O galho espinhoso tinha potencial...
Haveria algo mais sagrado? Recolhido no vale do Rio Jordão, e bem numa manhã de domingo reservada à missa... Haveria relíquia mais significativa?
Essas considerações deram ao Teodorico a sensação de que não teria mais complicações com aquela tarefa. Mas ao mesmo tempo outra preocupação passou a assombrá-lo... E se aquele estranho tronco possuísse uma “virtude transcendente”?
Nesse caso a tia Patrocínio teria seus problemas de saúde sanados! Já pensou? Logo que os espinhos fossem acomodados no oratório, o fígado da mulher se restauraria! Mas isso seria o seu fim!
(...)
Ele não pensava em lhe
restaurar a saúde! Bem ao contrário! Imagine só... Torná-la “ininterrável”! E
foi por isso que ele começou a andar em volta do estranho a arbusto...
Como louco perguntou se ela era uma relíquia poderosa... Ou era apenas
um tipo exótico desses que constam nos livros de botânica? Teria o dom de cura?
A
árvore espinhenta precisava saber que, levando um de seus ramos para o oratório
de uma confortável casa em Lisboa (bem longe daquele sítio ermo e seco), Teodorico
não desejava que se operasse o prolongamento de uma vida que o estorvava...
A “aberração vegetal”
precisava saber que ele pretendia apenas iludir a velha tia. Ele tinha intenção
de tomar posse o quanto antes da herança acumulada desde os tempos do
comendador Godinho.
(...)
Como saber se o ramo
espinhento não faria bem à tia?
O Raposo tinha suas
dúvidas, e é por isso que se pronunciou... Insistiu que não era porque o galho
estava ligado a uma árvore fincada em terras do Evangelho que tinha de se
embeber dos ideais de “caridade e misericórdia”. Se era dotado de propriedades
miraculosas, era melhor que permanecesse no deserto, sofrendo com a poeira, o
calor e os excrementos de aves de rapina.
O rapaz disse ao
galho que ele precisava prometer que jamais atenderia às preces de tia
Patrocínio... Era essa condição para que o levasse para uma “capela afofada”,
onde receberia beijos e adoração...
Evidentemente nenhuma
voz saiu do arbusto.
(...)
Todavia Teodorico teve o pressentimento de que algo inexplicável (uma
ligeira brisa) lhe disse que a tia Patrocínio morreria em breve... Então
encheu-se de convicção de que aquilo só podia ser um presságio...
O
arbusto não respondeu de “modo convencional”, mas deu um jeito de se comunicar
através da atmosfera local. Só podia ser isso!
A promessa estava acertada. O rapaz entendeu que podia levar alguns
daqueles ramos horrorosos para o oratório da tia. Eles não impediriam o
inchamento do fígado da velha.
(...)
Teodorico retirou-se. Deixou o arbusto para trás...
É que a rapidez com
que recebera a reposta o estava incomodando... Foi por isso que decidiu ir ter
com Topius.
Encontrou-o junto à fonte de Eliseu...
O alemão analisava
pedras e lascas, lixos e outros restos da cidade outrora reconhecida pelas
vistosas palmeiras. Estava agachado e dispensava atenção a um fragmento de
pilastra escurecida que se achava em parte enterrada no solo encharcado... O
local bem podia ter abrigado as termas de Herodes.
Teodorico
foi logo falando a respeito de sua descoberta. O sábio alemão quis ter
certeza... “Um arbusto de espinhos?” Talvez fosse o nabka, muito comum em toda
a Síria. Depois acrescentou que um estudioso de Botânica chamado Hasselquist garantia
que era dessa espécie que haviam feito a coroa de espinhos.
Topsius perguntou se
Teodorico vira “umas folhinhas verdes em forma de coração”... A resposta foi
negativa, então só podia ser “o lycium spinosum”... Esse, de acordo com os
latinos, serviu para confeccionar a “coroa da injúria”.
Topsius quis conferir no mesmo instante...
Logo
os dois se dirigiram ao sítio cercado de penedos, onde se escondia o arbusto
espinhento descoberto pelo Raposo.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_19.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto