Do alto de sua sabedoria, Topsius observou o arbusto espinhento com toda a sua atenção... Depois de breve silêncio, sentenciou que a tia de Teodorico não receberia “nada mais precioso” da Terra Santa.
Na sequência, o sábio alemão pôs-se a falar a respeito da empolgação dos cristãos pelas relíquias das terras sagradas e sobre o que foi deito delas. É preciso entender que ele não se refere exatamente aos objetos que, de fato, estiveram no cenário da Paixão de Cristo.
Ele se refere ao desprezo que as pessoas passaram a dispensar para as coisas que deviam nos lembrar dos suplícios de Nosso Senhor.
(...)
De
acordo com Topsius, os “instrumentos da crucificação” (pregos, esponja, o
caniço) tidos como sagrados foram utilizados pelas pessoas de acordo com suas
necessidades cotidianas... Os pregos que trespassaram as mãos do Messias
serviram como ferragem “de caixões impuríssimos”.

Até
mesmo sobre a esponja (que foi embebida em vinagre e oferecida pelos soldados a
Nosso Senhor crucificado) Topsius tinha observações a fazer... Ela vinha sendo
utilizada em “irreligiosos cerimoniais da limpeza” reprovados pela Igreja.
A cruz também perdera
sua “divina significação”... Cruzes passaram a ser utilizadas como enfeites,
broches, pulseiras...
Mais do que à
religião, a cruz parecia pertencer à ourivesaria...
(...)
Tudo isso o sábio
Topsius disse para esclarecer que o mesmo não ocorria com a coroa de espinhos.
Ela não “serviu para
nada”! A Igreja Romana tinha a original e a mantinha isolada “para toda a eternidade”.
Onde se viam coroas de espinhos? Em raras capelas, e nos ambientes escurecidos,
onde serviam para levar os fiéis à contrição.
Seria interessante
perguntar se algum joalheiro a reproduziu em ouro... A resposta é das mais
fáceis... Ninguém fez isso porque a coroa de espinhos nos é associada
imediatamente à tortura e martírio de Nosso Senhor. Sem dúvida trata-se do
objeto que mais traz lágrimas aos rostos cristãos. Quem não se sente comovido
ao contemplar uma imitação com marcas de sangue?
Topsius garantiu que as pessoas se sentem sinceramente obrigadas a orar
logo que ficam diante de um acessório religioso como este. O mesmo não ocorre
quando, por exemplo, nos vemos diante de uma “esponja caída numa tina” ou de
uma “cana à beira de um regato”.
Enfim, diante de uma coroa de espinhos, os que creem levantam os braços
em preces... Melancolicamente entoam os “misereres”.
(...)
Teodorico ouviu com atenção e pensou que seria
maravilhoso levar a relíquia para a tia Patrocínio.
Imediatamente quis
saber de Topsius se a verdadeira coroa havia sido moldada a partir dos ramos
espinhentos daquela árvore que tinham diante de si.
O
alemão explicou que não concordava com Hasselquist (o estudioso biólogo que
acreditava que sim). Para ele a cora de espinhos que foi cravada em Jesus havia
sido feita a partir de uma “silva fina e flexível que abunda nos vales de
Jerusalém”. E informou mais: os referidos galhos eram utilizados comumente para
queimar madeiras, acender lume... Sebes se formavam e protegiam muradas de
habitações... A planta dava uma singela flor “roxa, triste e sem cheiro”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_32.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto