sexta-feira, 12 de novembro de 2021

“1984”, de George Orwell - dos últimos trechos do “livro proibido” lido por Winston; mais sobre as contradições dos princípios norteadores do Partido; incongruências em relação ao socialismo, à família e às razões de ser dos ministérios; reconciliando as contradições, quebrando o ”ciclo de alternância de poder”, congelando a história e impedindo qualquer possibilidade de igualitarismo; leitura interrompida; aquecendo o corpo de Júlia, pausa para algumas conclusões acerca da própria sanidade, a respeito do livro e sobre a segurança do quarto; breve cochilo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-duplipensar.html antes de ler esta postagem:

Graças à leitura do “livro proibido” entendemos que as contradições que permeavam a ideologia do IngSoc contribuíam para que o Partido mantivesse o poder extremado... Vimos que isso se verificava mais flagrantemente nas justificativas que legitimavam a estratificação social e nos mecanismos orientadores da conduta dos “bempensantes”.
As contradições também marcavam os princípios norteadores do Partido em relação à sua plataforma política... Desse modo, ao mesmo tempo em que assumia a causa socialista, rejeitava e atacava agressivamente os princípios historicamente defendidos pelo movimento socialista. Ao mesmo tempo menosprezava os operários e suas necessidades básicas, mas fazia questão que os militantes trajassem uniformes típicos dos trabalhadores manuais.
O Partido havia instituído um tipo de família que nada tinha a ver com os conceitos do passado baseados no princípio da proteção e solidariedade, no entanto associava a imagem do líder supremo ao “sentimento de lealdade familiar” e, não por acaso, era reconhecido como “Grande Irmão”.
Como não podia deixar de ser, o livro lembrava as contradições próprias dos Ministérios... O da Paz se ocupava da guerra; o da Verdade forjava a realidade produzindo mentiras; o Ministério do Amor era responsável pela tortura aos investigados; a fome e outras carências da população eram os objetivos do Ministério da Fartura...
Obviamente nenhuma das contradições era por acaso e tampouco resultavam de “hipocrisia ordinária”. Tudo ocorria de modo consciente (e, como vimos, com certa dose de inconsciência) graças ao “duplipensar”.
(...)
O Partido tratava de reconciliar as contradições, e procedendo desse modo quebrava “o antigo ciclo” marcado pela alternância de poder. Este era um exercício permanente e garantia-lhe a supremacia por longuíssimo período.
Fazia crer que tinha um compromisso com a igualdade e bem-estar de todos, mas atuava no sentido contrário para manter a “classe alta” na condição privilegiada... O regime não teria outro meio de estabelecer os contrassensos se não dedicasse esforço de governo no controle das mentes.
O texto prosseguia com a questão que mergulhava o Partido na necessidade de “impedir a igualdade humana” e mais precisamente acerca dos motivos que o levaria ao “esforço para congelar a história num determinado instante”. Devemos entender que essa problematização não era sem razão, já que o poder extremado instituído tornara impossível o dinamismo das lutas de classes.
Na sequência, o livro iniciava uma série de reflexões com o objetivo de esclarecer a problematização apresentada... Retomava o tema da “mística do Partido” e sua relação com o “duplipensar” para introduzir elementos como “a Polícia do Pensamento, a guerra contínua”, além de outros instrumentos importantes para a consolidação do poder.
Não chegamos a conhecer a continuação do conteúdo porque Winston interrompeu a leitura.

(...)

O rapaz olhou à sua volta, captou a atmosfera silenciosa e notou Júlia acomodada ao seu lado num sono profundo... Ele a chamou sem obter qualquer resposta. Estava bem cansada da atarefada “Semana de Ódio”, precisava repousar e não dava sinais de que despertaria tão cedo.
Fechou o livro e o deixou sobre o piso... Contemplou a nudez da namorada e só então notou que a temperatura havia diminuído, por isso puxou a coberta para cobri-los. Depois se dedicou a pensar sobre o que havia lido e concluiu que as próximas páginas deviam revelar o principal segredo em torno da superestrutura dominada pelo Partido...
Do que havia lido até então dos capítulos I e III podia dizer que havia compreendido, mas ainda não entendia com profundidade a razão por trás da monstruosidade que era a IngSoc. Os longos textos não lhe traziam novidades, mas em sua opinião haviam servido para ajudá-lo a sistematizar o próprio conhecimento.
Ao menos a leitura até ali tinha servido para dar-lhe a certeza de que não havia enlouquecido. Sabia que pensava diferente da maioria das pessoas, mas podia confiar que isso não era um “sintoma de loucura”. O “livro proibido” o ajudara a aceitar que não se pode considerar louco aquele que se decide pela verdade e a ela se prende enquanto a maioria se apega à mentira.
(...)
Desde a janela, um fraco raio de luz solar chegava até o travesseiro... Winston captou o fragmento do dia, cerrou os olhos e sentiu-se sonolento ao mesmo tempo em que era tomado pela confiança dos que seguem no caminho correto. Respirou fundo e sentenciou para si mesmo que “tudo ia bem”.
Aos poucos adormecia enquanto murmurava que “a sanidade mental não é questão de estatística”. O sono chegou pesado sem tirar de sua consciência a ideia de que seus pensamentos estavam carregados de sabedoria.
Despertou algum tempo depois imaginando que havia dormido demais... Olhou para os ponteiros do velho relógio e conferiu que “eram apenas vinte e trinta”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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