Graças aos depoimentos coletados, Holocausto Brasileiro conseguiu reunir informações que nos dão um quadro completo do que foi o Colônia... A própria Francisca (das últimas postagens) se emociona ao lembrar-se do trabalho na cozinha. Seu relato dá conta de que a alimentação era sempre escassa e pobre e que a “água misturada à farinha de mandioca encorpavam o caldo” servido aos internos...
Mas não há dúvida de que os dramas pessoais acabam atraindo a nossa atenção. Não há como não lamentarmos as condições desumanas a que tantas pessoas inofensivas foram relegadas... Isoladas, esquecidas, maltratadas e exploradas.
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A reprodução de um
documento de 1911 revela-nos os “Quesitos” de Maria de Jesus ao dar entrada no
manicômio. O papel apresenta 26 informações que certamente alimentaram o
prontuário da paciente. Nele o funcionário registrava de próprio punho o que
pode ser considerado o “diagnóstico inicial”.
O documento revela a idade da paciente (23 anos)
quando de sua chegada ao Colônia; se ela possuía alguma profissão ou grau de
instrução; se possuía parentes vivos, e quais eram as causas das mortes na
família; se havia histórico familiar de loucuras, “moléstias nervosas de
histeria, epilepsia ou paralisia”...
O último item da ficha é a respeito das causas da moléstia, se são de natureza
moral, “como desgostos de família, perdas de fortunas...”.
É interessante observar que boa parte dos “quesitos”
foi preenchida com um “não se sabe”... Outros tantos (caráter habitual do
doente; manifestações por atos e palavras; se o estado do fichado apresenta
fúria e agitação) mereceram do funcionário a informação de que a paciente era
“calma e triste”... Então, em síntese, o motivo da internação de Maria de Jesus
era a sua “tristeza”.
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Arbex explica que em 1961, durante o breve governo Jânio Quadros, o
presidente “colocou o aparato governamental a serviço da instituição” para
mudar o quadro calamitoso da assistência àqueles “enfermos”. Em 1971,
parlamentares até criaram comissões para tratar do tema, mas a situação prosseguiu
sem alterações.
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Isso significa dizer que o cotidiano dos internos permaneceu como o
descrito pelo senhor Geraldo Magela Franco, que trabalhou no Colônia como
guarda por três décadas desde 1969. Ele lembra que acordavam os pacientes às
cinco horas da manhã e que seguiam para o pátio qualquer que fosse a condição
meteorológica... Permaneciam o dia inteiro e só eram deslocados para os prédios
ao anoitecer.
Muitos deles perambulavam nus, pois não tinham o que vestir (logo que
chegavam ao hospital suas roupas eram confiscadas para a higienização, e muitos
só possuíam a peça que traziam junto ao corpo)... Perambulavam muito próximos
uns dos outros no pátio para que pudessem se aquecer mutuamente...
Não foram poucos os que entregaram os poucos trapos que possuíam para
alimentar fogueiras. Os casos de solidariedade entre os miseráveis não eram
raros.
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Holocausto Brasileiro cita o caso de Sônia
Maria da Costa, que permaneceu no Colônia por trinta anos... Ela era conhecida
por seu comportamento agressivo em relação a funcionários opressores e “pacientes
salientes”, mas também por ajudar a curar as colegas que padeciam de dores
diversas... E fazia isso sem remédios.
A amiga Terezinha, por
exemplo, foi assistida durante muitas noites em que uma infecção no ouvido a
atormentava. Sônia esquentava pedaços de cobertor no pátio, e os deitava sobre
a orelha da paciente que amparava nos braços. Assim permanecia por horas, até
que o sono de Terezinha chegasse.
As duas nunca mais se separaram. Sobre essa amizade trataremos na próxima postagem.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/03/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_24.html
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto