Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-perseguicao-aos.html antes
de ler esta postagem:
Vimos que os membros do Partido sofriam
patrulhamento dos mais radicais. Não é por acaso que o “livro proibido” dizia
que eles não tinham liberdade para escolher a própria direção. E por incrível
que possa parecer, não havia nenhuma regulamentação que definisse o que podiam
ou não fazer... Como já se salientou anteriormente, não havia leis na Oceania.
Exatamente por isso, somos
levados a pensar que as temidas reflexões pessoais e as posturas
comprometedoras não eram “formalmente proibidas”. O fato é que os que as
cometiam tinham certeza de que se fossem flagrados pela Polícia do Pensamento
seriam condenados à morte...
(...)
Na verdade “expurgos, prisões, torturas, detenções e vaporizações” não
eram condenações por crimes efetivamente praticados, mas sim uma maneira de
“liquidar” potenciais inimigos do regime que muito provavelmente “cometeriam
algum crime no futuro”.
Para os que pertenciam ao
Partido a situação devia ser das mais perturbadoras, pois não bastava ter as
opiniões corretas e de acordo com a doutrina... Era preciso ter os “instintos
certos”. Eles bem sabiam que eram constantemente vigiados e que não podiam
vacilar em relação às crenças e atitudes que deles se esperava...
O caso é que nada disso se
declarava abertamente, já que os detalhes podiam escancarar as contradições do
próprio IngSoc.
Os “bempensantes” (que em
“novilíngua” significava “ortodoxos”) sabiam como proceder em todas as
ocasiões, e sem pestanejar... Desse modo conseguiam expressar as emoções
desejáveis, sempre de acordo com a “verdadeira crença”.
(...)
Para se chegar à ortodoxia,
os membros do Partido tinham de aproveitar com zelo militante todos os
treinamentos que recebiam desde a infância. Três “palavras novilinguísticas”
contribuíam para que eles se mantivessem criaturas incapazes de pensar
criticamente e a fundo a respeito de qualquer coisa. Eram elas: “crimedeter,
negrobranco e duplipensar”.
Seria o caso de sabermos o
que se esperava de um membro do Partido... Em primeiro lugar que não nutrisse
“emoções pessoais ou lapsos de entusiasmo”. Naturalmente devia manifestar ódio
incontido em relação “aos inimigos estrangeiros e aos traidores internos”. Além
disso, não devia jamais deixar de participar dos eventos de regozijo pelas
vitórias e “espetaculares conquistas e sabedoria do Partido”.
O “livro proibido” conjecturava a respeito dos dramas existenciais
vividos pelos filiados ao Partido... Certamente enfrentavam alguns traumas que
eram dissipados a cada sessão dos “Dois Minutos de Ódio”. E quanto ao ceticismo
que eventualmente poderia invadi-los, a rígida disciplina recebida desde a
infância tratava de dissipar.
(...)
Em relação ao treinamento para a disciplina partidária, o primeiro grande
aprendizado era o do “crimedeter”. De modo simplificado nada mais era do que “a
faculdade de deter, de paralisar, como por instinto, no limiar, qualquer
pensamento perigoso”.
A partir dessa “aptidão”, o instruído deixava de
detectar analogias e erros de lógica. Isso incluía a não compreensão de simples
críticas ao sistema... Devidamente treinadas, as crianças se aborreciam e se
enojavam contra hipóteses que pudessem desencadear formulações heréticas e
agressivas ao IngSoc.
O militante carregava seu
aprendizado para o resto da vida. Ele não percebia que aquilo o estupidificava,
mas em se tratando de “crimedeter”, sentia-se protegido... O caso é que para o
Partido não bastava que seus membros se pautassem pela estupidez, já que
esperava uma ortodoxia doentia que exercesse total controle de suas mentes.
(...)
Explicando melhor o anteriormente exposto, e antecipando outra
prerrogativa da formação militante, o livro retomava a máxima de que na Oceania
todos tinham de acreditar que “o Grande Irmão é onipotente e o Partido
infalível”. Mas exatamente porque esse juízo não era verdadeiro, o sistema
recorria à manobra da realidade, incutindo a incessante “interpretação dos
fatos”.
O treinamento para a
ortodoxia incluía capacitar o indivíduo a aceitar as falsificações forjadas
pelo regime... “Negrobranco” era o termo em “novilíngua” para definir uma
sentença que, como muitas outras, tinha sentidos contraditórios... Quando
aplicada aos adversários, “negrobranco” possibilitava ao membro do Partido
aceitar a versão imposta ainda que todas as evidências mostrassem que não era
verdadeira.
Ao ser aplicado nas
relações com os demais membros do Partido, “negrobranco” denotava confirmação
da crença em relação às mentiras propagadas. Afinal de contas elas vinham dos
dirigentes... Tratava-se da capacidade de acreditar cegamente que “preto é
branco” e mais ainda “que jamais se imaginou o contrário”.
O
passado sofria as alterações impostas pelo regime e na medida em que isso
ocorria o raciocínio do ortodoxo as processava sem qualquer prejuízo para a
“saúde mental”, pois o “duplipensar” o habilitava...
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-infalibilidade-do.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto