As últimas postagens nos deram uma ideia a respeito do verão vivido por Anne, Robert, Nadine e Lambert em Saint-Martin... Agora, quando o foco do texto retorna à existência de Henri, se faz necessário esclarecer um pouco sobre os movimentos de outros personagens durante o mesmo período... Paule, por exemplo, retirou-se junto a Claudie de Belzunce; Josette foi para Cannes com sua mãe, Lucie Belhomme; Henri arranjou um automóvel de segunda mão e colocou-o na estrada no rumo da Itália, onde pôde descansar a mente dos problemas que sempre se relacionavam ao SRL e a L’Espoir.
(...)
Em seu retorno a Paris não pôde deixar de lidar com a papelada da
correspondência acumulada... Em meio à bagunça encontrou o relatório enviado
por Lambert direto da Alemanha, além disso, havia outro volume de documentos
organizados por Scriassine... A noite de Perron, então, foi dedicada aos
estudos desses densos materiais.
Os depoimentos de homens e
mulheres que haviam se livrado dos campos de prisioneiros organizados pelos
soviéticos não deixavam dúvidas... Eles constituíam algo bem diferente das
suspeitas que se poderiam levantar sobre documentos extraídos do Reich, ou os
“testemunhos de poloneses internados, e libertados em 1941”...
Henri pensou... Ele tinha conhecimento de documentos
saídos de Moscou, como o relatório que apareceu em 1935 sobre os trabalhos nos
campos de Oguepeú, ou o plano quinquenal de 1941, que destinava ao MVD (algo como “Ministério do Interior”)
14% “dos empreendimentos de construção”... Não havia como negar, os campos de
trabalho forçado existiam de fato (entre outros: minas de ouro em Kolima; as de
carvão de Norilek e de Vorduka; as de ferro de Stsrobelsk; as zonas de pesca de
Komi...).
Todos esses locais eram institucionais... Difícil era saber quantos
viviam sob o rígido controle e quais eram suas reais condições de vida e
trabalho.
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Para Henri não havia mais como manter-se neutro...
Seria preciso denunciar. Manter silêncio equivalia a tornar-se cúmplice... Como
os leitores entenderiam essa postura? Havia os comunistas, que certamente lhe
fariam uma oposição ferrenha... O jornal sofreria ataques agressivos...
(...)
Pela manhã viu que operários compravam L’Espoir na banca da esquina...
Ainda comprariam? Para manter silêncio em relação às denúncias teria de possuir
informações consistentes... No entanto, o argumento mais forte em favor da não
divulgação era o de que o regime dava o verdadeiro sentido aos campos... Diante
da quantidade de provas, isso era muito pouco...Era preciso dizer aos leitores o que sabia. Essa convicção tomava conta
de Henri e, se não lhe chegassem razões bem embasadas, não teria como
esconder-lhes as informações.
É claro que Henri sabia de outras pressões... Mas em relação a elas
podia se considerar numa trégua, dado que Robert, Lambert e Scriassine não
estavam em Paris... E Samazelle também não o estava incomodando com exigências
de qualquer natureza.
(...)
É por isso que ele podia se dedicar aos ensaios de sua peça... Bem
diferentes eram as pressões que enfrentava nessa seara... Salève a dirigia com
rigor repleto de caprichos... Josette parecia não dar conta de suportá-los,
assim buscava isolamento para choramingar... Vernon tremia a cada pedido de
corte das “cenas mais escandalosas”... Já Lucie Belhomme se responsabilizara
pelo figurino, mas parecia não se importar com o seu “modo de ser inconveniente”...
É que havia a cena em que Josette “saía de uma igreja pegando fogo”, mas para
Lulu a filha não podia ser vista em trapos (apenas elegantemente vestida como
se estivesse saindo de um desfile).
Também a lembrança de Paule incomodava a
consciência de Henri... Ele precisava visitá-la... Desde que a moça retornara a
Paris não lhe dera nenhum sinal... Telefonou-lhe e ficou admirado com o modo
como ela marcou o encontro.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_29.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto