Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-dos-proles.html antes
de ler esta postagem:
Infelizmente para Winston e Júlia a aventura
amorosa e de rebeldia contra o sistema terminou... No quarto sobre a loja de
antiguidades, até então o esconderijo ideal, havia uma teletela que passou a
transmitir ordens ao casal... Estavam detidos.
Os dois tiveram de se
manter no meio do quarto e com as mãos na nuca... A “voz de ferro” exigiu que
não se tocassem. Amedrontados, fizeram exatamente como lhes era exigido.
Winston imaginava sentir a tremedeira da companheira, mas podia ser que o maior
tremor fosse o do próprio corpo. Sequer conseguia controlar os maxilares que
tiritavam... O pior eram os joelhos que pareciam se dobrar a cada instante.
Da janela chegavam sons de pesadas botas militares... Podia-se perceber
que havia tropas fora e dentro do prédio. Certamente o pátio já estava repleto
de homens da repressão. Pelo barulho que provocavam, Winston calculou que
implicaram com a proletária do varal, pois ouviu o “barulho metálico,
prolongado, arrastado, como se a tina de roupa tivesse sido jogada de um lado a
outro do quintal”. Na sequência, gritos e um “uivo de dor” deram a entender que
estavam espancando a pobre mulher.
(...)
Winston estava tão convicto
de que a casa estava cercada que pronunciou sua afirmação... A “voz de ferro”
confirmou. Júlia tremeu dos pés à cabeça, pois entendeu que estavam
definitivamente nas mãos da repressão. Ela só teve forças para dizer que achava
melhor se despedirem.
A voz da teletela repetiu
que era mesmo o melhor que tinham a fazer. Na sequência uma voz diferente,
aparentemente “fina e culta”, se fez ouvir... Winston teve a nítida impressão
de que a conhecia:
“E por falar nisso, já que falamos do
assunto, Aí vem uma luz para te levar para a cama, Aí vem um machado para te
cortar a cabeça!”
No mesmo instante a tropa
de repressão arrombou a vidraça com uma escada e a trava despencou sobre a
cama. Na sequência, homenzarrões trajando pesadas botas e uniformes negros
invadiram o quarto. Os tipos eram fortes e traziam bastões e outras armas...
Winston ainda mais se apavorou
com a possibilidade de ser espancado, apesar disso parou de tremer e paralisou o
olhar. Manteve-se imóvel para evitar o pior... Um dos agentes colocou-se à sua
frente. Sua aparência lembrava a de um boxeador e o modo como manipulava o
bastão davam a entender que refletia a respeito do que iria fazer. Era de aterrorizar...
Sempre com as mãos sobre a nuca, Winston olhou-o nos olhos... Sua
posição era de extrema fragilidade e ele sabia que a qualquer momento podia ser
surrado com socos, pontapés e bordoadas de bastão. Mas o brutamontes apenas
umedeceu os lábios com a ponta da língua e deu mais alguns passos pelo quarto.
Na sequência um dos agentes de repressão pegou o peso de papel que o
rapaz tanto admirava e o atirou contra a parede da lareira. Winston olhou de
canto sem movimentar a cabeça e conseguiu ver o pequeno coral de cor rosa
rolando pelo chão. Pensou apenas que se tratava de um artefato misterioso e
pequeno, que “sempre fora pequenino”. Depois um dos tipos exclamou qualquer
coisa e o chutou no tornozelo... Apesar de violento, o golpe não foi suficiente
para derrubá-lo.
Outro soltou um pesado murro no estômago de
Júlia. No mesmo instante a moça se dobrou e pôs-se a rolar pelo chão,
contorcendo-se de dor. Obviamente Winston não movimentou a cabeça em sua
direção, mesmo assim por algumas vezes conseguiu captá-la quando ela “entrava
no seu campo de visão”. O sofrimento da namorada o abalou ainda mais porque a
via numa condição de extrema fragilidade, algo que jamais pensou que pudesse
acontecer com ela.
A moça rolava de um lado
para outro, provavelmente sem sentir completamente a dor porque seus esforços
concentravam-se na respiração. Depois de alguns segundos, dois dos tipos a
ergueram como se fosse um saco e a conduziram para fora. Winston ainda pôde
notar sua cabeça cambaleante, os olhos cerrados, a pele amarelada e contorcida
ainda manchada de maquiagem.
(...)
Ele mal podia imaginar que aquela seria a última imagem que teria da
namorada... Na verdade sequer tinha condições de pensar a respeito. Permaneceu
quieto e sem se mexer. Enquanto não sofria nenhum golpe, permitiu que a mente
vagasse por reflexões a esmo. No momento a questão mais pertinente que lhe veio
à cabeça foi a respeito do velho Charrington... Será que os agentes da
repressão o haviam capturado? Depois pensou na pobre lavadeira do quintal
vizinho... O que teriam feito a ela?
Sentiu a bexiga cheia e
estranhou, pois fazia apenas duas ou três horas que se aliviara... O relógio
apontava às nove horas da noite. Perturbou-se também com isso porque pelos seus
cálculos já não devia haver tanta luz. Será que tinham dormido por mais de dez
horas? Nesse caso ele e Júlia teriam acordado às oito e meia da manhã do dia
seguinte, e não às oito e meia da noite.
A
tensão era grande demais para prosseguir com tal problematização e logo deixou
de se perturbar com o horário. Além disso, ouviu umas passadas rápidas pelo
corredor... Elas trouxeram o Senhor Charrington ao quarto.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto