Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/11/1984-de-george-orwell-forcas-de.html antes
de ler esta postagem:
Logo que o velho Charrington entrou os agentes
de repressão pareceram adotar uma postura menos agressiva... Winston notou que
a aparência do antiquário também estava mudada. Surpreendeu-se ao ouvi-lo
ordenar que recolhessem os pedaços do peso de papel que estavam espalhados pelo
piso.
Não foi difícil reconhecer
que sua voz era a mesma que havia saído da teletela momentos antes. O tipo
trajava o mesmo paletó de ocasião, todavia sua aparência estava mudada, já que
não mais trazia o grisalho nos cabelos ou óculos... Virou-se por um momento na
direção do capturado e o olhou com agressividade sem nada dizer... Parecia ter
conferido que aquele era mesmo Winston e depois não mais se voltou para ele.
De sua parte, Winston tinha certeza de que aquele era mesmo o antiquário
com quem se entendera a respeito dos objetos antigos e do aluguel do quarto,
mas o homem apresentava postura física bem diferente... Não tinha as costas
curvadas como antes e sua estatura havia aumentado.
Charrington trazia pequenas
mudanças no rosto, significativas para uma “completa transformação”. Nada de
rugas... Além disso, as sobrancelhas pareciam ter se afinado. Também o nariz
parecia outro, já que não estava tão proeminente quanto antes... No conjunto,
as alterações deram-lhe uma aparência de um tipo bem mais jovem, contando uns
trinta e cinco anos.
Winston teve a convicção de
que estava diante de um integrante da Polícia do Pensamento.
(...)
O rapaz acabou sendo levado
para uma instalação no Ministério do Amor... Mas antes passou por um centro
comum de detenção, onde permaneceu por algum tempo em meio a outros presos
políticos e outros por delitos comuns...
O ambiente no Ministério do
Amor era de total isolamento e vigilância... A sala muito branca e iluminada
por “lâmpadas ocultas” não tinha qualquer janela e em cada uma das paredes
havia uma teletela. O silêncio só não era pleno devido a um constante zunido
certamente relacionado ao sistema de refrigeração. Em quase toda extensão das
paredes havia espécie de prateleira que servia de assento. Num determinado
ponto localizava-se uma porta que dava acesso a um vaso sanitário desprovido de
tampo.
O rapaz estava sem qualquer
noção do tempo que havia se passado desde que o encaminharam para ali... Ainda
estava perturbado pelo fato de não saber em que momento se efetuara a sua
captura, se era noite ou dia. Sabia apenas que sentia forte dor de barriga e
que estava esfomeado sem saber quantas horas haviam se passado desde que fizera
a última refeição... Provavelmente mais de um dia e meio.
Sentado no estreito banco, Winston mantinha as mãos sobre os joelhos e
permanecia imóvel o mais que podia. Qualquer movimento repentino que fizesse
era repreendido pela teletela. Ele parecia bem treinado a permanecer na
imobilidade, mas a fome o incomodava muito e por um momento imaginou que trazia
algumas migalhas de pão no bolso... Não conseguiu resistir e levou a mão ao
local onde supunha estarem as migalhas, mas no mesmo momento a placa metálica
vociferou: “Smith! 6079 Smith W! tira a mão do bolso!”
Decepcionado, obedeceu tornando-se novamente imóvel e cruzando as mãos
sobre os joelhos.
(...)
Como se afirmou anteriormente, antes de ser
encaminhado para as instalações do Ministério do Amor, Winston passou um tempo
em um local que parecia ser “uma prisão comum ou um depósito temporário”
utilizado pelas forças de repressão.
Não sabia por quanto tempo
permaneceu no ambiente sujo, malcheiroso e barulhento... A sala era bem parecida
com a que foi deixado isolado, com a diferença de que parecia malcuidada e, por
alguns momentos, abarrotada de detidos.
No local havia alguns presos políticos como ele, mas a maioria era de
presos comuns... Logo que chegou, colocou-se em silêncio no longo banco e em
pouco pôde perceber a companhia de tipos pouco acostumados aos banhos diários. Apesar
da fome e dor de barriga, além de amedrontado, não podia deixar de notar o
comportamento dos presos.
Os que tinham vínculos com
o Partido permaneciam calados e tinham um olhar aterrorizado... Os presos
comuns se comportavam extravagantemente e não se importavam com os demais, além
disso, esbravejavam com os carcereiros, implicavam com a repressão e rabiscavam
palavrões no piso.
Podia-se perceber que
alguns deles conseguiam comida por meios não conhecidos pela polícia... E
quando se cansavam da falação das teletelas, se injuriavam e provocavam
gritaria para que fossem silenciadas. Conseguiam seu intento, já que a
balbúrdia que provocavam era insuportável.
Os
guardas usavam de violência contra eles, mas até quando os estapeavam
demonstravam certa consideração. Winston entendeu que no mundo dos criminosos
sempre havia aqueles que lidavam com contrabandos e ilícitos que, uma vez tramados
com as “pessoas certas”, podiam garantir alguns privilégios. Um dos tipos
chegou mesmo a dizer-lhe que, se conhecesse “bons contatos e os truques
certos”, não enfrentaria muitos problemas nos campos de trabalho forçado.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto