Então é isso...
Lambert tentou demonstrar delicadeza no retorno de Nadine. Mas nada do que dissesse fazia com que a outra reconhecesse o seu esforço. Em vez disso, nota-se que ela fazia questão de agredir.
(...)
Anne retirou-se imaginando
que mais aquela discussão prosseguiria durante toda a noite. Pela manhã
dirigiu-se ao jardim e notou a grande quantidade de gravetos espalhados pela
grama... Ela viu que a estrada estava bem danificada e enlameada. Apesar disso,
a atmosfera estava bem agradável para o trabalho com seus papéis.
Nem bem organizou a mesa, ouviu o barulho da
motocicleta conduzida por Nadine na esburacada estrada... A garota imprimia
alta velocidade à máquina enquanto seus cabelos esvoaçavam e sua saia
“subia-lhe pelas coxas nuas”... É claro
que ela não tinha a menor condição de ouvir os protestos gritados por Lambert.
Desolado, o rapaz dirigiu a palavra à Anne... Era com preocupação que
afirmava que Nadine não sabia pilotar... Ela havia pegado a chave durante a
noite... Certamente estouraria a cabeça contra alguma árvore tombada na
estrada.
Anne quis acalmá-lo e disse que a filha tinha o seu
modo específico de “ser prudente”... Ela mesma não sentiu firmeza nas próprias
palavras... O moço concluiu que não tinha feito bem ao confiar tanto em Anne
quando ouviu dela que Nadine o amava... Lambert viu que o seu esforço de
reconciliação na noite anterior não havia produzido resultados positivos... Mais
uma vez Anne aconselhou-o a ter paciência... Ele já não sabia o que fazer para
que Nadine o aceitasse...
(...)
Lambert se retirou e Anne ficou a pensar sobre o novo transtorno...
Imaginou Nadine tresloucada, em alta velocidade e se desviando de buracos e
troncos que haviam caído durante a tempestade... Ela devia estar refletindo
sobre a sua infelicidade por não ser amada por Lambert, pela morte de Diego...
Mas e Lambert? Anne sentia que também para ele aquela situação não era fácil...
Em seu quarto ele devia estar se deslocando de um lado para outro e pensando em
sua condição de homem ao mesmo tempo em que ainda sentia falta da “ternura
maternal”, proteção e exemplo dos adultos...
Anne preocupou-se com a situação temerária na qual Nadine se metera...
Mas não havia como não pensar nas provações que os dois jovens teriam de
superar para se estabelecerem como adultos... As moças eram oprimidas; os
rapazes sofriam as mais diversas exigências do universo masculino... Inútil
esperar que Nadine e Lambert se ajudassem para superar seus traumas.
(...)
O almoço foi tenso. Via-se que Lambert estava muito nervoso... Ao mesmo
tempo temia o que pudesse ocorrer a Nadine... Anne disse que provavelmente a
filha nem estivesse pensando que ele se preocupava... Talvez ela estivesse dormindo
tranquilamente num campo ensolarado...
O rapaz era só lamentações... Não conseguia imaginar outra coisa além de
um corpo estatelado num buraco qualquer da floresta... Lambert não parava de
sentenciar que Nadine era uma louca por ter saído sem a sua permissão... Até
Dubreuilh, que sempre se colocava à parte desses dramas, resolveu dizer que se
algo tivesse ocorrido com a filha, alguém já teria telefonado.
Mais tarde o próprio Robert
Dubreuilh cogitou ligar aos postos policiais da região... Mas isso não foi
necessário porque o barulho do motor anunciou a chegada de Nadine... Lambert
antecipou-se a todos e foi o primeiro a recepcioná-la quando ela saía da
estrada.
Motocicleta e
motociclista estavam completamente enlameadas... O sorriso cínico de Nadine foi
interrompido por dois tapas de Lambert... O rapaz a agarrou pelos punhos... A
moça gritava pela mãe enquanto sangrava pelo nariz... Anne sabia que a filha
sabia como provocar sangramentos como aquele para se fazer de vítima, então disse
que não tinham vergonha e exigiu que os dois se apartassem.
Lambert gritava que a partiria em pedaços... Nadine se mostrava
indignada por ter apanhado por causa do brinquedo do outro... Anne explicou que
nenhum dos dois estava com a razão... Em nenhum momento Nadine admitiu que
alguém ali pudesse ter se preocupado com a sua segurança... Disparou que, para
Lambert, tanto fazia se ela estourasse os miolos porque ele bem sabia o que era
enterrar uma namorada... Sem saber o que dizer, o rapaz disse que ela havia
traído Diego com todo o exército americano... Nadine lembrou que o pai dele
havia entregado Rosa aos nazistas.
Depois de breve silêncio, Lambert
proferiu que não queria mais vê-la... Subiu na moto e partiu... Nadine
lançou-se na relva e gritou como uma louca.
Assim termina o capítulo VI de Os Mandarins.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2014/07/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_28.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto