Enfim, a noite de diversão que Teodorico esperava parecia ter início.
A pequena porta abriu-se outra vez e do outro lado apareceu “uma esplêndida fêmea”... A mulher tinha a pele da cor de bronze e podia mesmo ser associada a Vênus.
Ela permaneceu estática por causa da luz que provavelmente a cegava... Também a presença dos homens parecia assustá-la. Vestia uma tanga branca e trazia os cabelos desgrenhados... Selvagem era a sua juba... A dona Fatmé providenciara algumas contas de vidro que lhe caíam do pescoço e se depositavam entre os “seios rijos, perfeitos e de ébano”.
Teodorico encantou-se pela presa... Mas de repente ela passou a portar-se de modo estranho. Deu uns saltos estranhos e pronunciou frases incompreensíveis... Os estrangeiros nada entendiam de seu “lu! lu! lu! lu!”... Na sequência atirou-se sobre o divã tal como uma esfinge e encarou-os.
Era com orgulho que Pote cutucava o português... Chamava-lhe a atenção para os atributos físicos da moça. Quem poderia dizer que dessa vez ele não acertara? A garota era uma pantera!
Dona Fatmé também dava a entender que o rapaz tirara a sorte grande.
(...)
Teodorico entendeu
que a núbia estava interessada... Ela o fitava! Sua barba devia ter chamado a
sua atenção.
Confiante, o rapaz
decidiu levantar-se. Aproximou-se da jovem como o predador de sua presa. Os
olhos dela se inquietaram... Então ele começou a dizer-lhe frases que julgava
gentis... Chamou-a “minha lindinha” e fez carícias em seu ombro.
Talvez porque tivesse
se apavorado com a brancura de sua pele, a moça o repudiou no mesmo instante.
Soltou um grito como se estivesse ferida. Teodorico insistiu e passou a falar
de seu país... Deu a entender que ela gostaria de conhecê-lo e que ele era
capaz de levá-la para Lisboa... Falou de Dafundo e do Silva, que nem se
comparavam à decadente Jerusalém... Disse que mulheres como ela eram muito bem
tratadas em Portugal. Os periódicos publicavam a respeito delas e muitos
proprietários as cobiçavam para casamento.
(...)
O rapaz fez de
tudo... Gastou o seu arsenal de gentilezas... Mas era evidente que a moça não o
compreendia.
Teodorico entendeu que ela estava saudosa de sua distante aldeia na
África. Ele mesmo desanimou. Pensou o que tanto a fazia entristecer... Rebanhos
de búfalos, tamareiras, o grandioso rio local, ruínas e túmulos dos antigos
líderes políticos de seu povo...
Ele resolveu apelar... Quis agarrá-la à força. A jovem fugiu para um
canto onde se encolheu, tremendo de medo. Chorou copiosamente.
Aquilo era muita maçada... Teodorico deu um
grito de protesto e pegou o capacete que tinha deixado a um canto. Passou pela
cortina com tanta violência que o pano esgarçou.
(...)
A esperada “festa do
Oriente” não ocorreu. Teodorico desabafou sua ira numa terrível gritaria...
Enquanto isso a dona Fatmé discutia ferozmente com Pote... Ela ainda teve
coragem de cobrar mais sete piastras de ouro.
O mais angustiado, sem dúvida, era Teodorico...
Os
três deixaram a espelunca fedorenta. Para trás deixaram Fatmé e o agito de seus
braços... Ela gritava impropérios e maldições aos pais, aos ossos de seus avós
e à terra de onde tinham vindo.
O caminho que tomaram
em direção ao Hotel Mediterrâneo era de escuridão total... Dois cães de rua os
seguiram com seus latidos por algum tempo.
(...)
Depois
que se acomodou em sua cama, Teodorico pensou com saudade em sua risonha
terra... Será que só experimentaria revezes em Jerusalém?
Se assim fosse, não
via a hora de retornar para Lisboa... Pensou que após a morte da tia Patrocínio
sua vida melhoraria significativamente.
Jamais experimentaria
em sua pátria as atrocidades de uma “bota bestial e severa num corredor”...
Além disso, nenhuma mulher (ainda que de “corpo bárbaro”) lhe fugiria em pranto
após ser por ele acariciada.
O dinheiro de tia
Patrocínio lhe proporcionaria inúmeras aventuras e seus desejos de “relaxações”
seriam todos satisfeitos.
Era
tudo uma questão de prosseguir cativando a tia com seu santo comportamento.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto