À frente as elevações que constituem o Moabe foram avistadas...
Teodorico imaginou que tudo em volta, e também o céu, parecia descansar do tumultuado passado marcado pela presença do povo escolhido de Deus, com suas preces, batalhas e mortandades.
Na esbranquiçada altitude já não se viam anjos... Era bom saber que no momento apenas alguns pombos revoavam na direção dos pomares de Engada.
O rapaz não se esqueceu da recomendação da tia Patrocínio... Despiu-se e mergulhou o corpo nas águas do Jordão para um santificado banho... Ao pisar as areias fez reverência como se estivesse pisando tapete destinado a um altar sagrado.
Logo que as águas chegaram aos joelhos, Teodorico pensou em São João Batista e rezou um “padre-nosso”... Na sequência, riu um pouco e regozijou-se... Tudo ali era agradável e o remanso lembrava a uma “banheira entre árvores”. Pote arremessou-lhe a esponja.
Enquanto se ensaboava nas águas do batismo, cantarolava o fado de Adélia.
(...)
Depois, quando já se
preparavam para deixar o local, Teodorico e Topsius observaram a chegada de
beduínos que traziam seus camelos para as margens do Jordão.
Os homens vinham desde
as colinas de Galgalá com as suas lanças compridas. Soltavam gritos que
motivavam os felpudos animais. A cena fez Teodorico mais uma vez imaginar os
remotos tempos bíblicos, “quando Agar era moça”... Pensou sobre os que
empunharam espadas e entraram em combate por defenderem um deus... A atmosfera
o levou a imaginar-se personagem daqueles tempos.
(...)
O alto do Moabe estava
encoberto de brilho e luminosidade diferenciada, algo dourado e “cor de ouro”...
Topsius anunciou que Moisés havia morrido no alto do Moriá e novamente Teodorico
encheu-se de emoção... Naquele instante sentiu-se carregado de energia como se também
ele fosse um dos liderados por Moisés no Êxodo...
Aquelas eram paragens
das doze tribos... Mas então, o que teria à sua frente se o tempo fosse dos
antigos? Levitas muito bem trajados deviam carregar a Arca dourada...
Certamente anjos fariam a escolta... Cânticos se elevariam aos céus...
Aproximavam-se de Jericó e esses devaneios não se apartavam de Teodorico...
Não é para menos... Quanta emoção ao se avizinharem da “terra da promissão”...
Areias secas ardentes e mais à frente toda brancura de Jericó!
Os
ouvidos do rapaz pareciam escutar “os clarins de Josué”.
A emoção era tal que Teodorico tirou o capacete e soltou a voz para que
toda Canaã pudesse ouvir sua piedosa saudação: “Viva Nosso Senhor Jesus Cristo!
Viva toda a corte do céu!”
(...)
Na manhã do dia seguinte, um domingo, Topsius equipou-se
e saiu às ruínas. Estudioso que era, não podia deixar de investigar as ruínas
de Jericó... Herodes* a equipara e a enfeitara... A cidade fora conhecida por
suas palmeiras, termas, templos, jardins e estátuas...
* O texto se refere a Herodes, o Grande. Dá a entender que, em Jericó, este
monarca passou “tortuosos amores com Cleópatra”... Essa não deve ser confundida
com a rainha do Egito (que era sua rival). A Cleópatra em questão deve ter sido
uma de suas nove esposas.
(...)
O Raposo não acompanhou o estudioso alemão.
Enquanto tomava o
café observou os afazeres dos que os acompanhavam... O cozinheiro estava concentrado
em sua tarefa de preparar frangos para a próxima refeição; o peão que devia
cuidar das montarias se distraía com um bando de cegonhas que se dirigiam à
Samaria...
Nada
ali reclamava a sua intervenção...
Então decidiu passear
pelo entorno.
Colocou
o capacete e iniciou a caminhada...
Descansou as mãos nos bolsos e seguiu cantarolando um fado.
Pensou
em Adélia e também no Senhor Adelino.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_94.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto