domingo, 19 de novembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Topsius analisa o arbusto espinhento encontrado por Teodorico; conclusões do sábio alemão a respeito da banalização das relíquias que marcaram a Paixão de Cristo; considerações sobre a coroa de espinhos; o estudioso não concorda com Hasselquist e explica de qual espécie moldaram a coroa do suplício

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_71.html antes de ler esta postagem:

Do alto de sua sabedoria, Topsius observou o arbusto espinhento com toda a sua atenção... Depois de breve silêncio, sentenciou que a tia de Teodorico não receberia “nada mais precioso” da Terra Santa.
Na sequência, o sábio alemão pôs-se a falar a respeito da empolgação dos cristãos pelas relíquias das terras sagradas e sobre o que foi deito delas. É preciso entender que ele não se refere exatamente aos objetos que, de fato, estiveram no cenário da Paixão de Cristo.
Ele se refere ao desprezo que as pessoas passaram a dispensar para as coisas que deviam nos lembrar dos suplícios de Nosso Senhor.
(...)
De acordo com Topsius, os “instrumentos da crucificação” (pregos, esponja, o caniço) tidos como sagrados foram utilizados pelas pessoas de acordo com suas necessidades cotidianas... Os pregos que trespassaram as mãos do Messias serviram como ferragem “de caixões impuríssimos”.
Já o caniço (que os algozes de Jesus o obrigaram a segurar por ocasião de sua apresentação com o manto e a coroa de espinhos como “rei dos judeus”) tem sido utilizado pelos “mais reverentes irmãos do Senhor dos Passos” como vara de pescar... Ainda segundo Topsius, essa relíquia foi profanada ao ser empregada “na composição do foguete” (fogos de artifício utilizados inclusive em festividades oficiais de governos de países cristãos - promulgação de leis, bodas de príncipes)...
Até mesmo sobre a esponja (que foi embebida em vinagre e oferecida pelos soldados a Nosso Senhor crucificado) Topsius tinha observações a fazer... Ela vinha sendo utilizada em “irreligiosos cerimoniais da limpeza” reprovados pela Igreja.
A cruz também perdera sua “divina significação”... Cruzes passaram a ser utilizadas como enfeites, broches, pulseiras...
Mais do que à religião, a cruz parecia pertencer à ourivesaria...
(...)
Tudo isso o sábio Topsius disse para esclarecer que o mesmo não ocorria com a coroa de espinhos.
Ela não “serviu para nada”! A Igreja Romana tinha a original e a mantinha isolada “para toda a eternidade”. Onde se viam coroas de espinhos? Em raras capelas, e nos ambientes escurecidos, onde serviam para levar os fiéis à contrição.
Seria interessante perguntar se algum joalheiro a reproduziu em ouro... A resposta é das mais fáceis... Ninguém fez isso porque a coroa de espinhos nos é associada imediatamente à tortura e martírio de Nosso Senhor. Sem dúvida trata-se do objeto que mais traz lágrimas aos rostos cristãos. Quem não se sente comovido ao contemplar uma imitação com marcas de sangue?
Topsius garantiu que as pessoas se sentem sinceramente obrigadas a orar logo que ficam diante de um acessório religioso como este. O mesmo não ocorre quando, por exemplo, nos vemos diante de uma “esponja caída numa tina” ou de uma “cana à beira de um regato”.
Enfim, diante de uma coroa de espinhos, os que creem levantam os braços em preces... Melancolicamente entoam os “misereres”.
(...)
Teodorico ouviu com atenção e pensou que seria maravilhoso levar a relíquia para a tia Patrocínio.
Imediatamente quis saber de Topsius se a verdadeira coroa havia sido moldada a partir dos ramos espinhentos daquela árvore que tinham diante de si.
O alemão explicou que não concordava com Hasselquist (o estudioso biólogo que acreditava que sim). Para ele a cora de espinhos que foi cravada em Jesus havia sido feita a partir de uma “silva fina e flexível que abunda nos vales de Jerusalém”. E informou mais: os referidos galhos eram utilizados comumente para queimar madeiras, acender lume... Sebes se formavam e protegiam muradas de habitações... A planta dava uma singela flor “roxa, triste e sem cheiro”.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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