Lambert também deixou o escritório de Henri... Levava consigo a certeza de que o outro vacilava... De fato, a imagem de milhões de pessoas sendo escravizadas pelos agentes do regime soviético pesava na consciência de Henri... Ao mesmo tempo ele não se sentia nada bem em “fazer o papel de inimigo dos comunistas”... Quanta covardia! Ele nem era comunista... Então por que não conseguia assumir a condição de independente? Não estava fácil admitir que na Rússia houvesse “algo de podre”...
Os pensamentos de Henri levavam em consideração a condição confortável de tipos como Lachaume, que desejavam a abolição dos campos, mas não tinham coragem de protestar contra eles abertamente... Bem poderia ocorrer de a própria URSS rever a atrocidade a partir das críticas dos partidos comunistas... A experiência soviética representava a esperança de um dia o socialismo se tornar uma realidade...
Haveria sentido em não revelar as atrocidades? Logo Henri saberia a posição de Dubreuilh.
(...)
Henri seguiu até a casa de Robert Dubreuilh...
Inicialmente trocaram breves palavras a respeito da peça... Depois seguiram
para o escritório, onde tratariam das denúncias de Peltov...
Henri disparou que, para ele, o dissidente havia dito a verdade.
Dubreuilh respondeu que os campos soviéticos eram uma
realidade, mas não eram “campos de morte” como os dos nazistas... Ele mesmo
sabia que os condenados eram enviados para lá sem julgamento e permaneciam por
até cinco anos... Mas quantos seriam os condenados à prisão perpétua? Para
Dubreuilh nada devia ser publicado... Henri perguntou se essa era a sua decisão
definitiva e ele argumentou que todos sabiam que o caso não seria abafado... Se
a equipe de L’Espoir fizesse as denúncias suscitaria o entendimento de que estaria
acusando o regime soviético... E o que Dubreuilh não queria de nenhum modo era
exatamente essa “autoacusação”. Então que deixassem a direita cuidar dos ataques à
URSS.
(...)
Estava claro que Dubreuilh havia tomado a sua decisão. E ela seria
imposta ao comitê... Henri considerou não mais discutir a esse respeito, então
perguntou sobre o que lhe disseram sobre sua inscrição no PC... Dubreuilh quis
saber se ele levava a sério aquilo que classificou como absurdo. Até porque,
garantiu, teria explicado suas razões publicamente... Henri cogitou que talvez
ele pretendesse retardar seus esclarecimentos...
Dubreuilh quis dar ao assunto um caráter de boataria... As pessoas dizem
qualquer coisa mesmo... Henri não acreditava que ele houvesse feito conforme
Scriassine queria fazer crer, todavia começou a imaginar que talvez fosse
interessante aceitar falar com o informante que ele sugerira.
(...)
Depois Henri falou sobre o jornal... Explicou que todos consideravam a
necessidade de publicar as denúncias... Citou Lambert, que estava decidido a abandonar
L’Espoir. Dubreuilh rebateu imediatamente, garantindo que tal perda não seria
sensível... Depois Henri falou sobre Samazelle e Trarieux, que estavam em vias
de romperem com o SRL.
Dubreuilh surpreendeu ao sustentar que, no caso da saída de Lambert, ele
mesmo compraria suas cotas... Apesar de não se interessar por jornalismo, arranjaria
dinheiro...
De repente, Henri começou a
construir um raciocínio que encaixava Robert no PC. Já que ele havia passado o
verão com Lambert, certamente sabia de sua intenção de retirar-se de L’Espoir...
Então, um acerto devidamente secreto entre os comunistas garantiria que Robert
selaria uma campanha pela não divulgação das denúncias... E ainda lhe
proporcionaria a direção do jornal.
Se era assim mesmo, talvez Scriassine estivesse
correto a respeito da filiação ao partido.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_7.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto