quarta-feira, 10 de novembro de 2021

“1984”, de George Orwell - “duplipensar”, a mentira sempre um passo à frente e a dominar as ações dos “bempensantes”; de como as oligarquias do passado não souberam se manter no poder; consciência e inconsciência nas atitudes dos membros do Partido; contradições epistemológicas e sociais; fanáticos pela “fraude mental” e histéricos pela guerra de improvável conquista do mundo; posição de povos dominados e “proles” em relação às campanhas militares

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-infalibilidade-do.html antes de ler esta postagem:

A respeito da última parte do “livro proibido” lida por Winston, cujo conteúdo foi destacado na última postagem, podemos dizer que tratava de mecanismos que possibilitavam o autoengano dos membros do Partido na aceitação da manipulação da realidade passada e presente. De acordo com o texto, a partir do “duplipensar”, os “bempensantes” estavam aptos a:

                   * “dizer mentiras deliberadas e nelas acreditar piamente”;
                   * esquecer os fatos que tivessem sido considerados inconvenientes pelo Partido;
                   * trazer de volta do esquecimento os mesmos fatos no caso de o Partido reconsiderar sua importância;
                   * “negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a realidade que se nega”.

(...)
Até mesmo para se referir ao “duplipensar” era necessário recorrer ao “duplipensamento”. O caso é que a temática se relacionava necessariamente à ideia de “alteração da realidade”, e por isso havia a necessidade de se recorrer à técnica para que a percepção de manipulação fosse anulada... E tantas vezes se recorria ao “duplipensar” quantas fossem necessárias. É como o texto salientava: “a mentira sempre (estava) um passo além da realidade”.
Graças ao “duplipensar” o Partido podia “deter o curso da História” e se manter no poder. Pelo visto, nele se conservaria por milhares de anos. Algo bem diferente do que ocorreu com as oligarquias do passado, que foram derrotadas por insistirem em modelos arcaicos de dominação ou por vacilarem em relação à força que deviam sustentar.
Ainda a respeito dos poderosos do passado, o livro ressaltava que as oligarquias assumiram papéis “estúpidos e arrogantes”, sem se importar em se ajustarem às mudanças. Também ocorreu de adotarem posturas liberais, favorecendo uma série de concessões em vez usarem a força... Tudo isso contribuiu para que fossem derrubadas.
(...)
Havia quem dissesse que a derrocada dos poderosos do passado ocorrera por seu zelo à consciência... Mas havia quem afirmasse o contrário. O Partido acabou produzindo uma “epistemologia” e um modo de pensar em que “consciência e inconsciência” coexistiam... De outro modo não seria possível seu predomínio por tanto tempo.
As pessoas eram levadas a crer na infalibilidade do regime controlado pelo Partido... Evidentemente isso era ideológico, já que para admiti-lo ignoravam a realidade marcada por vários fracassos administrativos. Mas para além dessa constatação, devia-se admitir que o IngSoc reconhecia os erros do passado, aprendeu com eles e estabeleceu seu domínio sob novos parâmetros.
Não era por acaso que “os mais sutis praticantes do duplipensar” eram exatamente os que o haviam criado... Obviamente tinham plena consciência de que se tratava de “um vasto sistema de fraude mental” e é por isso que o livro sentenciava que os que tinham conhecimento apurado acerca da realidade eram os que mais se distanciavam da mesma e do “mundo tal como ele é”. Daí resultava as estranhas relações “maior compreensão, maior ilusão; mais inteligência, menos juízo”.
(...)
Corroborava com a constatação anterior o fato de se perceber que era entre os maiorais da sociedade que se percebia a maior histeria gerada pelas guerras. Os mais sensatos em relação aos conflitos eram os que viviam nos territórios disputados pelos grandes impérios... Eles entendiam as guerras como “calamidades contínuas” que os atirava ora para a exploração de um, ora para o domínio de outro. Para os povos subjugados, pouco importava saber quem se saía vitorioso, pois sua condição permanecia sempre a mesma, e teriam de trabalhar para antigos ou novos exploradores. Tanto uns quanto os outros os tratavam da mesma forma.
Entre os “proles”, os operários que os quadros do Partido Externo consideravam “ligeiramente mais favorecidos”, a consciência a respeito da guerra passava por fases distintas... Eventualmente eram instigados pela propaganda a manifestarem seu ódio e medo em eventos públicos, mas em pouco tempo voltavam suas atenções para a própria condição e se esqueciam completamente de que o país estava em guerra.
Era entre os integrantes do Partido Interno que se encontravam os verdadeiros fanáticos pela guerra. Esses acreditavam que a Oceania dominaria o mundo, apesar de saberem que isso era simplesmente impossível.
(...)
Como se vê, a sociedade dominada pelo IngSoc apresentava dessas contradições. A mistura “sabedoria/ignorância; cinismo/fanatismo” era resultado da ideologia que assegurava o poder extremado do Partido e persistia até mesmo onde não havia “qualquer razão prática” que a justificasse.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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