sexta-feira, 5 de novembro de 2021

“1984”, de George Orwell - apesar de não haver legislação formal, as pessoas temiam ser flagradas em situações de ousada autonomia; o regime recorria a pesadas punições e antecipava a eliminação de futuros sediciosos; “bempensantes”, os ortodoxos; comportamentos esperados de um “bempensante”; treinados para o “crimedeter”, a estúpida e anestésica aceitação da ideologia do sistema; importância do “negrobranco” e do “duplipensar” para a convivência com a farsa a respeito do passado e como atestado de idoneidade em relação à doutrina

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-perseguicao-aos.html antes de ler esta postagem:

Vimos que os membros do Partido sofriam patrulhamento dos mais radicais. Não é por acaso que o “livro proibido” dizia que eles não tinham liberdade para escolher a própria direção. E por incrível que possa parecer, não havia nenhuma regulamentação que definisse o que podiam ou não fazer... Como já se salientou anteriormente, não havia leis na Oceania.
Exatamente por isso, somos levados a pensar que as temidas reflexões pessoais e as posturas comprometedoras não eram “formalmente proibidas”. O fato é que os que as cometiam tinham certeza de que se fossem flagrados pela Polícia do Pensamento seriam condenados à morte...
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Na verdade “expurgos, prisões, torturas, detenções e vaporizações” não eram condenações por crimes efetivamente praticados, mas sim uma maneira de “liquidar” potenciais inimigos do regime que muito provavelmente “cometeriam algum crime no futuro”.
Para os que pertenciam ao Partido a situação devia ser das mais perturbadoras, pois não bastava ter as opiniões corretas e de acordo com a doutrina... Era preciso ter os “instintos certos”. Eles bem sabiam que eram constantemente vigiados e que não podiam vacilar em relação às crenças e atitudes que deles se esperava...
O caso é que nada disso se declarava abertamente, já que os detalhes podiam escancarar as contradições do próprio IngSoc.
Os “bempensantes” (que em “novilíngua” significava “ortodoxos”) sabiam como proceder em todas as ocasiões, e sem pestanejar... Desse modo conseguiam expressar as emoções desejáveis, sempre de acordo com a “verdadeira crença”.
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Para se chegar à ortodoxia, os membros do Partido tinham de aproveitar com zelo militante todos os treinamentos que recebiam desde a infância. Três “palavras novilinguísticas” contribuíam para que eles se mantivessem criaturas incapazes de pensar criticamente e a fundo a respeito de qualquer coisa. Eram elas: “crimedeter, negrobranco e duplipensar”.
Seria o caso de sabermos o que se esperava de um membro do Partido... Em primeiro lugar que não nutrisse “emoções pessoais ou lapsos de entusiasmo”. Naturalmente devia manifestar ódio incontido em relação “aos inimigos estrangeiros e aos traidores internos”. Além disso, não devia jamais deixar de participar dos eventos de regozijo pelas vitórias e “espetaculares conquistas e sabedoria do Partido”.
O “livro proibido” conjecturava a respeito dos dramas existenciais vividos pelos filiados ao Partido... Certamente enfrentavam alguns traumas que eram dissipados a cada sessão dos “Dois Minutos de Ódio”. E quanto ao ceticismo que eventualmente poderia invadi-los, a rígida disciplina recebida desde a infância tratava de dissipar.
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Em relação ao treinamento para a disciplina partidária, o primeiro grande aprendizado era o do “crimedeter”. De modo simplificado nada mais era do que “a faculdade de deter, de paralisar, como por instinto, no limiar, qualquer pensamento perigoso”.
A partir dessa “aptidão”, o instruído deixava de detectar analogias e erros de lógica. Isso incluía a não compreensão de simples críticas ao sistema... Devidamente treinadas, as crianças se aborreciam e se enojavam contra hipóteses que pudessem desencadear formulações heréticas e agressivas ao IngSoc.
O militante carregava seu aprendizado para o resto da vida. Ele não percebia que aquilo o estupidificava, mas em se tratando de “crimedeter”, sentia-se protegido... O caso é que para o Partido não bastava que seus membros se pautassem pela estupidez, já que esperava uma ortodoxia doentia que exercesse total controle de suas mentes.
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Explicando melhor o anteriormente exposto, e antecipando outra prerrogativa da formação militante, o livro retomava a máxima de que na Oceania todos tinham de acreditar que “o Grande Irmão é onipotente e o Partido infalível”. Mas exatamente porque esse juízo não era verdadeiro, o sistema recorria à manobra da realidade, incutindo a incessante “interpretação dos fatos”.
O treinamento para a ortodoxia incluía capacitar o indivíduo a aceitar as falsificações forjadas pelo regime... “Negrobranco” era o termo em “novilíngua” para definir uma sentença que, como muitas outras, tinha sentidos contraditórios... Quando aplicada aos adversários, “negrobranco” possibilitava ao membro do Partido aceitar a versão imposta ainda que todas as evidências mostrassem que não era verdadeira.
Ao ser aplicado nas relações com os demais membros do Partido, “negrobranco” denotava confirmação da crença em relação às mentiras propagadas. Afinal de contas elas vinham dos dirigentes... Tratava-se da capacidade de acreditar cegamente que “preto é branco” e mais ainda “que jamais se imaginou o contrário”.
O passado sofria as alterações impostas pelo regime e na medida em que isso ocorria o raciocínio do ortodoxo as processava sem qualquer prejuízo para a “saúde mental”, pois o “duplipensar” o habilitava...
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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