sexta-feira, 3 de novembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Topsius defende a vanguarda alemã diante da civilização; Teodorico manifesta seu pouco caso em relação convencimento do pesquisador das antiguidades; sete piastras por uma circassiana; decepção e irritação na casa de dona Fatmé; mais nove piastras por uma “joia da Núbia”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_3.html antes de ler esta postagem:

Topsius não admitiu o modo como Teodorico se referiu à sua Alemanha... Por isso resmungou que seu país era “a mãe espiritual dos povos”... Depois quis ensinar que a humanidade era guiada pelo “brilho que sai do capacete alemão”.
O português debochou... Na sequência esbravejou que, para ele, aquela conversa era puro sebo... “Sebo para o capacete!” Ele mesmo não precisava de guias. Ele, um Raposo! Os Raposos tinham história no Alentejo! Tinham somente Nosso Senhor Jesus Cristo como guia. Concluiu dizendo que em Portugal havia homens grandiosos (citou Afonso Henriques, Herculano...).
Após o desabafo, Teodorico levantou-se dando a entender que ia se retirar... Via-se que Topsius estava abalado... Então Pote interveio dizendo que os amigos cristãos deviam reatar a paz. E aconteceu mesmo que, ao se cruzarem no divã, os dois apertaram as mãos.
(...)
Esse pequeno entrevero ocorreu enquanto a dona Fatmé prosseguiu dizendo que Alá é grande e que ela estava ali para servi-los como escrava. A mulher emendou que se estivessem dispostos a lhe pagarem sete piastras (moeda da Península Itálica) de ouro poderia substituir a Rosa de Jericó por uma beldade, verdadeira joia do norte do Cáucaso (uma circassiana; da Circássia, cujo povo sofreu um massacre imposto pelos russos nos anos 1860), “mais branca que a lua cheia, mais airosa que os lírios que nascem em Galgalá”.
Empolgado, Teodorico gritou que se interessava pela circassiana, pois estava ali exatamente para se “refocilar”. Insistiu com Pote para que pagasse logo as piastras.
O guia providenciou o pagamento e no mesmo instante a dona Fatmé retirou-se...
(...)
Logo uma portinha branca se abriu e do outro lado surgiu uma pequena mulher trajando “amplos calções turcos de seda carmesim” seguros por uma liga dourada... Seus pesinhos brancos mal se encaixavam nos chinelinhos amarelos... Na cabeça trazia um véu que envolvia também peitos e braços... Notava-se que Fatmé a ornamentara com algumas joias...
Teodorico encheu-se de desejo no mesmo instante em que identificou os olhos negros da moça. Fatmé colocou-se atrás de sua pombinha e começou a levantar lentamente o véu... Assim todos puderam contemplar a recompensa prometida.
Mas o que viram foi motivo de decepção... A moça tinha “um carão cor de gesso, escaveirado e narigudo, com um olho vesgo, e dentes podres”. Pote irritou-se e saltou do divã ao mesmo tempo em que proferia impropérios contra Fatmé.
A mulher clamou por Alá, lamentou a situação e retirou-se rapidamente da sala. A circassiana ainda tentou obter alguma paga... Mostrava os dentes podres ao sorrir e pedia presentinhos aos clientes estrangeiros. Via-se que estava embriagada... Teodorico a repeliu com repugnância e foi sem jeito que ela voltou a baixar o véu para sair.
(...)
Sem esconder sua decepção, o português disse ao Topsius que aquilo era uma “grande infâmia”.
O alemão proferiu umas palavras a respeito do que certas aparências carregadas de volúpia escondem: “Debaixo do sorriso luminoso está o dente cariado. Dos beijos humanos só resta o amargor. Quando o corpo se extasia, a alma entristece”...
Teodorico não estava interessado em considerações de profundidades existenciais... Que alma qual nada! Em sua opinião, a única lição que se tirava dali era o desaforo pelo qual tinham passado. E acrescentou que, se o episódio tivesse ocorrido na Rua do Arco-do-Bandeira (em Lisboa), a dona Fatmé teria tomado boas bofetadas.
Após este desabafo, Pote reapareceu... Coçava os bigodes quando disse que se estivessem dispostos a pagar mais nove piastras de ouro, a dona da casa se dispunha a apresentar-lhes uma “maravilha secreta”, “uma virgem das margens do Nilo, da alta Núbia, bela como a noite mais bela do Oriente”...
Pote garantiu ter ele mesmo visto a beldade que, sem dúvida, valia o tributo. Ansioso pela aventura, Teodorico pagou as nove moedas.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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