terça-feira, 9 de novembro de 2021

“1984”, de George Orwell - a infalibilidade do Partido era garantida pela alteração dos fatos passados; habitantes da Oceania não tinham como comparar a própria realidade com modelos externos ou do passado; História em permanente adaptação, registros e mentes controlados; retificações do passado para a manutenção da “única verdade”; o “duplipensar” como técnica de autoengano

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-apesar-de-nao.html antes de ler esta postagem:

O IngSoc alterava mesmo o passado. Frequentemente os dirigentes do Partido determinavam as mudanças quantas julgasse necessárias. Obviamente entendiam que isso era necessário e estava de acordo com a doutrina...
Os membros do Partido e o proletariado aceitavam bem o estado de coisas a que estavam submetidos... Toleravam a precariedade imposta pelo regime até por não conhecerem outras realidades do presente ou do passado. Como sabemos, isso era resultado do isolamento em relação aos estrangeiros e a épocas ancestrais. A propaganda fazia crer que todos viviam melhor do que antes e que, graças ao Grande Irmão, cada vez mais o bem-estar atingiria níveis elevadíssimos.
As alterações que faziam do passado eram necessárias para fazer os acertos que garantissem a “infalibilidade do Partido”. Discursos, previsões diversas e documentação diversa do passado deviam ser modificados sempre que fosse preciso garantir que o Partido esteve correto durante todo tempo... Além disso, as retificações serviam para “impor a verdade” necessária ao regime.
Isso quer dizer que as repentinas mudanças de inimigos de guerra implicavam em alterações dos registros desde o princípio dos conflitos. O “novo inimigo” tinha de ser entendido como o “inimigo de sempre”... Revelar a verdade sobre as alterações (a troca do inimigo) equivaleria a “confessar fraqueza política”.
(...)
O “livro proibido” esclarecia que o sistema cuidava de alterar todo e qualquer fato que contrariasse a “verdade do regime”. A História era constantemente reescrita pelo Ministério da Verdade, e essa tarefa era das mais importantes... O mesmo podia se afirmar em relação à “repressão e espionagem” executada pelo Ministério do Amor. Dessa forma, a Oceania permanecia politicamente estável.
O IngSoc executava as retificações do passado sem qualquer perturbação... Tratava-se de um dogma que afiançava que os fatos passados não possuem “existência objetiva”. Só se fala a respeito deles porque registros são produzidos e as pessoas podem eventualmente guardá-los na memória.
A partir dessa premissa, chega-se à conclusão de que o passado “se resume ao que está nos documentos escritos e na memória”. Daí sucede que, como o Partido tem total controle dos registros e das mentes, o passado só pode ser o que ele define como verdadeiro. Apesar disso, de se garantir as alterações do passado, as retificações jamais podiam ser admitidas.
Tratava-se do triunfo da mentira, já que a reescrita do passado se tornava imediatamente “o verdadeiro passado” e nenhuma outra versão era admitida. Até mesmo as “realizações e conquistas” anunciadas pelo Partido podiam passar por constantes alterações, e de modo algum se admitia qualquer dúvida a respeito das informações “oficiais e válidas”.
A verdade absoluta estava com o Partido. Sendo assim, ela foi “sempre a mesma verdade”. Para que essa imposição fosse assimilada sem questionamentos impertinentes, a memória coletiva passava por treinamento exemplar.
(...)
Ao mesmo tempo em que avançava na leitura, Winston podia confirmar por sua experiência no Departamento de Registro que tudo aquilo só podia ser verdade. Os registros sempre estavam de acordo com “a ortodoxia do momento”, e isso se concretizava graças ao seu trabalho e ao de tantos empregados no Ministério da Verdade... A constante verificação mecânica da farta documentação gerava ordens de retificações que ele tão bem executava. Graças ao empenho de todo pessoal, os acontecimentos podiam ser “recordados da maneira desejada”.
Os fatos eram rearranjados e o mesmo devia ocorrer com as lembranças... Por fim era necessário processar um “esquecimento” a respeito das alterações. Os membros do Partido, todos “bempensantes”, eram muito bem treinados para desenvolver a “técnica mental do esquecimento”.
O nome que se dava à referida técnica era “duplipensar”, algo que no passado seria o “controle da realidade”. É certo que o “duplipensar” envolvia muitos outros elementos que contribuíam para a plena aceitação da falsa realidade imposta pelos mecanismos de alteração dos fatos... O livro esclarecia que:

                   “Duplipensar quer dizer a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias, e aceitá-las ambas”.

Em outras palavras, os membros do Partido sabiam bem o rumo que suas lembranças deviam tomar ou em que sentido deviam ser alteradas... Desse modo, tinham consciência de que impunham um “truque à realidade”. Todavia, graças ao “duplipensar” acabavam se convencendo de que a realidade não sofria qualquer transgressão.
Que não se pense que o tal truque fosse realizado inconscientemente, pois era necessário imprimir-lhe grande precisão... Apesar disso, para que não restasse qualquer impressão de falsidade, parte do processo ocorria mesmo de forma inconsciente. E era assim que o sujeito ortodoxo “bempensante” prosseguia confiante de que levava uma existência na mais completa honestidade.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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