O professor Ivanzir Vieira, que desde o final da década de 1960 ministrava aulas na Faculdade de Farmácia e Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora, testemunhou o resultado de um acerto entre o Colônia de Barbacena e a instituição de ensino em relação ao fornecimento de cadáveres para dissecações.
Holocausto Brasileiro registra o episódio de um dia do mês de março de 1970, quando o professor chegou à faculdade e constatou que o prédio estava ermo...
Não encontrou alunos, funcionários ou professores... Tudo estava estranhamente silencioso... Além dessa situação inusitada, Vieira notou o forte odor que provinha do interior da escola de Farmácia. O mau cheiro era tanto que o professor concluiu que o prédio poderia estar infestado de centenas de ratos mortos.
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Havia a possibilidade de a situação ser resultado de
uma das brincadeiras dos jovens estudantes acostumados a provocar gozações com
gás sulfídrico. Mas dessa vez a situação era exagerada demais... Pessoas que
passavam em frente à instituição protegiam a respiração...
(...)
Ao avançar pelo interior da escola com o maior cuidado, Vieira se
espantou ao deparar-se com dezenas de cadáveres acomodados no pátio interno...
Os corpos estavam em “posições grotescas”, sendo que as mulheres estavam
dispostas com “saias ou camisolas erguidas, pernas abertas, desnudando sua
intimidade”. Os homens também estavam com calças e cuecas baixadas. Todos
estavam bem sujos, desgrenhados, pálidos e magérrimos.
Vieira observou os rostos inertes e conseguiu detectar
singeleza em alguns... Concluiu que estavam mortos há muitos dias. No entanto
permanecia sem entender por que estavam ali e naquelas estranhas posições...
Sabia que a faculdade de Odontologia não precisava de tantos exemplares... Por
que estavam ali? Onde estariam alunos e professores?
As dúvidas do professor foram dirimidas quando Salvador, um técnico que
trabalhava para a faculdade de Medicina, apareceu... Ele o cumprimentou e quis
saber por que havia comparecido na escola, pois o diretor suspendera as
atividades do dia. Ivanzir Vieira respondeu perguntando sobre o que estava
acontecendo ali, pois considerava o cenário digno do inferno descrito na Divina Comédia.
Salvador esclareceu que pela madrugada chegou à cidade um pessoal de Barbacena
que trazia uma camionete repleta de cadáveres oriundos do hospício local... Explicou
que contataram o diretor da faculdade e ofereceram os corpos por excelente
preço (cada um a 1 milhão de Cruzeiros Novos, o equivalente a R$ 364,00
atualizados)... O diretor calculou que a oferta era muito boa, pois a escola
contava apenas seis cadáveres para os estudos. Se recusasse o “material
didático” de Barbacena a camionete seguiria para o Rio de Janeiro, onde havia cursos
interessados.
O funcionário explicou que fora chamado com urgência e que já estava
trabalhando há muito tempo, e sem ajudantes... Sua tarefa era árdua porque devia
“formolizar” (a partir da virilha) trinta exemplares e depois colocá-los em
tanques.
Vieira quis saber por que os corpos não foram encaminhados direto para a
Medicina. Salvador explicou que os tanques estavam cheios de peças (com a pele devidamente
retirada, musculatura exposta e membros reservados) para os estudos dos alunos
de primeiro ano. O caso é que o laboratório da Farmácia estava esvaziado...
Ivanzir manifestou sua
indignação e dúvida em relação à legalidade daquela operação... Sobre isso,
Salvador esclareceu que nada sabia a respeito, mas emendou que a compra de
cadáveres oriundos de Barbacena era muito comum entre as instituições superiores
de formação de médicos.
(...)
O professor pensou
sobre as histórias que contavam a respeito das práticas nos sanatórios de
Barbacena, onde era hábito abandonarem pacientes com vestes molhadas ao relento
para que morressem durante a noite. Talvez elas fossem verídicas.
Holocausto Brasileiro
informa que entre 1969 e 1980 mais de 1800 corpos do Colônia foram vendidos “para dezessete faculdades
de Medicina de todo o país”... Não há nenhum documento que indique a
autorização dos familiares...
(...)
Quando a oferta de
cadáveres era muito maior do que a demanda universitária, funcionários do Colônia
instalavam tonéis no pátio da instituição para que eles se decompusessem... Isso
ocorria sem a menor cerimônia e era feito na presença dos pacientes.
Os cadáveres de Barbacena,
quando dissecados por estudantes, apresentavam pulmões tuberculosos... O doutor
Paulo Henrique Alves relatou que isso era muito comum e que os professores de
sua época de estudante explicavam que se tratava de algo comum entre os mortos
em Barbacena. Alves, que participa de missões do “Médicos sem Fronteiras”,
esclareceu ainda que (quando tomou conhecimento da prática entre as faculdades
e o hospital) tornou-se um crítico daqueles procedimentos.
O “comércio da morte” foi interrompido por Jairo
Toledo, quando foi diretor do Colônia pela primeira vez na década de 1980.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/03/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_19.html
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto