quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Retratos da cidade - singela homenagem à nossa querida São Paulo em seu aniversário

Hoje a cidade e seus moradores receberam várias e merecidas homenagens... Teve passeios, exposições, apresentações musicais e encenações diversas... Também houve debates e protestos... De antigos arquivos retirei um texto em que ensaiava uma crônica sobre uma tarde em que me dirigi ao centro para comprar uma máquina fotográfica... Mesclei com trechos de outro já postado aqui. Embora o resultado seja um pouco confuso, reflete um pouco do muito que tenho a agradecer por viver aqui.


Retratos da cidade
Aconteceu numa tarde de mês de outubro, há uns vinte anos.
Lembro-me de que o sol das treze fervia a atmosfera do centro da cidade, que amanhecera glacial. É por isso que por todos os lados e de todas as saídas de lojas, restaurantes, ônibus, carros particulares e táxis, as pessoas carregavam nos braços os pesados agasalhos matutinos. Aqui e ali ambulantes ofereciam aos gritos água, cerveja, refrigerante... À minha direita o teatro municipal, atrás ficara o viaduto do Chá. Um engravatado, que se dirigia à República, anunciava versículos bíblicos e obrigava os passantes a se desviarem para a rua Xavier de Toledo. Os seus gritos não eram páreo para os barulhos dos motores e das buzinas. Pensei que o que eu mais queria era desaparecer dali.
Caminhava extenuante em direção àquela rua em que várias lojas de cine-foto-som se instalaram. Tentava andar apressado, queria chegar logo ao meu destino, uma daquelas lojas, mas estava muito cansado e irritado com o calor, a poluição do ar e o ensurdecedor barulho. Seguia sufocado. Em vez de atravessar a rua em que o semáforo insistia em amarelo piscando, decidi passar pela galeria de subsolo que me levaria ao outro lado. Muitas pessoas também recorriam ao atalho. Nas paredes estavam instaladas grandes fotografias. Não, não tinha tempo. Decidi observá-las mais devido ao cansaço do que por interesse contemplativo.
A um primeiro passar d’olhos o que se viam eram imagens costumeiras da cidade com seus grandes edifícios, igrejas, intensos movimentos de massas humanas e cenas despercebidas de tipos os mais diversos misturados ao concreto, e um não sei quantos outros motivos que retratam a cidade como um organismo. De repente as imagens levaram-me a pensar sobre certas atmosferas.
A primeira delas era sobre o momento em que aquelas obras foram edificadas. A segunda é a que evoca a existência dos seres humanos que tomam (ou podem tomar) contato com elas, quer dizer, quem são, como vivem, quais as relações que mantêm com as edificações, e assim por diante. Entre as tantas fotografias havia um quadro que também podia sugerir essas análises. Era o quadro que me levava à terceira atmosfera, a imponência das edificações, o modo como elas documentam um passado e, ao mesmo tempo, deixam as marcas no presente, no agora. Notei o seu entorno e tentei perceber se elas estavam mais envolvidas por outras edificações, assim ajudando a compor um todo, ou se estavam mais isoladas, sendo, dessa maneira, o todo.
As imagens também me lembravam os seres humanos. Aqueles tipos mesmos que circulavam lá em cima. O que pretendem ao erigirem tais edificações? De que modo estão organizados? Qual seria a hierarquia das suas prioridades? As edificações demandaram um esforço nelas concentrado. Há uma certeza de que os homens e mulheres que tiveram (ou têm) contato com as edificações não sobrevivem a elas, monstros que permanecem supratemporariamente. Embora não sejam elementos naturais, vão se constituindo elementos da natureza por tempos de longuíssimas durações. Para os que as contemplam também fica a sensação de um pertencimento.
É, não ajudei na elaboração de nenhuma das igrejas, dos vitrais ou das torres, mas elas não me são estranhas. É o que ocorre em relação à cidade em que vivo... Apenas existo e nela me locomovo, acesso a determinadas paragens e faço uso de seu sistema de transportes, passo por galerias como aquela, tudo isso de modo natural, assim vou também fazendo parte daquilo que a cidade é.
Conclui que fazer referência ao momento em que foram edificadas é pensar na relação que os homens e mulheres mantinham com o seu tempo, como o dividiam, contavam, enfim, como se apropriavam dele. De repente chamou-me a atenção uma série de fotogramas dispostos de modo sequencial. Neles eu via uma referência ao tempo, à sua passagem e aos eventuais registros que devem ter a ver com o produto das atividades humanas, seus negócios. Percebo pastas que servem para arquivar notas (?), um relógio, um calendário, faróis de automóveis trafegando pela noite paulistana, fachadas de casas humildes... A imagem do relógio nos remete a um momento em que os fenômenos naturais contavam muito para a divisão do tempo. A marcação de passagem do tempo, ali, é natural. Fazendo parte da seleção de imagens, os fotogramas me inquietavam também porque havia alguns que registravam certos detalhes, como frestas, janelas que nos remetem à imaginação sobre o que é o outro lado... Quer dizer, são detalhes tão pequenos que fazem parte do cotidiano das pessoas que eles são quase inexistentes, ou invisíveis.
A imagem que vinha imediatamente a seguir era a de um ser humano posicionado no interior (?) de uma construção tão imponente, que dessa feita era o rapaz que passava despercebido, tornando-se um quase inexistente, ou invisível. As dimensões da edificação são tão grandiosas que o recorte feito pelo fotógrafo não nos permite entender se se trata de uma tomada de interior ou exterior.
Saí da galeria e segui pensando nas imagens vistas e nos sentimentos que elas evocavam.
Prossigo em direção ao meu destino, à minha volta estão os tipos da Paulicéia com a sua pressa e as edificações. Estamos sob a mira de alguma objetiva? Sairemos invisíveis na próxima imagem? Mais uma vez passo os olhos pelo concreto do centro. São Paulo não nasceu aquilo que estava representado na fotografia noturna nem naquela da edificação que oficialmente marca o nascimento da cidade. Mas o que vi exposto fez um contraponto à confusão. A lentidão do tempo está ali, ainda que em seu entorno os arranha céus, o movimento do tráfego e o ensurdecedor barulho insistam em sufocá-la e sufocar-me.
A imagem foi extraída de Extraído de http://www.google.com.br/imgres?um=1&hl=pt-BR&biw=1066&bih=590&tbm=isch&tbnid=PnGwd0MBDyTDIM:&imgrefurl=http; 25/01/2012;11:40)

Um abraço,
Prof.Gilberto


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