quinta-feira, 20 de março de 2014

“Holocausto Brasileiro – Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil”, de Daniela Arbex – considerações sobre a paciente Conceição Machado, histórico de sua internação, rebeldia e amizade inspiradora com Francisca Moreira dos Reis

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/03/holocausto-brasileiro-genocidio-60-mil_19.html antes de ler esta postagem:

Vimos que desde criança Francisca tinha acesso às dependências do Colônia porque sua mãe era funcionária da instituição... De tanto que participava do ambiente, era comum ajudar os funcionários em pequenas tarefas. O cotidiano a fez conhecer mais de perto a difícil realidade dos internos.
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Em algumas ocasiões, Francisca passava o dia inteiro junto à mãe, e não foram poucas as noites em que dormiu no Colônia. A vivência permitiu-lhe uma interpretação diversa a respeito dos pacientes... Normalmente ouvia que eles se tratavam de “loucos perigosos”, mas ela relata que diversas vezes eles a protegiam e mimavam.
Aos poucos ela se aproximou mais de uma das internas, Conceição Machado, da qual se tornou amiga.
Sobre Conceição Machado, devemos explicar que ela havia sido internada no manicômio pelo próprio pai simplesmente porque exigia remuneração (pelo seu trabalho na fazenda da família em Dores do Indaiá) igual à dos irmãos, pois as tarefas que desempenhavam eram as mesmas...
Por mais absurdo que possa parecer, o entendimento do pai de Conceição em relação a essa rebeldia foi internar a filha em maio de 1942... Para ele tudo era bem simples, já que bastou embarcá-la no “trem de doido”. Uma vez no manicômio, Conceição não incomodaria mais os familiares.
Arbex revela que em trinta anos nenhum deles jamais a visitou.
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Sua condição a tornou rebelde.
Sua lucidez não admitia o tratamento dispensado aos pacientes, e muito menos ser taxada de louca pela instituição. Não é por acaso que os seus primeiros dias no Colônia foram marcados por várias agressões aos funcionários... Conceição protestava sobretudo contra os maus-tratos que os pacientes recebiam.
É claro que sua atuação provocou as retaliações. Não é por acaso que ela permaneceu trancada numa diminuta cela por mais de dois anos, e com a limitação de contemplar a luz do sol por apenas vinte minutos a cada dia.
Mas Conceição era destemida e chegou mesmo a interpelar o diretor (José Theobaldo Tollendal) em sua própria sala... Na ocasião, sugeriu que se ele provasse (e aprovasse) o café servido aos internos, então eles não teriam do que reclamar... Suas reivindicações giravam em torno da falta de tratamento adequado aos pacientes e à alimentação escassa e de má qualidade.
Foi natural que ela terminasse por se tornar líder dos demais internos.
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Sua atuação chamou a atenção da menina Francisca, que se viu sensibilizada pelos seus dramas e determinação. Entre as duas consolidou-se a amizade.
A filha da funcionária manifestou seu desejo de que Conceição participasse de seu casamento... De fato, quando completou quinze anos, casou-se com o cabo Pedro Vitorino dos Reis, da Aeronáutica, na igreja São José. E Conceição compareceu conforme o desejo de ambas.
Sete anos depois, em 1977, Francisca foi aprovada em concurso público e ingressou no Colônia como auxiliar de serviços gerais... 1979 é o ano em que, na tentativa de se tornar atendente de enfermagem, presencia os testes que resultaram na morte de dois pacientes do pavilhão Afonso Pena. Este episódio foi relatado na postagem anterior
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Atualmente Francisca milita no Sindicato Único da Saúde, que agrega quase 20 mil servidores no estado de Minas Gerais. Não há dúvida de que esse engajamento tem inspiração na garra de Conceição.
P.S: Os que assistiram Em Nome da Razão devem saber que aquela paciente que aparece junto a outras internas numa varanda, falando de várias necessidades que enfrentavam no Colônia, é Conceição Machado.
Leia: Holocausto Brasileiro. Geração Editorial.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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