Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-infalibilidade-do.html antes
de ler esta postagem:
A respeito da última parte do “livro proibido”
lida por Winston, cujo conteúdo foi destacado na última postagem, podemos dizer
que tratava de mecanismos que possibilitavam o autoengano dos membros do
Partido na aceitação da manipulação da realidade passada e presente. De acordo
com o texto, a partir do “duplipensar”, os “bempensantes” estavam aptos a:
* “dizer mentiras
deliberadas e nelas acreditar piamente”;
* esquecer os fatos que
tivessem sido considerados inconvenientes pelo Partido;
* trazer de volta do
esquecimento os mesmos fatos no caso de o Partido reconsiderar sua importância;
* “negar a existência da
realidade objetiva e ao mesmo tempo perceber a realidade que se nega”.
(...)
Até mesmo para se referir ao “duplipensar” era necessário recorrer ao
“duplipensamento”. O caso é que a temática se relacionava necessariamente à
ideia de “alteração da realidade”, e por isso havia a necessidade de se
recorrer à técnica para que a percepção de manipulação fosse anulada... E
tantas vezes se recorria ao “duplipensar” quantas fossem necessárias. É como o
texto salientava: “a mentira sempre (estava) um passo além da realidade”.
Graças
ao “duplipensar” o Partido podia “deter o curso da História” e se manter no
poder. Pelo visto, nele se conservaria por milhares de anos. Algo bem diferente
do que ocorreu com as oligarquias do passado, que foram derrotadas por
insistirem em modelos arcaicos de dominação ou por vacilarem em relação à força
que deviam sustentar.
Ainda a respeito dos
poderosos do passado, o livro ressaltava que as oligarquias assumiram papéis
“estúpidos e arrogantes”, sem se importar em se ajustarem às mudanças. Também
ocorreu de adotarem posturas liberais, favorecendo uma série de concessões em
vez usarem a força... Tudo isso contribuiu para que fossem derrubadas.
(...)
Havia
quem dissesse que a derrocada dos poderosos do passado ocorrera por seu zelo à
consciência... Mas havia quem afirmasse o contrário. O Partido acabou
produzindo uma “epistemologia” e um modo de pensar em que “consciência e
inconsciência” coexistiam... De outro modo não seria possível seu predomínio
por tanto tempo.
As pessoas eram
levadas a crer na infalibilidade do regime controlado pelo Partido...
Evidentemente isso era ideológico, já que para admiti-lo ignoravam a realidade
marcada por vários fracassos administrativos. Mas para além dessa constatação,
devia-se admitir que o IngSoc reconhecia os erros do passado, aprendeu com eles
e estabeleceu seu domínio sob novos parâmetros.
Não era por acaso que
“os mais sutis praticantes do duplipensar” eram exatamente os que o haviam
criado... Obviamente tinham plena consciência de que se tratava de “um vasto
sistema de fraude mental” e é por isso que o livro sentenciava que os que
tinham conhecimento apurado acerca da realidade eram os que mais se
distanciavam da mesma e do “mundo tal como ele é”. Daí resultava as estranhas
relações “maior compreensão, maior ilusão; mais inteligência, menos juízo”.
(...)
Corroborava com a constatação anterior o fato de se perceber que era
entre os maiorais da sociedade que se percebia a maior histeria gerada pelas
guerras. Os mais sensatos em relação aos conflitos eram os que viviam nos
territórios disputados pelos grandes impérios... Eles entendiam as guerras como
“calamidades contínuas” que os atirava ora para a exploração de um, ora para o
domínio de outro. Para os povos subjugados, pouco importava saber quem se saía
vitorioso, pois sua condição permanecia sempre a mesma, e teriam de trabalhar
para antigos ou novos exploradores. Tanto uns quanto os outros os tratavam da
mesma forma.
Entre os “proles”, os operários que os quadros do Partido Externo
consideravam “ligeiramente mais favorecidos”, a consciência a respeito da
guerra passava por fases distintas... Eventualmente eram instigados pela
propaganda a manifestarem seu ódio e medo em eventos públicos, mas em pouco
tempo voltavam suas atenções para a própria condição e se esqueciam
completamente de que o país estava em guerra.
Era entre os integrantes do Partido Interno que
se encontravam os verdadeiros fanáticos pela guerra. Esses acreditavam que a
Oceania dominaria o mundo, apesar de saberem que isso era simplesmente
impossível.
(...)
Como
se vê, a sociedade dominada pelo IngSoc apresentava dessas contradições. A
mistura “sabedoria/ignorância; cinismo/fanatismo” era resultado da ideologia
que assegurava o poder extremado do Partido e persistia até mesmo onde não
havia “qualquer razão prática” que a justificasse.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto