quarta-feira, 17 de novembro de 2021

“1984”, de George Orwell - dos proles surgiria uma nova realidade baseada no igualitarismo e na sanidade; a incansável proletária do quintal vizinho inspirava Winston em suas conjecturas; o tordo do bosque vivia a cantar, assim como a mulher que só conhecia o labutar diário; do Partido não se podia esperar qualquer sensibilidade; tudo indica que Júlia não comungava da utopia ao mesmo tempo em que concordava que o fim da aventura seria trágico; uma “voz de ferro” retumba desde o quadro fixado na parede, uma teletela instalada no ambiente vocifera ordens que anunciam a detenção

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-fim-da-tarde.html antes de ler esta postagem:

Observar o céu, e lembrar-se de considerar que para os demais povos o firmamento era um, só levou Winston a lamentar o fato de todos padecerem da mesma ignorância. Provavelmente milhares de milhões sequer imaginavam que tipos semelhantes a eles levavam uma vida parecidíssima com a que suportavam... Jamais interagiriam com os estrangeiros, pois desde a infância recebiam incessante propaganda mentirosa que os levavam a odiá-los. De modo algum podiam pensar com autonomia e exatamente por este motivo nutriam apenas o sentimento de devoção à pátria e aos líderes
.
Mais uma vez Winston concluiu que somente entre os “proles” poderia despontar algum movimento que pudesse trazer a esperança de renovação. Apesar de não ler o “livro proibido” até o fim tinha certeza de que a mensagem de Goldstein só podia ser essa. Os “proles” determinariam a organização futura... Seria o caso de pensar se também estranharia o que estava para vir do mesmo modo que se sentia deslocado na realidade que era estruturada pelo Partido.
(...)
Esperava que ao menos a novidade trouxesse o igualitarismo e, com ele, a “sanidade mental”. Tomando por referência a mulher que estendia fraudas no varal só podia pensar que “os proles eram imortais” e que cedo ou tarde a renovação ocorreria. Podia ser que demorasse, mas eles estariam firmes e, como os pássaros, continuariam a transmitir “a vitalidade que o Partido não possuía e não podia matar”.
(...)
Essas reflexões o remeteram à pequena ave do bosque onde se encontrara com Júlia... Perguntou-lhe se se lembrava do tordo que havia cantado para eles. A moça respondeu que não era para eles que o pássaro havia cantado, pois devia apenas estar se distraindo, ou ainda fazendo o que era próprio de seu instinto.
Winston percebeu a falta de sensibilidade da namorada, no entanto seu pensamento estava voltado para a promessa de um novo tempo que se abrigava no seio do proletariado e em seu modo de ser. Não devia esmorecer. Pelo contrário, pois, assim como os pássaros, proles como a mulher do quintal vizinho cantavam. E isso pelo mundo afora:

                   “em Londres e em Nova York, na África e no Brasil e nas terras misteriosas e proibidas de além-fronteiras, nas ruas de Paris e Berlim, nas aldeias da infindável planície russa, nos bazares da China e do Japão”.

Do Partido é que não se podia esperar qualquer atitude simpática. Seus membros não cantavam... Já da parte do proletariado havia exemplos como o da mulher envelhecida, mas sólida e “invencível” apesar das pesadas tarefas e dos muitos partos... Sim, ela se tornara “monstruosa trabalhando desde o nascimento”, mas jamais deixara de cantar.
Era um alívio saber que da gente proletária surgiria “uma raça de seres conscientes”, que assumiria o controle do futuro. E sim, certamente seria possível participar da nova realidade “mantendo o espírito vivo como eles mantinham o corpo, e passar adiante a doutrina secreta de que dois e dois são quatro”.
(...)
Um suspiro e na sequência o rapaz pareceu refletir a respeito da loucura que aquelas considerações podiam significar... Não por acaso sussurrou que os que pensavam como ele e Júlia “eram os mortos”, pois não tinham como escapar.
A garota que ainda se mantinha abraçada a ele concordou, “sim, nós somos os mortos”. Na sequência o quarto foi tomado por uma assustadora “voz de ferro” a sentenciar; “Vós sois os mortos”.

(...)

Obviamente o pânico tomou conta do casal... Cada um saltou para um lado e Winston sentiu o sangue gelar. Júlia arregalou os olhos enquanto a pele de seu rosto assumia uma tonalidade amarelada e a maquiagem que lhe restava se destacava como se estivesse para despender numa só placa.
A “voz de ferro” pronunciou mais uma vez que, de fato, os dois eram os mortos... Júlia disse ao namorado que o som provinha do local onde o quadro estava fixado. A voz respondeu que era mesmo detrás do quadro que saía o som. Depois deu ordem para que permanecessem exatamente onde estavam, exigiu que não se movimentassem enquanto não recebessem as ordens.
Como não podia deixar de ser, Winston apavorou-se e concluiu que o fim para ambos começava naquele momento. Não havia o que fazer além de tentar captar o olhar de sua cúmplice sem encará-la. Talvez restasse a possibilidade de fugir, mas o terror os dominou.
Não podiam desobedecer a “voz de ferro” por mais absurda que fosse. Eles já calculavam que deviam esperar pelo pior quando ouviram um barulho que lembrava o movimento de um ferrolho... Na sequência houve um “tilintar de vidro se quebrando”.
(...)
O quadro despencou da parede. Ele escondia uma teletela.
Júlia disse com voz trêmula que era certo que podiam vê-los... A “voz de ferro” confirmou que sim, podiam vê-los. Vociferou que deviam permanecer no centro do quarto, “um de costas para o outro”; deviam juntar as mãos na nuca sem se tocarem.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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