Antes mesmo que a última carta de Abner chegasse, Alfredo já havia iniciado o trabalho no jardim... Arou a terra, cuidou de detalhes estéticos... Estava mudado. Em sua nova resposta ao professor, escreveu que lamentava muito a sentida perda que ele tivera com a morte da esposa.
Mostrou que estava empolgado, já que mal conseguia dormir por causa do novo projeto... As tarefas podiam trazer Clara de volta, ou fazer com que ele se esquecesse definitivamente dela... Seus breves registros foram concluídos com a lembrança do manuscrito inédito do professor... Uma vez que se tornaram amigos, será que não era momento de Alfredo ter a honra de recebê-los?
Em sua resposta, Abner lamentou que o outro estivesse com insônias. Aquilo bem poderia ser um sintoma dos sentimentos de rancor que ele ainda alimentava. Relacionou a condição daquele que mal consegue aproveitar as noites de sono à do inferno, local onde supostamente as horas não passam e o sofrimento é eterno... Mas no paraíso isso também deve ocorrer, só que nele a felicidade é eterna. Ainda usando metáforas, Abner aconselhou o moço a envolver-se mais com o jardim, aprender a arrancar as ervas daninhas que prejudicam o desenvolvimento do que é belo e bom. Na vida é assim também... O professor sugere que devemos aprender a subtrair as realidades nocivas que ocorrem... Normalmente as deixamos crescer e, “quando queremos arrancá-las”, já não podemos.

Depois o professor citou o próprio exemplo. A morte de Flora havia sido muito doída... Mas ele percebeu que, além do sepultamento, devia enterrar tudo o que significasse uma “não aceitação da realidade”. Tudo o que fosse material e fizesse referência à presença da esposa, não mais existente, foi descartado ou doado. Isso não significa que ele a extraiu do coração... É que conservar a materialidade que pertence ao morto nos leva a “perder tempo com o que é acidental”.
Citou também um episódio de sua juventude em que, por muito tempo, guardou rancor de um colega da faculdade... Felizmente percebeu que o melhor que tinha a fazer era “sepultar” a lembrança negativa para que novas feridas não se abrissem... O coração das pessoas que alimentam o ódio e as perdas se torna endurecido... Não é inteligente “transformar a vida numa paixão inútil”. Devemos escolher: ou nosso coração trabalha a serviço do amor ou a serviço do ódio.
Finalizou desejando noites melhores ao outro... Para que, assim, possa viver mais feliz. E ainda: como jardim é local de afeto, sugeriu que Alfredo mantenha as formas circulares com flores de porte menor e pequenos arbustos cercando-as. Quanto ao manuscrito, Abner sentenciou que ainda não era o momento de enviá-lo. Concordou que a correspondência entre ambos fazia com que se tornassem amigos... Mais que isso, Abner considerava Alfredo um filho... Desejava sinceramente que o jardim o liberasse para a anulação das mágoas... E que apenas a bondade permanecesse nele.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/08/tempo-de-esperas-de-fabio-de-melo-pe.html
Leia: Tempo de Esperas. Editora Planeta.
Um abraço,
Prof.Gilberto