quinta-feira, 27 de março de 2014

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – Sueli Rezende, sua lucidez e rebeldia; seus dramas no Colônia; triste história de separação forçada em relação à filha Débora

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/03/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_24.html antes de ler esta postagem:

Outras tantas histórias registradas em Holocausto Brasileiro merecem nossa consideração. Mas nossas limitações impossibilitam referências a todas elas, então prosseguiremos nas postagens destacando algumas... Entendo que elas (as postagens) cumprem a intenção de divulgar a pesquisa, pois, inegavelmente, ela (a pesquisa) tem o mérito de selecioná-las (as histórias) para evidenciar como o Colônia aprofundou os dramas pessoais de seres humanos profundamente marcados pelo sofrimento.
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Sueli Rezende era de uma numerosa família da cidade de Passos de Minas. Por sofrer de epilepsia, seus pais decidiram separá-la dos outros seis filhos... Então passou a conviver em Belo Horizonte, na casa de um de seus tios. Sua iniciação escolar foi marcada pelo contato com crianças que vivenciavam condições melhores do que as suas. Podemos depreender isso a partir das informações sobre a necessidade que a menina tinha de pedir a merenda que os colegas levavam para a escola... Isso ela conseguia em troca de “favores sexuais”.
Quando completou oito anos, Sueli foi entregue ao juizado de menores, que a encaminhou a um internato na cidade de Oliveira. A instituição recebia crianças órfãs e outras socialmente indesejadas por representarem algum “inconveniente aos familiares”. Muitas das crianças de Oliveira tiveram o Colônia como destino.
Em 1971, Sueli também foi transferida para Barbacena... Ela passou o resto de sua existência no hospital psiquiátrico, onde faleceu em 2006, quando tinha 50 anos.
Sueli passou por momentos muito difíceis no Colônia. Desde o princípio sofreu agressões de funcionários e de internos... Para se defender, desenvolveu táticas de violência extremada... Assim, não foram poucas as vezes que arrancou orelhas de rivais a dentadas. Ela também ficou aprisionada (sem roupas) em total isolamento, sem ter como se proteger durante as noites mais frias.
Sofreu espancamentos de grupos numerosos... Em resposta, agredia quem quer que julgasse responsável pelo seu sofrimento. A fama de Sueli tornou-se conhecida por todos... As pessoas se assustavam com o seu comportamento extravagante ao causar ferimentos no próprio corpo (entre suas atitudes aterrorizantes, introduziu um cabo de vassoura na vagina, feriu os pulsos e chegou a arrancar um de seus dentes com um alicate).
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Há registros que datam de 1981 e dão conta de que Sueli agarrou uma pomba no pátio e a dilacerou com os dentes na presença de funcionários e pacientes... Justificou-se dizendo que estava com fome e que naquele momento era a única refeição que podia fazer.
Conta-se que certa vez, para escapar dos funcionários e seus castigos físicos, escondeu-se no porão por uma semana... Ali passou por muitas necessidades e alimentou-se de ratos. É bem verdade que José de Malaquias (um interno de Santos, com o qual teve uma filha, Débora) levava-lhe comida que roubava no refeitório, mas ele nunca conseguia quantidade suficiente para matar a fome da amiga.
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Uma das maiores alegrias de Sueli foi o fato de ter gerado a menina Débora na tarde de 23 de agosto de 1984, mas logo a criança lhe foi retirada e entregue a uma funcionária do hospital, Jurema Pires Soares... A interna passou a vida inteira recordando-se da filha, especialmente por ocasião de seu aniversário, e sempre alimentou a esperança de um dia encontrar-se com ela. Até às vésperas de sua morte, Sueli falou de sua “filha morena”.
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Em sua infância, devido ao trabalho da mãe adotiva, Débora esteve no Colônia por diversas ocasiões. Numa delas conversou com a própria Sueli, que lhe disse que havia tido duas filhas (a outra nasceu em julho de 1986, mas sobre ela não se tem notícia. Sabe-se que também foi doada, como cerca de trinta outras crianças nascidas no Colônia).
Anos mais tarde, Débora vivenciou dramas existenciais complexos e até tentou suicidar-se... Conheceu suas verdadeiras origens e relembrou da ocasião em que esteve junto da verdadeira mãe. Soube então os motivos de uma funcionária ter se retirado para chorar: “todos ali conheciam a história delas”, menos elas próprias.

P.S: Os que assistiram Em Nome da Razão devem saber que aquela paciente que aparece cantando uma música de protesto contra as péssimas condições do hospital é Sueli Rezende, compositora da letra e da música; na véspera do natal de 2005, Débora tentou se suicidar ingerindo uma superdose de comprimidos e sentando-se nos trilhos da estrada de ferro que chega ao Colônia; a jovem foi socorrida por uma amiga e levada para o “hospital regional da Fundação Hospitalar de Minas Gerais” (que foi construído em área onde existia o antigo Pavilhão Afonso Pena) para lavagem intestinal; por incrível que pareça, ela esteve bem próxima de sua verdadeira mãe, que ocupava um dos leitos; poucos dias depois, em janeiro de 2006, Sueli morreu após infarto. “Faleceu chamando por Débora”.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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