sábado, 4 de novembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – depois das reflexões sobre a necessidade de comportar-se de acordo com os princípios de tia Patrocínio, Teodorico escreve-lhe uma carta repleta de lorotas; uma síntese

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/11/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_10.html antes de ler esta postagem:

Foi pensando em tudo o que ainda precisava conquistar que Teodorico decidiu escrever uma carta à tia Patrocínio...
Evidentemente o rapaz traçou linhas repletas de mentiras... Como não podia deixar de ser, omitiu as relaxações com a Maricocas. sua falta de sorte com a escocesa Ruby (Cibele) e com as “pombinhas” de dona Fatmé.
(...)
Logo no início, Teodorico saúda à tia com falsa ternura: “Querida Titi do meu coração!”...
Em síntese, o conteúdo da carta dá a entender que tudo o que o moço procurava na longínqua
Terra Santa era levar uma existência virtuosa. Segundo ele mesmo, a tia devia saber que Nosso Senhor via com bons olhos a sua visita ao “Santo Túmulo”... O que mais ele podia fazer senão passar o tempo em meditações acerca da Paixão de Cristo e também a pensar em sua doce Titi?
Teodorico não tinha escrúpulos... Como sabemos, tinha acabado de chegar ao hotel depois de passar um bom tempo na casa de dona Fatmé, onde buscara relaxações... À tia, escreveu que voltava da Via-Dolorosa, uma “rua benta”, tão sagrada que ele mesmo se sentia envergonhado por percorrê-la com os pés calçados.
Sabemos de seu desprezo pela Via-Dolorosa e pelos demais locais venerados pelos cristãos... À tia, escreveu que o percurso era dos mais enternecedores... Garantiu que houve ocasião em que agachou-se para beijar as pedras do caminho, e que passara a noite a rezar à Nossa Senhora do Patrocínio... E para agradá-la ainda mais, disse que a santa era das mais respeitadas pelos fiéis que visitavam Jerusalém. Garantiu mesmo que havia um altar a ela dedicado!
Pois não é que Teodorico escreveu que o altar era dos mais lindos?!
Neste ponto destacou que a tia sempre tinha razão em tudo o que afirmava. Lembrou que nenhum outro lugar possuía festas e procissões comparáveis às de Portugal.
(...)
O rapaz prosseguiu com suas lorotas... Registrou que, diante do altar de Nossa Senhora do Patrocínio, ajoelhou-se, rezou seis “salve rainhas” e depois voltou os olhos para a imagem manifestando que gostaria muito de saber sobre como estaria a boa Titi. E não é que a santa respondeu? Ele tratou de escrever no punho da camisa o que saiu da boca da imagem.
E reproduziu as palavras que “ouviu”: “minha querida afilhada vai bem, Raposo, e espera fazer-te feliz!”... Só podia ser um milagre, mas adiantou que aquilo era muito comum. Tanto é que as “famílias respeitáveis” com as quais tomava chá diziam que “a Senhora e seu divino Filho dirigem sempre algumas palavras bonitas” aos que os visitavam.
(...)
A carta não era sucinta... Na sequência, Teodorico garantiu que já havia adquirido algumas relíquias, como “uma palhinha do presépio, e uma tabuinha aplainada por São José”... A respeito da tabuinha, seu companheiro alemão na viagem disse-lhe que estava provado que era verídica e que, como aquela, havia muitas outras que o santo “costumava aplainar nas horas vagas”.
A respeito da relíquia especial prometida à tia, Teodorico afiançou que em breve a obteria... Certamente era algo que proporcionaria a cura de todos os males que a afligiam, salvaria a sua alma e seria como que uma paga de tudo o que ele lhe devia... Mas não podia adiantar nada mais a respeito.
Na parte final da carta, Teodorico mandou lembranças aos amigos frequentadores da casa no Campo de Santana... Solicitou à tia que lhes dissesse que rezava constantemente por todos eles, especialmente pelo padre Casimiro.
Por fim, pediu a benção à muito amada e venerada tia Patrocínio... Ela devia saber que ele estava “chupadinho” de saudade e que desejava a sua plena saúde.
(...)
Num post-scriptum informou que estivera na casa de Pilatos, sentiu aversão imediata e até escarrou no local... Em oração à Santa Verônica, dissera que Titi lhe era muito devota... A santa pareceu muito satisfeita... E era por isso que ele sempre dizia aos padres e patriarcas que encontrava que, em se tratando de virtude, seria necessário conhecerem a boa tia Patrocínio.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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