Henri retornou para casa e o seu pensamento voltou-se completamente para as palavras que Nadine havia lhe dito...
(...)
Era
melhor que procedessem como Lachaume, cujo texto o “arrastava para a lama”...
Pelo menos o rapaz tinha sido mais sincero... Henri pensou em Dubreuilh, Anne e
Nadine no seu cotidiano a falarem a seu respeito... Como se defender de tipos
que desconfiam de você? Henri sentia-se um tipo a quem censuravam por “ter uma
vida particular”...
Que situação! Até um
criminoso podia tentar se defender, apresentar desculpas... Mas ele...
Ele
não podia esconder que gostava da vida, “de sua vida particular”. Ao mesmo
tempo percebia-se “farto de política”... Estava farto de, “a cada sacrifício”
que fazia, exigirem-lhe novos deveres...
Exigiram-lhe
L’Espoir, e agora implicavam com os “seus prazeres e desejos”.
(...)
“Em
nome de quê”? Já que tinha de tomar uma decisão, achou por bem “deixar de
inibições” para agir como lhe aprouvesse... Bateram-lhe tanto que não ligava
mais nenhuma importância.
(...)
À
noite, ele reuniu-se a Lucie Belhomme, Claudie de Belzunce e os tipos que
faziam parte daquela roda social tão criticada pela esquerda... Ele mesmo se
perguntou sobre o que fazia ali a bebericar daquela “bebida muito doce”... Não
havia nada ali que ele pudesse dizer que gostava (champanha, lustres, espelhos,
veludos das banquetas, mulheres com suas “peles gastas”...). E aqueles tipos?
Lucie e seu “amante oficial” Dudule, Claudie, Vernon... Nenhum vínculo! E o
atorzinho, Ruéri, identificado como amante de Vernon... Definitivamente nenhuma
conexão!
A
conversa girava em torno das aventuras sexuais das amigas de Claudie, que não
se importava de falar dos detalhes de situações que faziam rir homens e
mulheres... Claudie sabia ser grosseira... Até Lulu se sentia constrangida com
a sua ousadia ao querer mostrar-se depravada.
(...)
Lulu
Belhomme perguntou a Henri sobre o que ele pensava a respeito da participação
de Ruéri em sua peça... Segundo ela, o mocinho ficaria muito bem no “papel de
marido”... Henri ficou sem entender a sugestão... Lulu insistiu que ele faria o
papel de “marido de Josette”...
Henri
quis demonstrar que aquilo era ridículo, já que o “marido de Josette” morria
logo no começo da peça... Surpreendentemente, a mulher ousou disparar que a
história narrada por ele era muito triste... O enredo seria alterado para o
cinema, e Brieux (o diretor) daria um jeito de o personagem escapar, fugir para
o maqui e, no final, voltar aos braços de Josette, que seria perdoada por ele.
É claro que Henri protestou. Disse que Brieux filmaria
exatamente o seu texto, e não uma adaptação... Lulu demonstrou-se indignada com
a sua teimosia... Quis saber se ele teria coragem de desprezar os dois milhões
que podiam ser faturados com a produção... Claudie se intrometeu dizendo que
Henri apenas fingia desprezo pelo dinheiro, já que todos conheciam as
dificuldades econômicas... O tipo ainda emendou que, “no tempo dos Fritz”, a
manteiga era mais barata.
Henri merecia ouvir aquilo!
Claudie fazendo apologia da ocupação alemã! Era o fim...
Lucie advertiu em tom
de divertimento que a outra não podia pronunciar aqueles juízos “diante de um
resistente”...
Todos
riram a valer...
Henri também sorriu...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-na.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto