todo o dia, em toda
redação, o assunto foi Henri e o seu texto...
À noite chegou carta de Dubreuilh comunicando a decisão do comitê do SRL a respeito da exclusão de Henri e de
Samazelle... L’Espoir também não tinha mais nenhum vínculo com o movimento... O
documento ainda deplorava a “propaganda anticomunista” que explorava “fatos que
não podiam ser julgados senão no âmbito de uma apreciação global do regime
stalinista”, e defendia o PC como “única esperança do proletariado francês”...
Quem desacreditava o partido era porque preferia servir à reação.
(...)
Conforme havia garantido, Henri redigiu a sua resposta imediatamente...
Nela acusou o SRL de “ceder ao terror
do comunismo e de trair o seu programa inicial”.
(...)
No dia seguinte, L’Espoir estampava as duas colunas (a de Henri e, ao
lado, a de Dubreuilh)... Opiniões diferentes e carregadas de insultos. No
escritório, a secretária anunciou que o telefone não parava de tocar e que por
volta das seis Lenoir apareceria... A funcionária não tinha conseguido concluir
a classificação de toda a correspondência... O caso provocara manifestações
apaixonadas e alguns leitores o felicitavam, outros o insultavam, havia também os
que se diziam espantados com a atitude de Henri... Julien era um dos que o
congratulavam... Volange era outro... Para Henri, essas reações já eram
esperadas, mas desagradava-lhe notar que todos acreditavam que L’Espoir se
tornara “mais um Figaro”.
(...)
Pensava sobre essas coisas
todas... O encontro com Lenoir se aproximava... Mas quando a porta do
escritório se abriu foi Paule quem apareceu. Ela usava um antigo casaco de pele
e não aparentava a animação dos últimos dias.
Ela quis saber o que
tinha ocorrido a Henri para que produzisse o artigo... Com naturalidade ele
disse que havia explicado tudo no jornal... Havia os documentos, Dubreuilh era
contra a publicação e, como ele não era da mesma opinião, romperam. Disse isso
e emendou que falaria mais detalhadamente com ela no dia seguinte... Então
perguntou por que ela tinha se antecipado indo até o escritório... Esclareceu
que não havia nenhum problema e que o caso não era urgente, sendo assim, no dia
seguinte poderiam conversar melhor.
Veremos que Henri passou a enfrentar muito mais do que o
patrulhamento que esperava. Mas isso fica para as próximas postagens.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_10.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto